Por que as boas novas viram más sem Adão

Michael Reeves
Michael Reeves

Imagine a cena: George Whitefield acabou de terminar de pregar. Em todos os cantos os olhos estão brilhando e as pessoas estão falando sobre a maravilha da graça de Cristo. Milhares de corações foram tocados e enternecidos; vidas foram refeitas.

Agora, se a igreja deixa de crer em um Adão históricos, nunca mais veremos cenas assim.

É demais dizer isso?

Será mesmo?

De forma alguma. Pois não é só que as genealogias bíblicas citam Adão como uma figura histórica, não é só que Paulo constrói argumentos fundamentais baseados na crença de que Adão foi um homem tão real quanto Cristo (Romanos 5; 1 Coríntios 15). Adão tem um significado na Bíblia que vai muito além do número de vezes em que é citado nela. De fato, ele tem um significado tão importante que, sem ele, não temos mais um evangelho cristão reconhecível.

Dadas as limitações de espaço, quero listar apenas duas formas em que a mitologização de Adão mina o evangelho.

1. Torna o bom em mau

Vamos colocar dessa forma: e se o pecado não entrou no mundo em um ponto específico do tempo, por meio de um pecado original real e histórico? Bem, então teríamos de dizer que Deus deve ter criado um mundo caído, pecaminoso. O pecado teria que ser uma parte do que Deus chamou de ‘muito bom’ (Gênesis 1.31). Então isso seria assim ou porque há alguma falha de caráter em Deus, alguma veia de maldade, ou é o resultado de algum espaço que ele precisou conceder a algum mal pré-existente ou a alguma forma deficiente de matéria.

Em outras palavras, somos forçados a negar ou a bondade absoluta de Deus ou a soberania absoluta de Deus. Mas negar qualquer uma das duas é abalar a fé cristã em suas mais fundamentais bases. E, deve-se perguntar, o que então Jesus estava fazendo na cruz, derrotando o pecado, a morte e o mal? Derrotando algo criado por ele mesmo?

2. Desfigura nossa salvação

Agora vamos perguntar: e se Adão for apenas uma figura mitológica, um símbolo de como todos nós rejeitamos Deus? Bom, então o pecado não é um problema com o qual todos nascemos, algo hereditário. O pecado, então, não é algo que no afeta e nos molda profunda e completamente desde o nascimento; é algo superficial, algo que livremente escolhemos.

Primeiro, isso vai diretamente contra tudo que a Bíblia diz sobre pecado. Eu não peco porque a partir de alguma posição de neutralidade espiritual eu ‘decido’ pelo pecado; eu peco porque naturalmente minhas inclinações mais profundas são pecaminosas. Eu peco porque sou pecador. Eu nasci assim. Uma árvore boa dá bons frutos e uma árvore má dá frutos maus (Mateus 7.17), disse Jesus.

Segundo, e mais preocupante, se o pecado é algo superficial, algo que eu simplesmente escolho, então minha necessidade de graça é igualmente superficial. Se eu escolho livremente o pecado, eu posso agora escolher Jesus livremente. Em outras palavras, eu não tenho necessidade de uma regeneração espiritual do meu coração e do meu próprio ser. O pecado foi apenas uma má escolha. Eu não sou tão perverso assim.

E o que isso tudo diz sobre Cristo? Bem, se não há nenhum problema radical com a nossa própria humanidade, um problema que precede nosso próprio nascimento, se somos capazes de escolher Deus tão facilmente quanto escolhemos o pecado, então Cristo poderia simplesmente ter nos chamado a nos arrependermos e segui-lo. Não haveria real necessidade de encarnação, morte e ressurreição para nos refazer completamente. Se Adão é um mito, então nós praticamente não precisamos de um Salvador – apenas de um mestre para nos mostrar o caminho.

É por isso que nunca mais veremos um ministério como o de Whitefield se a igreja deixar de crer no Adão histórico. Pois sem a crença no Adão histórico, Whitefield não teria um Deus bom e soberano para proclamar; ‘o novo nascimento’ não seria sua mensagem. Ao invés de oferecer nova vida para os pecadores perdidos, ele simplesmente teria sugerido àqueles que escolheram errado que escolhessem melhor.

Não há muito de boas novas nisso.