Obrigação, mordomia e os pobres

Kevin DeYoung
Kevin DeYoung

A Bíblia é cheia de comandos explícitos e implícitos para ajudar os pobres.

Pode-se pensar nas leis de colheita em Deuteronômio 25 ou na ordem de “abrir amplamente sua mão para o seu irmão, para o necessitado e para o pobre” em Deuteronômio 15. Podemos ler sobre o coração de Jó para com os necessitados e oprimidos em Jó 29 a 31, ou sobre a preocupação especial de Deus pelos pobres em Salmos 35 e Provérbios 14.

Também sabemos que Jesus era movido com compaixão pelo fraco, o aflito e o desamparado (Mateus 9. 35-36).  Vemos na igreja primitiva que as necessidades do pobre e aflito era uma prioridade constante (Atos 4.34-35; Atos 11.30; Gálatas 2.10). E frequentemente recebemos a ordem de amar uns aos outros não somente com palavras, mas em ações concretas de generosidade e sustento material (Tiago 2.12-17; I João 3.16-18). Até mesmo os anciãos, que devem ser devotos à Palavra de Deus e à oração, foram orientados por Paulo a ajudar o fraco (Atos 20.35).

Deus claramente se importa com os pobres e quer que nos importemos com eles também.

Mas como?

Talvez você esteja pensando: “Certo, sou um cristão. Sei que Deus se importa com os pobres. Sei que eu deveria me importar com os pobres também. Eu me importo com os pobres. Então qual é a minha responsabilidade para ajudá-los?”.

Como deveríamos ajudar os pobres?

Essa questão é enganosamente complexa. É muito fácil (e completamente bíblico) para as pessoas insistirem que os cristãos devem “preocupar-se com os necessitados” ou “fazer alguma coisa com relação aos pobres”. Isso é completamente verdade, mas não chega nem perto de dizer o suficiente. Numa era em que viagens acessíveis e a onipresente WiFi nos conecta a bilhões de necessitados em volta do planeta, como determinamos com quem nos importar e quando fazer algo?

Se cristãos tem uma obrigação de ajudar o pobre (e temos), isso significa que temos que ajudar todos, em todos os lugares, da mesma forma e em qualquer circunstância de necessidade? Como podemos pensar sobre nossa responsabilidade de ajudar o pobre?

Eu acredito que dois princípios críticos podem ajudar-nos a responder essa questão.

Princípio 1: Somos mais responsáveis por ajudar aqueles que estão mais perto de nós.

Em geral, devemos pensar nossa esfera de responsabilidade como tendo círculos concêntricos em expansão. No meio, no círculo mais próximo, está a nossa família. “Ora, se alguém não tem cuidado dos seus e especialmente dos da própria casa, tem negado a fé e é pior do que o descrente.” (I Timóteo 5.8). Isso significa que se está ao seu alcance ajudar seus  filhos (não preguiçosos) e você não o faz, você é um pagão. Se você tem os recursos necessários e negligencia seus parentes mais velhos e desamparados, você deu as costas para Cristo.

No próximo círculo temos membros de nossa igreja local. O princípio é o mesmo: assim como temos uma obrigação de prover para nossa família natural, também devemos prover para nossa família espiritual. O Novo Testamento frequentemente nos intima – por exemplos, ordens explícitas e admoestações – a cuidarmos das necessidades dos cristãos em nossas igrejas locais (Atos 2.45; 4.32-37; 6.1-6; Tiago 2.15-17; I João 3.16-17)

Depois temos os membros da nossa família cristã cujas necessidades estão mais distantes. Ainda temos uma obrigação de cuidar de nossos irmãos e irmãs, mas a Bíblia fala menos fortemente conforme as necessidades se tornam mais distantes. Assim, em II Coríntios 8 e 9, Paulo claramente quer que os cristãos em Acaia generosamente deem suporte aos cristãos em Macedônia, mas ele não chega a dar uma ordem (8.8) ou a exigir deles uma contribuição (9.5).

No círculo externo temos as necessidades dos não cristãos no mundo. A igreja deveria ainda estar pronta para fazer o bem a todas as pessoas, mas esse apoio é menos obrigatório do que aquele que devemos aos cristãos e é sustentando pela “oportunidade” em vez da exigência (Gálatas 6.10).

Outra categoria deveria ser mencionada. Algumas vezes cruzamos com necessidades que são tão óbvias, tão imediatas, e estamos em uma posição única para ajudar, que seria errado ignorá-las, quer seja de um membro da família, um membro da igreja ou um completo estranho. Independentemente da relação prioritária ou do conhecimento, a “proximidade” da necessidade é muito próxima para ser ignorada. Esse parece ser o ponto da parábola do bom samaritano (Lucas 10.25-37) e a história do rico e o Lázaro (Lucas 16.19-31). Se vermos uma criança se afogando na piscina, devemos mergulhar na piscina. Se uma mulher está apanhando, devemos intervir. Se uma minivan bateu num trecho isolado da estrada, devemos parar e dar uma mão. Os círculos concêntricos são úteis como diretrizes para o cuidado, mas eles não devem ser usados para justificar a falta de cuidado para com alguém que precisa de nossa assistência aqui e agora.

Princípio 2: Somos mais responsáveis por ajudar aqueles que são menos capazes de ajudar a si mesmos.

Aqui podemos novamente pensar em círculos concêntricos em expansão. A progressão com esse princípio é um pouco diferente porque se formos muito longe nesses círculos nós, na verdade, recebemos a ordem de não ajudar. Portanto a lógica tem que ser ajustada, mas a ideia básica ainda é útil.

No centro temos aquelas pessoas cuja situação é mais desesperadora porque suas opções são mais limitadas. Na Bíblia isso significava prototipicamente “órfãos e viúvas” (Tiago 1.27). Mas o princípio se aplica a qualquer pessoa ou pessoas que sucumbirão a não ser que providenciemos uma rede segura. Cuidar dos crentes aprisionados era outro exemplo clássico no mundo antigo (Hebreus 10.34).

Fora desse círculo interno, encontramos aqueles em situação menos desesperadora, mas ainda dependente de outros para seu bem-estar. No Novo Testamento isso significava ser generoso com hospitalidade, especialmente para evangelistas viajantes que dependem da bondade de seus irmãos e irmãs para sua missão (Mateus 10.40-42; 25.31-46).

Depois temos aqueles cristãos com necessidades a longo prazo. O surpreendente sobre quase todas passagens acerca dos pobres nas Escrituras é que elas abrangem atos de caridade imediatos, de curto prazo. Não há nada sobre desenvolvimento da comunidade (o que não faz disso antibíblico) e somente algumas direcionadas a necessidades em andamento. Colocando essas situações nesse círculo, eu não quero sugerir que devemos cuidar somente dos consertos rápidos. Tanto em Atos 6 quanto em I Timóteo 5 vemos líderes da igreja trabalhando duro para desenvolver um processo justo e sustentável para regular a distribuição de recursos aos pobres. Em particular, vemos em I Timóteo 5 que as viúvas inscritas na lista oficial deveriam preencher certos requisitos. As mulheres deveriam ser piedosas, cristãs mais velhas para que pudessem receber o cuidado da igreja (I Timóteo 5.9-16). Sem dúvidas, a igreja simpatizava com quase todas as viúvas, mas eles tinham que ser sábios com seus recursos. Eles não queriam sustentar mulheres jovens que poderiam casar-se novamente ou cair no pecado da ociosidade. E quanto aos outros requisitos, eu imagino que a igreja sabia que deveria colocar um limite e requerer “uma reputação de boas obras” assegurando que as viúvas na lista eram cristãs conhecidas, genuínas, fiéis e não somente pessoas intrometidas procurando por ofertas e suporte financeiro.

No círculo externo mais distante temos as pessoas que nitidamente não devem ser ajudadas pela igreja. Em primeiro lugar, a igreja não deve prover hospitalidade para falsos mestres ou fazer qualquer coisa que encorajaria e estimularia seus atos imorais (II João 10-11). Em segundo lugar, os cristãos não devem dar sustento a pessoas aptas fisicamente, que poderiam sustentar a si mesmas, mas em vez disso preferem a preguiça (I Tessalonicenses 4.11-12; 5.14; Provérbios 24.30-34). O princípio apostólico é claro: “Porque, quando ainda convosco, vos ordenamos isto: se alguém não quer trabalhar, também não coma.” (II Tessalonicenses 3.10). De fato, Paulo insiste que a disciplina na igreja deve ser exercida sobre aqueles que persistem na preguiça (II Tessalonicenses 3.14). A responsabilidade cristã com a caridade não se estende àqueles que esperam que os outros façam por eles aquilo que eles mesmos poderiam fazer. De qualquer forma, ajudar os pobres numa circunstâncias dessas não é ajudar.

Princípios básicos para decisões sábias

Obviamente, eu nem comecei a responder as inúmeras perguntas “E se…?” e “E sobre…?” que surgem quando as igrejas começam a trabalhar efetivamente o cuidado com os pobres. Eu não posso dar respostas específicas para cada situação porque a Bíblia também não dá essas respostas.

Mas o que a Bíblia faz é prover os princípios básicos para sábias tomadas de decisão. Enquanto você considera sua obrigação pessoal quanto aos pobres e a obrigação da sua igreja, mantenha em mente esses dois princípios: proximidade e necessidade. Quanto mais próxima a pessoa for de você (relacionalmente, espiritualmente ou geograficamente) e quanto mais acentuada for a necessidade (porque é imediata, urgente ou somente você pode ajudar), maior é a sua obrigação de doar, dar assistência e se envolver. Quanto mais longe você vai em cada círculo, menos obrigado você deveria se sentir e  mais cautela você deveria ter.

Mas, por favor, não use os dois círculos de responsabilidade como uma desculpa para a apatia e a inatividade. Use os princípios bíblicos para te ajudar a determinar as prioridades sabiamente e responda de formas que sejam sustentáveis e efetivas.

Kevin DeYoung é o pastor sênior da University Reformed Church em East Lansing, Michigan, e é, mais recentemente, autor juntamente com Greg Gilbert, de What is the Mission of the Church? – Qual é a Missão da Igreja?- (Crossway, 2011).