Legalismo no Éden

Sinclair Ferguson e C.J Mahaney

C.J Mahaney: Nós estamos continuando esta maravilhosa entrevista com Sinclair Ferguson. E aqui está uma citação:

A glória do evangelho reside no fato que Deus declara que cristãos podem se relacionar com Ele apesar dos seus pecados. Mas nosso maior erro e tentação é tentar contrabandear o caráter de sua obra de graça. Quão facilmente nós caímos na armadilha de assumir que nós só podemos permanecer justificados enquanto tivermos base em nossa pessoa para a justificação. Mas o ensino de Paulo diz que nada que façamos irá contribuir para a nossa justificação.

Então, se você puder, comente em particular esta grande tentação e grande erro que eu sou diariamente convidado a ceder: Tentar desviar o caráter da obra de graça de Deus.

Sinclair Ferguson: Eu acho, C.J, o pensamento por trás disso é que no fim do dia o que satanás fez no jardim do Éden foi introduzir a noção de legalismo na natureza do  relacionamento que Adão e Eva tinham com Deus. E ainda assim existe um diálogo em que Eva fica na defensiva em Gênesis 3 quando satanás pergunta: “Por acaso Deus os colocou nesse jardim e disse: ‘Vocês não devem comer de qualquer fruto das árvores deste jardim?’”

E eu acho que você pode ver na narrativa que deste ponto em diante ela luta com a resposta. “Bem, agora tem somente essa árvore.” Mas não há reconhecimento que Ele derramou sobre nós grandes coisas, essas outras árvores.

Eu fui criado sob a noção que o que satanás estava fazendo era questionar a autoridade da Palavra de Deus (o que ele realmente faz). Porém mais importante, no contexto, ele estava na realidade questionando a pessoa de Deus ao dizer: “Não vê tu que Ele não é realmente tão generoso”

Satanás está dizendo que Deus é como um pai que leva seu filho a uma loja de crianças fenomenal na semana anterior ao natal mostra tudo e diz pra seu filho com uma risada bem cínica: “Nada disso será seu no natal.”

Está é a distorção. Eu não sou psiquiatra, mas creio eu que no nível humano é inevitável que isso produza uma criança que sempre ou irá voluntariamente se rebelar, ou sempre se encontrará numa posição que deve fazer alguma coisa para merecer o amor de seu pai.

Pode ser especulação perguntar qual seja a investida mais profunda de satanás contra o coração de Deus. Mas eu acho que claramente é esta vontade de rebaixar o caráter de Deus. E o rebaixamento do caráter de Deus, creio eu, está por trás de tudo aquilo que chamamos de legalismo.

Geerhardus Vos apesar de muito denso tem coisas muito boas on line.

C.J.M: Ele tem coisas on line? Não sabia que ele tinha essas coisas on line.

S.F: Há um grande livro publicado pela P&R de citações de Geerhardus Vos [A Geerhardus Vos Anthology]. É um excelente livro porque Vos é pesado e denso e por isso às vezes difícil de ler e então você perde as coisas boas.

De qualquer maneira, Vos diz que o coração do legalismo acontece quando separamos a lei de Deus da pessoa de Deus. E o que ganhamos com isso são imperativos vazios que não tem nenhum indicativo que os sustém.

O perigo da hipocrisia

O próprio Deus na sua graça, amor, bondade e generosidade é o indicativo que sustém o imperativo de: “Não coma desta árvore.” E eu vejo que a distorção do caráter de Deus, e a noção de legalismo buscam conquistar aquilo que nós como criaturas caídas não podemos conquistar nunca mais e assim nos cegam para o amor de Deus por nós em Cristo.

Satanás é expulso em termos do seu domínio sobre as nossas vidas desde o início da nossa vida cristã, mas ainda estamos vivendo no mundo com memória e como seres para quem, penso eu, a batalha contra o legalismo é uma realidade para a vida toda.

Isto pode chegar à sua hora silenciosa (devocional). Eu conheci vários cristãos fervorosos que se não tivessem seus momentos devocionais se sentiriam como se algo fosse dar errado o dia todo. Eles transformaram o evangelho em suas próprias mentes.

Há imperativos que não fluem dos indicativos da graça de Deus, mas é tão fácil para nós, eu acho, cair na velha armadilha – como disse John Owen – de misturar o lixo das nossas próprias qualificações com o fundamento de nossa vida cristã. Que é absolutamente, puramente, completamente e totalmente um imerecido (e de-merecido) favor de Deus.

Eu acho interessante algo na história da igreja cristã. Uma das minhas áreas de concentração é o século 17 e as controvérsias antinomistas¹  deste século. Lendo um homem que estava envolvido no lado antinomista, eu fiquei fascinado pelo fato de que eles todos basicamente diziam que tinham sido legalistas. Uma das coisas que comecei a notar foi que todo mundo que já li que se identifica como antinomista no sentido técnico, isto se tornou sua própria maneira de lidar com o legalismo.

Eles eram homens de Deus e sua teologia poderia ser um pouco escorregadia. Mas lendo o que eles escreveram, eu fico realmente impressionado, pois Paulo não lida com o legalismo dizendo: “Agora o que vocês precisam são três grãos de antinomismo, e dissolvê-lo no seu legalismo.” Não. Ele sempre disse: “É a graça de Deus em Jesus Cristo que irá dissolver tanto legalismo quanto o antinomismo.” Eu vejo como Paulo continua atraindo pessoas para os mesmos princípios básicos exatamente no evangelho.

Isto até está em destaque pra mim: Se ele está fazendo isso, então na verdade qualquer doença espiritual que se apresente – se eu puder usar uma analogia médica – um bom diagnóstico espiritual será ver que o fato de você estar doente aqui não significa que a fonte do problema está aqui.

E é claro foi de bastante ajuda para mim pensar tanto teologicamente quanto pastoralmente.

Uma coisa me ocorreu foi que eu conheci pessoas, como acontece em certos ramos da igreja reformada para quem a segurança (da salvação) é um grande problema. E eles ficam fixados em segurança e querem falar sobre segurança. Então eu percebo: Bem, mas a resolução para este problema da segurança (da salvação) não reside na doutrina da segurança. Mas reside na doutrina da justificação pela graça mediante a fé. Então, você tem de ficar lutando com esta pessoa que está ficando cada vez mais obcecada com a dor de não ter certeza da salvação. Você deve buscá-la e dizer: “Não! De verdade, a fonte disto tudo deve ser encontrada em algo mais fundamental do que somente isso que estamos discutindo.”

E assim voltamos à nossa conversa no golfe. Tenho notado ao ouvir os outros por experiência própria que, quando você der suas melhores tacadas nos campos de golfe, você não está realmente pensando. Elas nascem de um instinto. E você está “in the zone“, como eles dizem. E isso vale para todos os esportes, não é? Você vê um jogador de basquete em câmera lenta. Quando você ver o que eles estão realmente fazendo, você percebe que não há como eles pensarem em tudo o que está acontecendo.

E algumas vezes eu digo que você deve “estar programado” sobre a vida cristã. Ela tem que estar dentro de você, ser parte de você. Ou então você estará dizendo: “Oh, aí vai um pouco de antinomismo. Tenho que balancear isto. Aí vai um pouco de legalismo, tenho que balancear isto.” Mas não. É cada vez mais a penetração do evangelho da graça e da pessoa de Cristo.

¹Antinomismo: (gr. Anti=contra; Nomos=lei, literalmente contra a Lei ou contra o sistema da Lei)  Heresia antiga que já tem relatos desde a época dos gnósticos que considera a lei totalmente sem proveito

Traduzido por Rafael Bello | iPródigo | Texto original aqui