Não existem papas humildes

Steve Meister
Steve Meister

O Catolicismo Romano acabou de instalar Francisco I como seu papa. E muito tem sido falado sobre suas andanças de ônibus e seu pequeno apartamento em Buenos Aires (o fato de que as pessoas estão impressionadas com sua aversão estudada à opulência fala muito sobre o Catolicismo Romano em geral). Mas enquanto a imprensa suspira e Roma se exibe por conta dessa suposta humildade, o que protestantes crentes na palavra devem dizer? Provavelmente, algo assim: “Quão grande pecado colheste para ti, quando te isolas de tantos outros rebanhos! Pois foi a ti mesmo que isolaste. Não te enganes!”

Convenhamos, isso provavelmente não é o que costuma ser publicado nos editoriais da Christianity Today, como “Um Papa para Todos os Cristãos”,  mas foi assim que os cristãos responderam na primeira vez que um bispo de Roma fez a afirmação arrogante de que era o pontífice supremo.

Conflitos a respeito de membresia

Estêvão I, o bispo de Roma no século III (254 a 257 d.C.), foi o primeiro a jogar a carta de “não, vocês beijam meu anel”. Ele o fez durante um conflito sobre questões de membresia, que foi um dos debates mais importantes da igreja primitiva – como tratar os cristãos “fujões”.  Isso é, como a igreja deveria receber cristãos que haviam capitulado frente à perseguição Romana, mas que mais tarde desejaram voltar à Igreja após o fim das perseguições.

Os “fujões” deveriam ser banidos permanentemente como apóstatas? Ou aceitos imediatamente como se nenhum dano houvesse ocorrido? Talvez a igreja devesse criar algum tipo de status inferior para eles? É uma questão complicada para a qual não havia soluções simples. E certamente não faltava paixão às discussões, especialmente se houvessem sido os seus amigos e familiares que foram aos leões sem titubear, ao contrário deles.

Conforme as igrejas começaram a adotar abordagens diferentes, os problemas se multiplicaram. Imagine as dificuldades. Como deveriam ser tratadas as igrejas mais “lenientes”, que imediatamente aceitaram de volta os cristãos que haviam caído, por aquelas igrejas que eram mais rigorosas nesse assunto? E como outras igrejas enxergariam os novos convertidos nesses igrejas “lenientes”? Seus batismos e conversões eram válidos? Alguns homens, como Cipriano, bispo de Cartago (258 d.C.), disse que não. Outros, como Estevão I, de Roma, disse que sim.

Quem te fez o Bispo dos Bispos?

Qualquer que seja nossa avaliação da questão imediata, o método de Estêvão deixou muito a desejar. Sem intenção de debater o assunto em que havia discordância, Estevão se sobrepôs a todos, pois era, afinal de contas, o bispo de Roma, a capital do maior império da terra! Ministrando em Roma, Estevão sentiu que poderia ter mais peso que o restante, então efetivamente excomungou as igrejas do norte da África e ao redor do Mediterrâneo. A resposta de Cipriano a ele é bastante instrutiva:

Ainda é verdade que devemos expressar individualmente nossas opiniões sobre o assunto, sem julgar a ninguém e remover qualquer pessoa do direito à comunhão, caso possua uma opinião diferente. Pois nenhum de nós nem se apontou bispo dos bispos ou usou de força tirânica para com seus semelhantes para forçar uma necessidade de obediência, já que cada bispo, no livre uso de sua liberdade e poder, tem o direito de um juízo livre, e não pode ser julgado por outros mais do que pode ele mesmo julgar. Mas estamos todos nós aguardado o julgamento de nosso Senhor Jesus Cristo, o único que tem o poder de nos apontar para o governo de Sua Igreja e de julgar nossas ações (Cipriano, citado por Agostinho em “Escritos contra Maniqueístas e Donatistas”)

Em outras palavras, Cipriano queria saber quem morreu e fez de Estêvão o papa. Ninguém tinha a prerrogativa de “se apontar o bispo dos bispos” e tiranicamente forçar a obediência dos outros.

Mas ainda mais certeiro foi Firmiliano, amigo próximo de Cipriano, bispo de Cesareia até 268 d.C., em Contra a Carta de Estêvão, de 256 d.C.:

E isso, de fato, vós africanos podem dizer contra Estêvão, que quando vocês descobriram a verdade, abandonaram o erro dos costumes. Mas nós unimos costumes e verdade, e opomos nossos costumes aos costumes de Roma, com o costume da verdade: guardando desde o início aquilo que nos foi entregue por Cristo e pelos apóstolos.
 
Quão grande conflito e dissensão tu espalhaste no meio das igrejas de todo o mundo! Mais ainda, quão grande pecado colheste para si mesmo, quando te isolou de tantos outros rebanhos! Pois foi a ti mesmo que isolaste. Não te enganes, pois a ti mesmo se fizeste divisivo, apóstata da comunhão da unidade eclesiástica.
 
Pois por mais que penses que todos podem ser excomungados por ti, excomungastes a ti mesmo de todos os outros; e nem mesmo os preceitos de um apóstolo foram capazes de te moldar à regra da verdade e da paz, por mais que eles alertassem e dissessem “Rogo-vos, pois, eu, o prisioneiro no Senhor, que andeis de modo digno da vocação a que fostes chamados, com toda a humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor, esforçando-vos diligentemente por preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz; há somente um corpo e um Espírito, como também fostes chamados numa só esperança da vossa vocação; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, age por meio de todos e está em todos.” (Efésios 4.1-6)

Pessoalmente, eu gosto do estilo de Firmiliano – citando a Escritura e indo direto ao ponto. Estêvão se opunha à verdade entregue por Cristo e pelos Apóstolos, algo que nós conhecemos como o Novo Testamento! Ao violá-lo, Estêvão estava na verdade excomungando a si mesmo. E é isso que cada papa perpetua efetivamente, incluindo Francisco I.

Rompendo a Unidade… em Humildade?

Sendo sinceros, Francisco I não é humilde. Ele na verdade está adornado por orgulho, especialmente agora. Qualquer líder que anuncia a própria supremacia e estabelece limites auto-impostos a respeito da própria autoridade já violou flagrantemente a pacífica unidade do corpo de Cristo – uma paz a qual todo cristão é chamado a defender (Efésios 4.3). Firmiliano estava certo, o papado é um ato de auto-excomunhão da Igreja. E é impossível fazer isso humildemente.

Dividir a Igreja nunca é um ato humilde. Não há uma forma humilde de dividir a unidade do Espírito (Efésios 4.1-6). Você nunca pode ir além do que está escrito na Bíblia com humildade (1 Coríntios 4.6). É impossível humildemente amar a primazia, como Diótrefes (3 João 9). Então, a despeito de sua rota no transporte público ou sua amabilidade nas entrevistas coletivas, o Papa Francisco I, juntamente com cada um de seus antecessores, é inescusavelmente  arrogante. Por definição, não há como existir um papa humilde.