Espiritualidade de BBB

Josaías Jr.

Todo participante do Big Brother Brasil é um teólogo. Talvez eles não sejam aceitos na academia, na igreja ou registrando essa profissão. Mas não estou usando a palavra “teólogo” em seu sentido mais restrito, isto é, alguém versado em teologia, um estudante, graduado, mestre ou doutor no assunto. Todos somos teólogos levando-se em consideração o fato de que temos pressuposições sobre Deus, deuses, a não-existência de Deus ou algo parecido. Assim, não é de estranhar que qualquer pessoa tenha um “pitaco” quando o assunto é religião e espiritualidade.

Talvez nunca tenhamos pensado muito sobre isso, mas em nosso interior temos a resposta para o que podemos chamar de ponto inicial de uma visão de mundo: Qual é a realidade primordial? Isto é, de onde veio tudo? Poderíamos responder: Deus, os deuses, da própria matéria, acaso, etc. A partir daí, outras perguntas – quem somos, o que é certo ou errado, qual o sentido da vida – podem ser respondidas (ainda que de maneira incoerente, às vezes).

Em outro post, listamos algumas características da Alma de BBB que podemos ter em nossas vidas: falta de modéstia, desejo pela celebridade (temor ao homem), falta de masculinidade e feminilidade, amor ao dinheiro e autonomia moral. Na raiz de tudo está a substituição do Deus glorioso da Bíblia por uma divindade menor, parecida demais com homens e mulheres caídos para se importar com pecados, mas gentil o suficiente para nos abençoar.  A religião ou espiritualidade que adotamos se afasta do que Deus revelou em sua Palavra e aproxima-se daquilo que foi chamado de deísmo moralista terapêutico pelo sociólogo Christian Smith¹.

Em que consiste essa espiritualidade de BBB?

Você se lembra do polêmico participante do Big Brother conhecido por ser um adepto e defensor do ateísmo? Não se lembra? É porque nunca aconteceu. Os participantes do BBB geralmente creem em Deus ou algo parecido. Mas de uma maneira um pouco diferente.

Sua espiritualidade é deísta. Quem estuda filosofia está acostumado a essa palavra e sei que a definição a seguir é bem rasa e menos acadêmica. Com o termo, queremos identificar aqueles que creem que existe, sim, um Deus que criou tudo. Contudo, esse deus não é aquele que conhecemos na Escritura, pois o deus do deísmo basicamente montou o relógio, deu corda e o deixou funcionando.

Pedro Bial

Assim, podemos achar que acreditamos em Deus e ainda assim entendê-lo como alguém que não se envolve diretamente com sua Criação, que não julga nem salva e, em alguns casos, sequer faz milagres que afetem o funcionamento de seu relógio. É o deus que não intervém. Ao invés de ser o Senhor da história, esse deus – que alguns pensam ser o Deus e Pai de Jesus – entregou os destinos do universo em nossas mãos.

Acho que está claro que a maioria dos BBBs se considera protagonista da história que as câmeras revelam para todo Brasil. Citei certo participante que disse: “o importante é o que eu tô pensando. Se eu me aceito, acho que isso é o que importa”. Com o “eu” ocupando o espaço do deus ausente, todas as atenções se voltam pra mim: “votem para eu ficar”, “eu mereço o prêmio porque…”, “o Brasil tá vendo quem eu sou”, são algumas das frases padrão do programa. Outro refrão comum é “as pessoas não me suportam, porque eu sou autêntico”. Autenticidade é uma boa qualidade, mas aqui ela quer dizer: “eu falo e faço o que quiser, não tenho que prestar contas e ninguém tem nada a ver com isso”. Quem não aceita a “autenticidade” está julgando e sendo hipócrita. Se Deus não interfere na minha vida, quem é você para fazer isso?

Entre as igrejas, isso se manifesta quando nos esquecemos de que não fomos chamados para nos expressarmos, mas para expressarmos o Deus que nos salvou. O objetivo é nos livrarmos da tola ilusão de que somos os heróis da história e aceitar que somos os necessitados que foram salvos. Somos livres, mas estamos debaixo de um Rei que nos pede que “consideremos os outros superiores” (Fp 2.3). Prestamos contas a Ele e a nossos irmãos².

Todo participante de reality show não tem muito problema em participar de baladas, “ficadas”, fofocas e manipulação. “Isso aqui é um jogo”, eles nos lembram. Como então podemos chamá-los de moralistas?

Pedro Bial nos ajuda a entender melhor isso, quando, entrevistando certa participante, sugeriu que “temos um anjinho e um diabinho em nossas vidas”. O que ele não entendia é que, em sua opinião, essa moça não parecia ter um diabinho, mas apenas um anjinho. Prontamente, ela respondeu que, de fato, não tinha nada que poderia ser colocado na categoria “diabinho”.

O moralismo dessa religião Big Brother envolve uma forma leve do que conhecemos como farisaísmo. Como os religiosos do tempo de Jesus, crê-se em certo código moral que tradições e cultura criaram (pois Deus está ausente, lembra-se?³). Como os fariseus, eu sigo esse código e me considero bom. Como eles, eu me salvo, me justifico e me redimo fazendo aquilo que está nesse código: seja pela religião, seja pela irreligião.

Alguns dos campeões da casa

A verdade é que todos seguimos regras, criadas por nosso coração pecaminoso, a fim de darmos sentido à nossa vida, a fazê-la valer – e aqueles que não seguem isso estão condenados e são inferiores. Como a garota citada acima, por natureza cremos que estamos justificados no que fazemos.

Dentro do cristianismo, vemos esse sintoma em uma teologia que valoriza as ações humanas acima dos atos divinos. Com mulheres e homens se responsabilizando por seus destinos, o que se prega nas igrejas é apenas aquilo que é prático: “como fazer isso”, “como vencer aquilo”, “sete passos para conseguir”.

Não estou negando nossa responsabilidade e sei que os sermões devem ter orientações relevantes para questões de nossas vidas. O problema é que, muitas vezes, são apenas ordens, mandamentos e leis (ainda que disfarçadas com termos agradáveis como princípios, passos ou sugestões) que nossos ouvintes, crentes ou incrédulos, estão recebendo. Não há Evangelho, apenas Lei. Não existe dom gratuito, mas o salário de boas atitudes. E aqueles que conseguem colocar em prática tais regras são anjinhos, não diabinhos.

Não temos o mesmo potencial para bem e mal. Mesmo nossa busca pelo divino pode tornar-se pecaminosa e até nossos esforços morais nos afastam de Deus (lembra-se do irmão mais velho na parábola do Filho Pródigo?). Sozinhos, dependendo apenas de nossos atos e de nosso “lado anjinho”, fracassaremos.

Porém, como essa religião também é terapêutica, essa conversa dos dois parágrafos anteriores não deve ser mencionada. O importante é nos sentirmos bem, termos uma elevada autoestima e nos lembrar de que “Deus” nos quer felizes. É por isso que não há problema em seguir minhas próprias regras, e procurar ao máximo aquilo que me satisfaz – baladas, dinheiro, sexo, religião, respeito acadêmico ou profissional, e por aí vai. Esse é o objetivo da vida. Deus é indiferente, menos quando o assunto é eu me sentir bem.

Resumindo: Deus está ausente e ele não se ira. E como sou bom e sigo as regras, ele vai me ajudar. Não sou salvo de algo ou de alguém: Deus, a religião e/ou a espiritualidade (ou, traduzindo para o evangeliquês, Jesus) é apenas meu ajudante para a felicidade, a abundância, a autoaceitação ou os costumes saudáveis.

Somente pelo Evangelho

Como fugir dessas distorções da fé? Voltando nossos olhos para a cruz de Cristo. Por meio dela, podemos enfrentar tanto nossa “alma de BBB” quanto nossa “espiritualidade de BBB”.

Através das boas novas de Jesus, poderemos vencer os sintomas dessa religião que venera um deus fraco e impotente:

  • Se o objetivo de nossa vida é exibir nossa beleza, nos lembraremos de que Cristo se fez feio por nós (Is 53.2).
  • Se buscamos fama e glória, o Senhor nos diz que escolheu as coisas insignificantes para a glória dele (1 Co 1.28-31).
  • Se há confusão sobre como homens e mulheres se comportam, o mistério do casamento – expresso na cruz – nos ilumina (Ef 5.25,26).
  • Se o dinheiro é nosso Deus, a Bíblia nos alerta que o Salvador se fez pobre (2 Co 8.9) para nos enriquecer.
  • Por fim, se achamos que podemos criar e seguir nossas próprias regras, falhamos. Cristo morreu debaixo de uma maldição justamente porque quebramos toda a Lei que ele nos deu.

Pelo Evangelho, sabemos que Deus não está distante, mas conosco. Sabemos que ele se envolve e, por isso, julga e odeia o pecado. Pelo Evangelho, aprendemos que não somos anjinhos com pequenas falhas, mas pessoas inclinadas ao mal, profundamente corrompidas. Bem-aventurados os que choram e lamentam sua pobreza de espírito (Mt 5.3,4).

Na cruz e na ressurreição de Cristo, descobrimos que o Salvador não está nos ensinando e ajudando a ser uma boa pessoa, mas proporcionando a libertação e a transformação de nosso ser. Se os homens, por natureza, estão mortos, não faz sentido falar de dicas para viver melhor. Eles precisam de vida, e isso só vem por meio do Evangelho.

Em Cristo,

Josa


¹ A partir daqui, passo a usar muito do ótimo livro de Michael Horton, Cristianismo sem Cristo, da Ed. Cultura Cristã.

 

² Isso não quer dizer que nos anularemos até nada restar de nós mesmos. Pelo contrário, devemos confiar que, quando Deus nos transforma à semelhança de seu Filho, ele está nos tornando naquilo que realmente deveríamos ser, sem as manchas, sem os pecados e vícios que pensamos ser parte de nossa identidade. Alguns cristãos professos podem ser hipócritas e farisaicos, mas creio que a maioria dos irmãos em Cristo é realmente usada nessa boa obra de nos levar ao que realmente deveríamos ser. E, mesmo que discordemos biblicamente de suas exortações, a atitude que alguns chamam de “autêntica” nada tem a ver com Jesus.

³ O farisaísmo ganha força na época do “silêncio profético”.