A Batalha das Cosmovisões: Dualismo e Teísmo em Tolkien e Lewis

Michael J. Kruger

Todo mundo tem uma cosmovisão.  E toda cosmovisão deve lidar um uma questão principal: as origens do bem e do mal.  Essa é a questão permanente de nossa existência e ninguém pode escapar dela.  Mesmo cosmovisões fictícias precisam prestar contas pelo bem e pelo mal (se elas pretendem fazer algum sentido).

Uma possibilidade é sugerir que não existe algo como bem e mal.  Na cosmovisão materialista-evolucionária, em que não há nada senão matéria em movimento, conceitos como “bem” e “mal” são meramente construções humanas.   Mas uma cosmovisão assim leva diretamente ao Niilismo.  Somos forçados a defender que as ações de pessoas como Jerry Sandusky não são realmente “erradas” em qualquer sentido objetivo.  Em um universo materialista, as ações não são morais ou imorais.  Elas apenas são.

É claro, poucas pessoas andariam dispostamente por um caminho niilista como esse.  Além disso, muitos poucos escritores de ficção o fariam também.  Se você perceber, quase toda cosmovisão fictícia pressupõe que bem e mal são não apenas reais, mas também identificáveis.  De outra forma, não haveria algo como os “mocinhos”.

Outra explicação popular para a origem do bem e do mal é o que podemos chamar de cosmovisão “dualística”.  O dualismo sugere que bem e mal são forçar iguais e últimas no universo, que estão lutando pela supremacia.   As duas forças existem desde o princípio, e nenhuma começou primeiro.  A saga de ficção Star Wars está bem próxima de uma cosmovisão dualista.  O universo é composto de um lado bom da Força e um lado mau da Força, cada um batalhando para vencer o outro.

Porém, o dualismo não resolve bem o problema.  Tudo bem sugerir que bem e mal têm existido desde o príncípio, mas por que deveríamos chamar uma dessas forças de “bem” e a outra de “mal”?  Não pode ser simplesmente porque preferimos uma à outra – nossas preferências pessoas não tornam algo em bom ou ruim.  A fim de dizer que uma força é boa e outra é má, devemos comparar essas forças com algum padrão maior, mais elevado.  Lewis argumenta:

 Se os dois poderes são julgados por esse padrão, então o próprio padrão ou o Ser que o criou está além e acima de qualquer um dos poderes. É ele o Deus verdadeiro. Na realidade, quando dizemos que um poder é bom e o outro é mau, entendemos que um está em relação harmoniosa com o Deus verdadeiro e supremo, e o outro, não. (Cristianismo Puro e Simples, p.21)

 Em contraste ao materialismo e ao dualismo, o teísmo cristão vem defendendo que Deus originalmente fez o mundo bom e que o mal é a corrupção e distorção subsequentes de algo bom.  Novamente, Lewis esclarece:

 A bondade, por assim dizer, é ela mesma, ao passo que a maldade é apenas o Bem pervertido.  E, para que haja uma perversão, é preciso que antes haja uma perfeição… . . Você começa a perceber agora por que o cristianismo sempre disse que o diabo é um anjo caído?  Isto não é apenas uma historieta para crianças. É o reconhecimento real do fato de que o Mal é um parasita, não um ente original. (Cristianismo Puro e Simples, p.22)

 O que é particularmente digno de nota é que quando Lewis e Tolkien desenvolveram suas cosmovisões fictícias – os mundos de Nárnia e da Terra Média – eles os basearam não no materialismo ou no dualismo, mas no teísmo cristão.  Eles são mundos de ficção que começaram completamente bons e, então, foram posteriormente corrompidos pelo mal.

Isso é particularmente evidente em O Senhor dos Anéis.  Ilúvatar criou todas as coisas boas (ele até criou com palavras, a saber com uma música).  Porém, houve rebelião e corrupção subsequente.  E assim, todas as coisas más, se voltarmos longe o bastante, foram uma vez coisas boas.  Os orcs eram originalmente elfos, que foram distorcidos e corrompidos.  Os Espectros do Anel foram homens, reis da antiguidade.   Mesmo o próprio Sauron já foi bom, antes de tornar-se um servo maligno de Melkor.

O exemplo emblemático de criaturas começando boas e tornando-se más é Gollum.  Anteriormente parte do povo do rio, que é semelhante aos hobbits, Smeagol foi enganado pelo anel e lentamente foi transformado em uma versão distorcida e horrenda de seu antigo eu.   Ele passou a odiar todas as coisas belas e desceu para a escuridão e solidão.

E aqui está a grande ideia.  Sem uma cosmovisão teísta cristã oferecendo a fundação para suas histórias de ficção, as amadas obras de Lewis e Tolkien careceriam do que as torna tão comoventes: o triunfo do bem sobre o mal.  Esse triunfo somente faz sentido se realmente houver bem e mal, e você puder identificar qual é qual.

Por esse motivo, seria possível argumentar que toda história que tem o tema do bem triunfando sobre o mal está, na realidade, pressupondo uma cosmovisão cristã – quer estejam cientes disso ou não.  Essas histórias são reflexos nebulosos da única e verdadeira história arquetípica, um Deus bom redimindo um mundo caído por meio de Jesus Cristo.