Deístas que amam Jesus (e falam como Freud)

Joe Carter
Joe Carter

Por volta de 1800, o Deísmo tradicional estava morrendo, seus conceitos eram incorporados a outros movimentos teológicos (principalmente o Unitarianismo) ou eram substituídos no imaginário popular pelo ressurgimento tanto do ateísmo quanto do cristianismo ortodoxo.  Contudo, conforme o sociólogo Christian Smith descobriu há alguns anos atrás, um número significativo de cristãos americanos, especialmente adolescentes, são apenas “vagamente cristãos em qualquer ligação com a tradição cristã histórica” e, ao invés disso, abraçam o “meio-primo bastardo do cristianismo, o Deísmo Moralista Terapêutico”.

O Deísmo Moralista Terapêutico, de acordo com Smith, é um conjunto de crenças que inclui:

  1. Um deus que criou e organizou o universo e supervisiona a vida humana.
  2. Deus quer que as pessoas sejam boas, legais e justas umas com as outras, como é ensinado na Bíblia e na maioria das religiões.
  3. O objetivo principal da vida é ser feliz e sentir-se bem consigo mesmo.
  4. Deus não precisa estar particularmente envolvido na vida de alguém, exceto quando é necessário para que se resolva algum problema.
  5. Pessoas boas vão para o céu quando morrem.

O “deísmo” do DMT está apenas vagamente ligado ao Deísmo que era relativamente popular entre os séculos XVII e XIX. Enquanto as duas versões do deísmo reconhecem uma divindade suprema e a recompensa por bom comportamento, o tipo moderno não faz qualquer menção à punição dos mal-comportados. Ambos concordam que o que Deus espera de nós é que ajamos moralmente com nossos próximos. Mas discordam bastante em relação à nossa inabilidade de realizar nossos deveres morais. Os deístas tradicionais como Edward Hebert ainda eram influenciados o bastante pelo cristianismo para reconhecer o conceito de pecado (“devemos nos sentir mal por eles e nos arrependermos”) e para expressar a necessidade de contrição e arrependimento (“A bondade divina administra recompensas e punições tanto nessa vida quanto na próxima”).

Os deístas terapêuticos modernos, pelo contrário, acreditam que a sua obrigação principal é sua própria felicidade. Se eles têm qualquer concepção de pecado, é provavelmente algo individualista, como na famosa definição de “estar desalinhado com meus próprios valores”.

Da Era do Iluminismo à Era do Terapêutico

O que explica a ressurreição do Deísmo no final do século XX? Como o Deísmo tradicional se transformou no Deísmo Moralista Terapêutico. A resposta está no termo do meio – Terapêutico – e o homem que, praticamente sozinho, gerou a Era da Terapia: Sigmund Freud.

Como os teólogos Stanley Grenz e Roger Olson explicam,

O Deus dos deístas é uma divindade distante e radicalmente transcendente. Ainda assim, a visão do Iluminismo atou Deus à natureza e à razão humana de tal forma que a transcendência de Deus se dissolveu na imanência da divindade dentro da criação e da razão. Ao invés de olhar além do mundo para encontrar Deus, o Iluminismo passou a olhar para dentro de si mesmo.

Embora tanto os deístas tradicionais quanto os modernos (assim como os Novos Ateístas) dissolvem a transcendência na imanência, imbuindo-a na criação e na razão, o efeito e a ênfase são consideravelmente diferentes para cada. Os deístas do Iluminismo admiravam Jesus como um exemplo moral, mas o rejeitavam como o Filho de Deus. Em contraste, os deístas da Era Terapêutica não vêem problema em confessar a divindade de Cristo – desde que fazê-lo melhore o seu bem estar consigo mesmo.

Todos falamos freudiano

É aqui onde Freud aparece. O legado de Freud na psicologia é duplo. Mais significativo é a sua atenção para os traços ocultos do ser interior da pessoa, ao contrário das influências externas e do ambiente, para descobrir a verdadeira identidade e determinar o que é necessário para a saúde emocional e a felicidade. Em segundo lugar está a linguagem inventada e/ou incentivada pelos psicanalistas freudianos: negação, projeção, repressão, sublimação, id, ego, fetiche, fixação, introversão, neurose, complexo de Édipo, princípio de prazer. Todos esses são termos que os americanos – um povo perpetuamente em busca de auto-diagnóstico – usam para se comunicar e analisar as pessoas e a si mesmos.

Esse linguajar terapêutico forma a base conceitual pela qual os outros jargões técnicos – como os termos teológicos – são interpretados. Pense no termo “término”, a ideia de que após um trauma ou uma perda, os indivíduos têm uma necessidade interior de uma solução final, ao invés de uma ambiguigade permanente. Término é um conceito derivado da terapia Gestalt que não tem nenhum paralelo na Escritura, mas, às vezes, é considerado uma condição necessária para o perdão, particularmente o perdão ligado à uma grave injustiça. A ideia de que Deus espera que perdoemos sem antes experimentar algum tipo de término ou conclusão soa para o Deísta Terapêutico como suicídio emocional.

Esses conceitos terapêuticos também influenciam nosso entendimento da revelação de Deus. Em Isaías 48.11, Deus afirma buscar sua própria glória: “Por amor de mim mesmo, por amor de mim mesmo, eu faço isso. Como posso permitir que eu mesmo seja difamado? Não darei minha glória a nenhum outro”. Uma passagem assim confundiria um deísta, pois faz Deus parecer – para usar outro termo cunhado por Freud – um “narcisista”.

Mais frequente ainda, entretanto, a linguagem terapêutica substitui completamente alguns conceitos teológicos. Em seu estudo, Smith nota que os adolescentes usaram a frase “se sentir bem” mais de duas mil vezes nas entrevistas. Nenhum deles usou os termos “justificação” ou “ser justificado”, “santificação” ou “ser santificado”. A “graça de Deus” foi mencionada explicitamente apenas três vezes.

“A linguagem, e assim a experiência”, diz Smith, “da Trindade, santidade, pecado, graça, justificação, santificação, igreja, comunhão, céu e inferno aparentam, pelo menos entre a maioria dos adolescentes americanos, terem sido suplantadas pela linguagem de felicidade, bondade e recompensa celestial merecida”. Smith vê isso não como um sinal de que o Cristianismo foi secularizado, mas que está ou se degenerando para uma versão patética de si mesmo ou para uma fé religiosa completamente diferente.

Como criamos deístas ao invés de discípulos

Essa nova forma de deísmo é particularmente perturbadora porque as igrejas têm ajudado a espalhá-lo. Como Ed Stetzer, presidente da LifeWay Research, recentemente notou,

O elefante branco da igreja cristã hoje é que não estamos vendo discipulados robustos acontecerem. É mais provável encontrar evangélicos afirmando que há mais de um caminho para o céu hoje do que há 15 ou 20 anos. Por quê? Temos feito um bom trabalho de fazê-los entrar e saciar seu apetite espiritual, mas temos feito um péssimo trabalho de realmente fazê-los crescer e de firmá-los na fé.

Embora nenhuma tradição esteja completamente livre da culpa, o evangelicalismo carrega boa parte da responsabilidade. Muitas de nossas igrejas abraçaram completamente a linguagem e os conceitos terapêuticos enquanto abandonaram o papel do ensino e do discipulado.

Quase toda congregação não-denominacional tem um “líder de louvor”, mas poucas têm um grande professor de teologia. As salas da Escola Dominical podem ensinar aos jovens as histórias da Bíblia, mas poucas oferecem ensino profundo de teologia. Adultos recém-convertidos sofrem ainda mais. Talvez lhes peçam para comparecer a algumas poucas aulas, mas a doutrina é explicada rapidamente, quando é mencionada. Se eles perguntarem sobre os aspectos de sua fé, o que se espera que eles creiam, é possível que apenas lhes entreguem um panfleto, uma recomendação de livro ou direções para encontrar a livraria evangélica mais próxima.

Enquanto dominamos a tarefa de fazer convertidos, estamos falhando profundamente, como Stetzer nota, em nosso dever de fazer discípulos. Ensinar as doutrinas básicas da fé não é uma tarefa opcional, um projeto que podemos investir se sobrar tempo após o café-da-manhã de oração ou as reuniões de pequenos grupos de comunhão – é uma questão de consequências eternas. Não podemos mais nos dar ao luxo de ignorar nossa responsabilidade de prover essa instrução doutrinária desesperadoramente necessária. Ou nós começamos a fazer discípulos cristãos ou a nossa cultura vai continuar fazendo deístas que tem alguma simpatia por Jesus.