Introdução ao Evangelho (2)

Por Paul Washer

(A primeira parte deste artigo pode ser lida aqui.)

Um Evangelho Para Ser Pregado

… que vos anunciei, (1 Coríntios 15:1)

Parece que para a maioria, uma pregação apaixonada está fora de moda. Muitos consideram-na uma falta do refinamento e da sofisticação que são necessários para se ser efetivo nesta era moderna. O pregador apaixonado proclamando verdades corajosamente e sem ficar pedindo desculpas é agora considerado um obstáculo ao homem pós-moderno que prefere um pouco mais de humildade e abertura para outros pontos de vista. O argumento dessa maioria é que nós simplesmente precisamos mudar a forma como pregamos porque ela parece loucura ao mundo.

Tal atitude a respeito da pregação é uma prova de que perdemos nossas bases na comunidade evangélica. Foi Deus quem ordenou que a “loucura da pregação” fosse o instrumento para trazer a mensagem salvadora do Evangelho ao mundo.[2] Isso não significa que a pregação deva ser tola, ilógica ou esquisita, mas o padrão pelo qual toda pregação deve ser comparada é a Bíblia e não opiniões contemporâneas de uma cultura corrupta e caída que é sábia aos seus próprios olhos.[3]

Frequentemente teoriza-se que nossa cultura atual não tolera o tipo de pregação que foi tão efetivo durante os grandes despertamentos e avivamentos do passado. A pregação de George Whitefield, John Wesley e outros pregadores parecidos seria ridicularizada, satirizada e desprezada com risos pelo homem moderno. No entanto, esta teoria não leva em conta que estes mesmos pregadores foram ridicularizados e satirizados pelos homens de sua própria época! A verdadeira pregação do evangelho sempre vai ser “loucura” para cada cultura. Qualquer tentativa de remover a ofensa e tornar a pregação “apropriada” diminui o poder do Evangelho. Isso também derrota o propósito para o qual Deus escolheu a pregação como meio para salvar os homens – para que a esperança dos homens não repousasse sobre refinamento, eloqüência ou sabedoria mundana, mas no poder de Deus.[4]

Nós vivemos em uma cultura que está presa ao pecado como com rebites de ferro. Histórias morais, máximas pitorescas e lições de vida divididas do coração de um pregador amado não têm poder contra tal escuridão. Precisamos de pregadores do Evangelho de Jesus Cristo que saibam as Escrituras e estejam capacitados pela graça de Deus para enfrentar qualquer cultura e gritar “Assim diz o Senhor!”

Um Evangelho para ser recebido

… o qual recebestes, 1 Coríntios 15:1

Para os homens serem salvos, o Evangelho precisa ser recebido. Entretanto, o que significa “receber” o Evangelho? Não há nada de extraordinário a respeito da palavra “recebestes” no português nem no grego bíblico, mas no contexto do Evangelho, ela se torna extraordinária, e uma das palavras mais radicais nas Escrituras.

Primeiro, quando duas coisas são contrárias ou diametricamente opostas uma à outra, receber uma é rejeitar a outra. Já que não há afinidade ou amizade entre o Evangelho e o mundo, “receber” o Evangelho é “rejeitar” o mundo. Nisso é demonstrado quão radical o ato de receber o Evangelho pode ser. Receber e seguir o chamado do Evangelho é rejeitar tudo que pode ser visto com os olhos e segurado com as mãos, em troca do que não pode ser visto. Isso significa rejeitar a autonomia pessoal, o direito de governar a própria vida, para escravizar-se a um “messias” que morreu dois mil anos atrás como um inimigo do estado e um blasfemo. É rejeitar a maioria e seus pontos de vista, para juntar-se a uma minoria repreendida e aparentemente insignificante chamada Igreja. É arriscar tudo nesta única vida pela crença de que este profeta empalado é o Filho de Deus e Salvador do mundo.

Segundo, para um homem “receber o Evangelho” significa que ele vai confiar exclusivamente na pessoa e obra de Jesus Cristo como o único caminho para estar em pé diante de Deus. É uma máxima comum dizer que acreditar exclusivamente em qualquer coisa é perigoso, ou, na melhor das hipóteses, uma coisa muito imprudente de se fazer. Um homem é considerado negligente por não ter um plano de backup, não ter uma rota alternativa de escape, não ter investimentos diversificados, ou por colocar todos os ovos na mesma cesta e queimar a ponte atrás de si. Ainda assim, é exatamente isso que é feito pelo homem que recebe Jesus Cristo. A fé do cristão é exclusiva. Receber verdadeiramente a Cristo é jogar fora todas as outras esperanças em todas as outras coisas, e ficar só com Cristo. É por essa razão que o apóstolo Paulo declara que, se Cristo for um boato, o cristão é, de todos os homens, o mais digno de pena.[5] Receber o Evangelho não é meramente fazer uma oração pedindo a Jesus para entrar no seu coração, mas é jogar fora o mundo e abraçar a plenitude das reivindicações de Cristo.

“Receber o Evangelho” é abrir a sua vida para o Senhorio de Jesus Cristo. Isso é bem diferente do apelo do evangelismo contemporâneo que ensina os homens a “fazerem de Jesus o Senhor” da vida deles. O que nós precisamos entender é que Jesus É o Senhor da vida de todo homem. As Escrituras declaram que Deus fez dele ambos Senhor e Cristo.[6] Ele constituiu Seu Rei sobre Seu santo monte e zomba de todos os que se rebelam contra Ele. [7] Deus não chama os homens para que façam de Jesus Senhor, mas chama para viverem em absoluta submissão ao Senhor que Ele fez.

O homem que recebe o Evangelho, e com isso, Jesus como Senhor, faz uma coisa muito perigosa e sensível. É perigosa num de um jeito “Nárnia”[8]. Afinal, Ele não é um Leão domesticado, e Ele certamente não é seguro. Ele tem o direito de pedir qualquer coisa a aqueles que O chama de Senhor, mas Ele é bom, e digno de alegre confiança. Aqueles que não entendem o perigo do chamado do Evangelho o ouviram apenas fracamente. O mesmo Jesus, que chama a si os cansados,[9] pode também pedir-lhes tudo, e enviá-los a perder suas vidas por amor dEle neste mundo caído e tenebroso.

Receber o Evangelho e Jesus como Senhor é também uma coisa sensível de se fazer. O que poderia ser mais razoável do que seguir o Criador onipotente e Sustentador do universo, que amou Seu povo com um amor eterno, redimindo-os com Seu próprio sangue, e demonstrou comprometimento intransigente a cada promessa que Ele já fez? Até mesmo se Ele não fosse assim, e se toda essa bondade não estivesse nEle, ainda seria mais sensível seguí-lO, pois quem pode resistir à Sua vontade? É por estas razões, e mais incontáveis outras, que o apóstolo nos chama a “apresentar nossos corpos como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus”, e chama isso de nosso “culto racional” ou espiritual.[11]

“Receber o Evangelho” é tirar a si mesmo e ao mundo do trono e assim Cristo ser nosso novo epicentro! Ele se torna a fonte, o propósito, o objetivo e a motivação de tudo o que nós somos e fazemos. Quando um homem recebe o Evangelho, sua vida inteira começa a ser vivida em um contexto diferente, e esse contexto é Cristo. Apesar de os sinais externos no momento da verdadeira conversão poderem ser menos que dramáticos, os efeitos graduais serão monumentais. Como um seixo jogado no centro de um lagom a onda do evangelho em algum momento vai alcançar toda a circunferência da vida do crente e tocar cada encosta.

Finalmente, “Receber o Evangelho” é é tê-lo como a própria fonte e sustento da sua vida. Cristo não pode ser recebido como “uma parte” da vida de alguém ou como um anexo a todas as outras coisas boas que alguém já possui sem Ele. Ele não é um acessório que veste nossa vida e a faz melhor. Ao receber o Evangelho, Ele se torna nossa vida. Em João 6:53, Jesus ensinou, “Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tendes vida em vós mesmos.” No Salmo 34:8, Davi grita, “Oh! Provai e vede que o SENHOR é bom.” O que pode tornar isso mais claro? Quando recebemos a Cristo em nossas vidas, Ele se torna para nós não apenas uma refeição necessária que nos sustenta, mas também uma refeição requintada na qual nos deliciamos.

Um Evangelho no qual perseveramos

…  e no qual ainda perseverais. (1 Coríntios 15:1)

Em nosso texto, o apóstolo Paulo nos conta que o Evangelho não é apenas para ser recebido, mas também é a verdade sobre a cal o verdadeiro crente persevera. De fato, perseverar firme na verdade do Evangelho é a evidência de que você realmente recebeu o Evangelho. Tiago nos ensina que a verdadeira fé salvadora produz obras.[12] Aqui, o apóstolo Paulo nos ensina que a verdadeira fé salvadora produz uma convicção que governa a vontade e determina o comportamento. Aquele que verdadeiramente recebe o Evangelho, persevera nele, e vive sua vida de acordo com suas verdades. Nas palavras de Jesus Cristo, aquele que ouve e recebe o Evangelho “será comparado a um homem prudente que edificou a sua casa sobre a rocha; e caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram os ventos e deram com ímpeto contra aquela casa, que não caiu, porque fora edificada sobre a rocha.”[13]

O apóstolo Paulo tinha uma grande razão para esperar que pelo menos alguns dos indivíduos na Igreja em Corinto fossem verdadeiros crentes porque eles estavam perseverando nas verdades do Evangelho. Outros que se identificaram com a mesma igreja traziam grande preocupação a Paulo e então ele os admoestava a testarem ou examinarem a si mesmos e verem se eles estavam ou não na fé.[14] Uma coisa é fazer uma profissão de fé cristã, outra coisa bem diferente é validar aquela profissão de fé com a sua vida. Um homem pode dizer que “recebeu o Evangelho”, mas a questão que permanece é “Ele persevera no Evangelho?” A segunda é a evidência da primeira.

Dizer que receber o Evangelho produz convicção real do Evangelho não é o mesmo que dizer que novos cristãos não serão imaturos ou que cristãos maduros não vão passar por batalhas. Até os mais piedosos entre nós lutam contra o pecado e são cheios de falhas. Porém, no meio da batalha, é evidente que eles possuem uma profunda convicção de que o Evangelho é verdadeiro, e eles demonstram uma determinação de perseverar nele. Embora às vezes possam perder o equilíbrio e até cair, no curso geral de suas vidas podemos vê-los perseverando! Eles perseveram porque Deus os faz perseverar.[15] Eles foram regenerados pelo Espírito de Deus e o mesmo Espírito habita dentro deles.

Embora eles lutem contra o pecado e contra a carne caída, uma verdadeira convicção levando à justiça é evidente.

[2] 1 Coríntios 1:21
[3] Romanos 1:22
[4] 1 Coríntios 1:27-30
[5] 1 Coríntios 15:19
[6] Atos 2:36
[7] Salmo 2:4-6
[8] Uma referência às Crônicas de Nárnia, de C.S. Lewis.
[9] Mateus 11:28
[10] Mateus 10:16, 39
[11] Romanos 12:1
[12] James 2:14-26
[13] Mateus 7:24-25
[14] 2 Coríntios 13:5
[15] Romanos 14:4

(Continua na parte 3)

Traduzido por Daniel TC | iPródigo | original aqui.