O que distingue o aconselhamento bíblico?

Por David Powlison

Quais são as diferenças entre o aconselhamento bíblico e as várias outras abordagens de aconselhamento que são populares na igreja?

Vamos tratar primeiro da segunda metade de nossa questão. Quais modelos são “populares na igreja”? É imediatamente óbvio que as igrejas proveem espaço para incontáveis abordagens aos problemas da vida – mais abordagens que grãos de areia do mar, aproveitando-se de uma metáfora bíblica. Como você resolverá seus problemas e mudará o que está errado? Você deveria explorar como se sente sobre sua formação familiar? Obedeça ao que Deus manda não importa como você se sente? Siga seus sentimentos? Aja por fé, não por sentimentos? Conecte-se aos seus sentimentos? Atenda suas necessidades? Você deveria tomar Prozac? Tirar férias? Ter controle de sua vida e responsabilidade por suas escolhas? Você deveria expulsar o demônio que se infiltrou no sistema operacional de sua alma? Inserir afirmações positivas no fluxo de sua conversa negativa consigo mesmo? Você deveria afirmar sua nova identidade em Cristo? Tirar um tempo para oração e jejum? Manter-se firme nas promessas? Conseguir um parceiro de confissão? Entrar em um programa de exercícios e cortar sua cafeína a fim de deixar essas endorfinas correrem? Arrumar uma vida? Apenas engolir tudo e deixar de ser tão ensimesmado?

Ou então vamos à questão de um ângulo diferente. Quem pode ajudar você? Você precisa de dez sessões com um psicoterapeuta? Um retiro com um guia espiritual? Uma visita ao médico? Um encontro com um exorcista? Contratar um personal trainer? Entrar em um grupo de apoio? Colocar-se sob uma pregação sólida e ter uma hora silenciosa melhor? Encontrar alguns poucos bons amigos?

Tudo isso é mais complicado porque todas as atividades e personagens citados aparecem em um grande número de variações, permutações e combinações. E, como se tudo já não fosse tão complicado, a área de aconselhamento é incansável, fluida e volátil. Tendências, modas e facções vão e vêm. Teorias e terapias mudam, transformam-se, combinam-se, inovam e se reinventam. Há sempre o próximo best-seller e a mais nova cura irrefutável que transcende as limitações de todas as que vieram antes.

Então, temos a primeira metade de nossa questão. O que é “aconselhamento bíblico”, afinal? Quando vestidas de roupas de igreja, muitas das respostas e personagens descritas acima afirmam ter parte no aconselhamento bíblico ou cristão. Afinal de contas, ninguém se dizendo em nome de Cristo diria que está fazendo “aconselhamento não-bíblico”!

Então, como respondemos de maneira razoável essa questão tão ampla?! Como desenvolvemos a verdadeira sabedoria que pode oferecer aconselhamento bíblico digno deste nome?

Ao invés de tentar catalogar todos os jogadores, acredito que seremos mais bem servidos desenvolvendo habilidades básicas de discernimento. As quatro questões seguintes capacitam você a testar clara e acuradamente qualquer uma da confusa multidão de abordagens ao aconselhamento. Se você sabe como lidar com cada modelo de maneira lúcida, você será capaz de mensurar as virtudes e fraquezas dessas abordagens de aconselhamento que se tornaram populares em nossos círculos eclesiásticos.

Primeiro, como Deus é representado? O Deus revelado na Escritura é central para a maneira como vamos entender e abordar os pecados e sofrimentos da condição humana? Ele é central à maneira como entendemos o bem, as potencialidades e as bênçãos que o aconselhamento procura trazer? Em particular, que papel e significância são dados a Jesus Cristo? Modelos de aconselhamento incompletos nunca lidam corretamente com Jesus. Eles ignoram completamente, distorcem terrivelmente ou sutilmente O desvirtuam. Mas Aquele que procura os corações, Aquele diante de quem todo joelho deve se dobrar, o único Salvador dos pecadores e Refúgio para os sofredores insiste em que O entendamos corretamente. A sabedoria bíblica considera todos os fenômenos humanos com esse Deus em vista.

Segundo, como a natureza humana é interpretada? Qual visão da motivação humana que define a pergunta essencial “por que você faz o que você faz?”. Em particular, os seres humanos são entendidos como ativa e incessantemente teorrelacionais? Nenhum modelo de aconselhamento cujos genes contêm DNA secular conseguiu uma teoria da motivação correta. Está claro que todo coração (a todo momento, em toda circunstância) ou serve às mentiras e desejos da carne ou então ama ao Senhor Deus? Está claro como toda ação, reação, pensamento e emoção revela esses motivos teorrelacionais? Se você não entende o coração o humano corretamente, você não entenderá os objetivos do aconselhamento corretamente; você não pode entender o que um ser humano deseja se tornar; você não pode definir corretamente sucesso. Modelos de aconselhamento incompletos sempre entendem erroneamente o coração. Eles teorizam e afirmam interpretações falsas do que nos faz funcionar. Por exemplo, necessidades não satisfeitas, instintos conflitantes, comportamentos condicionados, ligações genéticas, bioquímica, falhas na força de vontade, maus hábitos, ignorância corrigível… nada disso entende o que realmente está acontecendo. A sabedoria bíblica considera todo o fenômeno humano enquanto tem em vista “a quem agora vocês estão amando, confiando, servindo e temendo?”.

Terceiro, como as circunstâncias são medidas? O meio em que vivemos – o que está ao nosso redor, chega a nós, e nos influencia – tem uma palavra final e determinante? Ou é visto corretamente como um contexto preparado por Deus, e não a causa? Algum aspecto de nossa condição total recebe ênfase especial, como se oferecesse uma chave explicativa única? Passado, presente ou futuro? Experiência social, corpo físico ou agente demoníaco? Modelos de aconselhamento incompletos nunca entendem o mundo em que vivemos de maneira correta. Muitas abordagens dão um peso determinístico a uma parte de nossa situação total. Por exemplo, “você tem uma desordem alimentar porque você precisa de amor e autoestima que não encontrou nos seus pais” é equivalente a “você está escravizado a obsessões por comida porque um demônio do vício conquistou uma fortaleza” que é equivalente a “você sofre de uma desordem alimentar porque você tem uma desordem genética obsessiva-compulsiva”. Pode ser verdade que seus parentes não eram amorosos; que Satanás está rondando; e que você talvez tenha nascido com certas tendências, e não outras. Mas nada disso é decisivo. A sabedoria bíblica considera significante cada parte de nossas circunstâncias, mas dá a causa final ao coração.

Quarto, como os objetivos e atividades do aconselhamento são concebidas? A cura das almas é vista como a restauração da humanidade pecaminosa à imagem de Cristo, pela graça de Cristo? É confortar o perturbado e perturbar o confortável? É a transformação dos nossos pecados e a consolação das nossas dores? O aconselhamento é essencialmente pastoral? Modelos de aconselhamento incompletos sempre entendem erroneamente o aconselhamento. Esse tipo de conselheiro age como um arqueólogo que explora seu passado e seu interior para trazer compreensão; como um mecânico que altera o que não está funcionando satisfatoriamente em suas percepções e comportamentos; como um técnico que formula um plano de jogo para uma vida de sucesso, e torce por você; como um amigo que te aceita como você é; como um pai que satisfaz sua necessidade psicológica por amor; como um filósofo que oferece uma interpretação da vida sem Deus; como um médico que prescreve remédios para você se sentir melhor; e por aí vai. A sabedoria bíblica entende o aconselhamento como um ministério do poder salvador da graça e da verdade de Jesus Cristo. Insights válidos, mudanças, encorajamentos, e outros, surgem dentro desse relacionamento.

Quatro questões simples para construir um discernimento… um discernimento tão necessário! Mas eu acredito que você descobrirá que, quando se aprende a pensar bem essas verdades, coisas boas acontecerão. Você crescerá mais sábio como um conselheiro bíblico digno deste nome: um pastor sábio de ovelhas e um médico de almas. Você também descobrirá que você crescerá mais perspicaz, ao identificar que sabedoria mundana está pedindo seus ouvidos, seus escolhas, sua lealdade, seu ministério, seu povo.

Traduzido por Josaías Jr | iPródigo | Texto original aqui