O Evangelho da Trindade

Josaías Jr.

A doutrina da Trindade é conhecida, amada e pouco compreendida pela maioria dos cristãos. Mesmo grandes teólogos tiveram dificuldades em expressar a triunidade de Deus em termos que pudéssemos entender perfeitamente.  Na verdade, creio que, pelo menos desse lado da vida, jamais alguém poderá compreender de maneira satisfatória o que queremos dizer com “Uma essência, três pessoas”. Os motivos são vários, mas dois considero especialmente válidos: (a) somos seres limitados e pecadores tentando aprender sobre o Santo e Infinito e (b) não temos na Criação uma analogia satisfatória para compararmos com o Ser de Deus.

Assim, o que vemos,  às vezes, são crentes aceitando essa doutrina, mas raramente felizes com o conhecimento que têm sobre Deus e, pior, com dúvidas sobre a real necessidade de sermos tão preciosistas quanto a essa doutrina. Afinal, como alguém pode dizer que um mórmon piedoso não é cristão? E se alguém confunde as pessoas da Trindade mas age como um santo, não deveríamos considerá-lo um irmão na fé?

As pessoas sempre dizem que nossos atos falam mais que nossas palavras, logo, cristão ou discípulo não é aquele que sabe tudo sobre o Deus triuno, mas o que colocou em prática o que a Bíblia ensina. E, no fim das contas, você pratica a Lei, o amor, a oração, a leitura bíblica e o evangelismo, mas não pratica a Trindade. Certo?

Isso é muito bonito, mas é completamente enganoso. Um entendimento correto da Trindade não é opcional. O homem regenerado deve crer nessa doutrina. Não estou defendendo que você precisa entender claramente o que Calvino quis dizer com três subsistências na divindade ou concordar plenamente com a visão agostianiana de Amante, Amado e Amor , ou algo parecido. Mas todo verdadeiro cristão, na verdade, tem uma compreensão verdadeira da doutrina trinitariana e pensa, fala e age segundo essa doutrina. Vejamos o exemplo do evangelismo.

O Evangelho é trinitariano

Em seu livro sobre a Trindade, The Deep Things of God, Fred Sanders aproveita o conceito de “conhecimento tácito” para demonstrar que os cristãos têm um conhecimento do Deus triuno, mesmo sem pensarem muito sobre o assunto. Isso acontece porque a mensagem que é pregada a nós, o verdadeiro Evangelho que transforma e é utilizado pelo Espírito para regenerar, tem o conteúdo essencialmente trinatariano. Veja, por exemplo, o que nos ensina João 3.16:

Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. 

Um dos textos mais utilizados no evangelismo tem como base a diferenciação entre duas pessoas diferentes na divindade. Sim, alguém pode entender esse Filho como meramente um homem especial, um anjo ou um semideus. Mas essa não é a questão. O que argumento é que, se um pregador estiver expondo fielmente o que João 3.16 quer ensinar, ele terá de falar como esse Filho unigênito se relaciona com esse Deus que o enviou.¹

O resumo que Paulo nos traz em 1 Coríntios 15.3,4 também demonstra como necessitamos de uma mensagem trinitariana:

Que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado, e que ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. 

A mensagem de que Cristo morreu pelos nossos pecados precisa de uma explicação sobre quem é esse Cristo, o que são nossos pecados, por que ele deveria morrer por nossos nós e por que ele ressuscitou.

É necessário falar de um Pai que nos ama, apesar de nossa rebeldia. É necessário falar que esse Pai enviou seu Filho para carregar a justa punição por nossos pecados. Que esse Filho voluntariamente pagou a pena que era nossa e morreu justamente. Devemos falar também que o Pai se agradou do sacrifício do Filho e, pelo poder do Espírito, o ressuscitou dos mortos. Pela fé, dom do Espírito, somos unidos a esse Filho, a fim de sermos adotados pelo Pai. Isso é testemunhado nas Escrituras, que foram inspiradas pelo Espírito Santo, que falam a respeito do Filho, o qual é a revelação do Pai.

Talvez nem todos os cristão saibam organizar e exprimir o seu pensamento da maneira que os credos da igreja fazem ou mesmo como esse simples resumo acima. Por isso, a ideia do conhecimento tácito é tão importante. Não é que precisamos expor exaustivamente a doutrina da Trindade para evangelizar alguém, mas é fato que a mensagem de salvação é terrivelmente desfigurada sem a doutrina trinitariana servindo de moldura e contexto. Na verdade, mesmo a confiança para a evangelização é perdida se nos esquecermos do Espírito Santo como aquele que guia o incrédulo a Cristo e aplica a salvação aos eleitos do Pai.

O Falso Evangelho não é trinitariano

Temos mais facilidade para rejeitar seitas, mas mesmo igrejas que confessam a Trindade podem cair no erro de pregar distorções do Evangelho, caso não apresentem a mensagem de maneira completa. Facilmente sermões não-trinitarianos poderiam ser confundidos com mensagens espíritas, judaicas ou de autoajuda. Com isso, não digo que todo pastor que cai nos erros listados abaixo são incrédulos, mas que eles deliberadamente deixam de fora aquilo que torna uma mensagem fiel à Palavra de Deus e isso pode incluir uma negação inconsciente da Trindade.² Alguns exemplos:

1) Deixar de lado os papéis que cada Pessoa tem na salvação: Isso acontece quando damos pouca ênfase às diferentes ações que as Pessoas divinas têm na salvação. Simplesmente ignora-se a transação judicial entre Pai e Filho na cruz, e tudo é visto como um ato sem expiação. O evangelista não quer falar de sangue ou de ira, e apenas menciona o desejo de Deus em perdoar, sem haver um ato sacrificial da parte do Filho. Jesus torna-se um exemplo ou um mártir, um homem que veio apenas falar sobre esse amor de Deus, mas foi mal compreendido e assassinado numa cruz.

2) Ignorar o relacionamento de comunhão e amor no Ser de Deus: Quando se enfatiza apenas a unidade de Deus, a ideia de que “Deus é amor” é distorcida. Deus é amor, em primeiro lugar, porque nEle coexistem eternamente três Pessoas que se amam eternamente. Se nos esquecemos disso, a Criação e o chamado à reconciliação tornam-se apenas o fruto da necessidade (ou desespero) de um deus solitário precisando de amigos – um ensinamento bizarro, mas bastante popular. O Evangelho, por outro lado, é um convite a nos unirmos a esse relacionamento maravilhoso e desfrutarmos do verdadeiro e eterno amor trinitariano.

Por outro lado, há o risco de se ignorar essa característica relacional do Ser de Deus e termos uma outra distorção – o déspota distante que nunca se relacionou e não tem filhos, apenas lacaios. Nele não há o amor infinito entre as três Pessoas e isso se reflete na maneira como ele age e se relaciona com o mundo. Isso é muito comum em religiões monoteístas monopessoais.

3) Falar do Pai e do Filho, mas ignorar a obra do Espírito: A Terceira Pessoa da Trindade é aquela que aplica a salvação em nossas vidas. Muitos cristãos se esquecem dessa verdade e tentam tomar o lugar do Espírito Santo. Outros confundem o Evangelho com mensagem de autoaperfeiçoamento, onde o homem é responsável por se “regenerar”. Não apenas nossa mensagem deve refletir a beleza da Trindade, mas nosso método deve honrar o Consolador.

Assim, igrejas, pastores e líderes que não professam a triunidade de Deus estão apresentando um falso evangelho, pois o verdadeiro Salvador não é visto quando sua natureza é obscurecida. O Pai não é revelado por Jesus e o Espírito não está nos guiando até a Verdade se achamos que há diferença de essência ou confusão de identidades entre as Pessoas.

Conclusão

Se a mensagem do Evangelho serve para apresentar Cristo, como podemos fazê-lo se não o chamamos de Senhor ou de Filho de Deus? Se somos templo do Espírito, como ele pode não ser Deus? Se não há Pai, com quem Cristo nos reconciliou? Se não há Filho divinal, por que o plano de Deus inclui a glória de Jesus, um mero homem? Sobre quem a ira foi derramada na cruz ou quem derramou essa ira sobre Cristo?

Felizmente, o verdadeiro Evangelho nos transforma para termos confiança e consciência de que essas perguntas são meramente retóricas. O Pai, o Filho e o Espírito Santo decidiram eternamente que cuidariam de nós. Somos amados pelo Pai, salvos pelo Filho e guiados pelo Espírito. Que jamais desprezemos essa mensagem.



¹Alguém pode perguntar onde está o Espírito Santo em João 3.16. Devemos nos lembrar de que é justamente uma conversa sobre o Espírito o motivo de Jesus chegar à famosa declaração sobre o amor do Pai.
² Também não quero dizer que todo aquele que professa a Trindade é genuinamente regenerado. Às vezes, trata-se apenas de uma convicção vazia.