Por que odeio filmes cristãos

C. Michael Patton
C. Michael Patton

Há pouco tempo atrás, dei uma tarefa para uma turma em que eu lecionava sobre a História Cristã. Foi uma biografia de Santo Agostinho. Eu estava muito animado para apresentar as pessoas a um grande amigo que eles (mais do que provável) nunca conheceram realmente. Ele é um titã da fé e tem, ao longo dos anos, se tornado um dos meus melhores conhecimentos. Sim, esse cara vem cheio de bagagem. E sim, parte dessa bagagem carece de modéstia. Mas é assim com todos os meus amigos. Eles não têm tudo. Nunca têm. Todos os grandes nomes do passado. Seja na teologia ou no estilo de vida, se você quiser conhecer de fato como é na realidade, vai ter de percorrer algumas águas bem distantes da sua zona de conforto.

Fiquei meio desanimado quando uma pessoa chegou na parte do livro que descreve problemas de Agostinho com a promiscuidade sexual. Não havia nada de muito chocante já que Agostinho nunca sentiu a necessidade de descrever os detalhes. No entanto, essa pessoa achou que não é recomendável deixar os outros cristãos lerem esse lado de Agostinho, especialmente os adolescentes. “Eles podem ser encorajados a fazer o mesmo”, disse essa pessoa. “Eu só acho que eles não devem ser expostos a um ‘herói’ que viveu uma vida assim. Eu só quero ouvir coisas boas sobre Agostinho.”

É difícil passar por essa vida com olhos apenas “nas coisas boas”. Realmente, é muito difícil definir o que são “as coisas boas.” Primeiro (e, por favor, perdoe o meu clichê pós-moderno), as coisas boas para você nem sempre são coisas boas para mim e as coisas ruins para você não são sempre as coisas ruins para mim. Segundo, é mesmo possível ver as coisas boas sem as coisas ruins?

Permita-me fazer um desvio …

Eu odeio filmes cristãos.  Não consigo assisti-los. Toda vez que assisto, eu começo a ficar tonto e preciso das minhas pílulas anti-vertigem. Por que isso? Acho que por uma série de coisas. É claro, tem o de sempre: a qualidade é terrível e artificial, os enquadramentos previsíveis e desajeitadas, e a pós-produção sonora e integração musical é clichê e sem graça. Mas existe um elemento que é pior que os outros: A história. Por quê? Eu não acredito que estou dizendo isso, mas é muito “cristã”.

Deixe-me voltar (perdoe-me por vagar por todo canto).

Eu amo filmes. Amo programas de televisão. Gosto de fugir do meu próprio mundo e viver em outro mundo por um tempo. Embora eu não esteja assistindo muita TV ou filmes hoje em dia, há uma série que eu não perco: The Walking Dead. Esta série pós-apocalíptica sobre zumbis está quebrando recorde após recorde em números de audiência. É um fenômeno que impressiona bastante por ter tanta popularidade. Afinal de contas, é sobre zumbis! Você está brincando comigo? Quinze milhões de pessoas assistindo um seriado de zumbis? É o drama mais assistido da TV fechada na história. Por quê? Tem sentido para mim que sou um paranoico pós-apocalíptico. Mas por que tanta gente se juntou em frente desse programa? Claro, a atuação é ótima, o orçamento permite efeitos especiais incríveis, e a história é absolutamente intrigante. Mas vai além disso. É sobre a condição humana. O chamado drama. Não ação, não terror, mas drama. Não importa quão surreal o mundo em torno desses sobreviventes apocalípticos possa ser, o intrigante é que o seriado entra na humanidade e joga bombas de vida real, lutas reais, mágoa real, dor real e desilusão real. E as soluções para esses problemas não estão embrulhadas com um lindo laço vermelho. O conflito fica sem solução ou é contínuo. Zumbis não são reais, mas o drama em torno deles é. E nós gostamos disso.

Muitas pessoas não assistem filmes ou televisão. Conheço muitas pessoas que nem sequer tem uma TV. Eu respeito essa decisão. Mas o que eu não respeito é quando aqueles que não têm televisão (por suas próprias razões) idealizam a sua situação, como se tivessem atingido o auge da santificação nesta área. Veja, Deus criou a criatividade! É dele. Ele é o dono. Eu digo que eu amo “fugir do meu próprio mundo”, e alguns interpretam isso como uma negligência irresponsável do meu próprio mundo, porque eu não posso lidar com a minha vida. Pode ser que estejam certos. Em muitas circunstâncias, admito que estão certos. Mas não sempre. Entretenimento em geral é um excelente exemplo de como alguns cristãos jogam o bebê fora com a água do banho. Quando nos demos conta de que jogamos o bebê fora, tentamos pegá-lo de volta, só para ter ideia de como estamos obsoletos. Nós não sabemos lavar o bebê, então fazemos aquilo que podemos e o apresentamos ao público. Mas raramente é bom. Eu gosto de escapar para a vida e imaginações dos outros. Eu gosto de celebrar a imagem de Deus expressa no entretenimento. Eu acho que Ele é dono desse mundo.

Na indústria do entretenimento, os cristãos são volúveis e puritanos. Temos medo de mostrar a condição humana, com suas verrugas e feridas abertas. Temos o medo de que incentivaríamos as pessoas a pecar. Achamos que cada fala, cada cena, e cada som tem que contribuir para uma história que entrega a vida de volta a um povo limpo e preparado, reluzindo com delicadeza. Não me interpretem mal. Não se trata apenas de finais felizes. Trata-se de drama. Trata-se de verdadeiro drama que muitas vezes dói para assistir e cria situações que não são confortáveis.

Ler sobre os detalhes da vida promíscua de Agostinho é entrar em seu drama. Não podemos limpar em demasia a vida e ainda esperar que as pessoas se identifiquem com a história que foi limpa. E não é disso que o que tudo isso se trata? Identidade criada? Identificar-se com Agostinho é uma coisa. Identificar-se com as perguntas sobre o que é verdadeira humanidade, temas de controle governamental e do mais profundo mal do coração humano em um mundo repleto de mortos-vivos é outra. As pessoas estão numa batalha em um mundo caído. Como é que se cria uma verdadeira identidade de tal situação? Soluções nem sempre são fáceis e nem sempre elas vêm com um lindo laço vermelho.

Por que os cristãos permitem que seus filhos leiam a Bíblia? Afinal, ela está muito mais cheia de violência, sexo e mau comportamento do que qualquer outro livro que eu li. Adultério, estupro, incesto, assassinato, guerra, engano e apocalipse real – tudo na Bíblia. E se a Bíblia fosse feita em filme? Como você acha que ela seria classificada? Tenho certeza de que nós, evangélicos, teríamos que fazer alguma edição pesada para se encaixar numa classificação mínima para maiores que 13 anos.Podemos realmente crer que devemos editar Deus? Nós editamos a vida real?

Usamos frequentemente a palavra “gratuita”. É uma boa palavra. Significa “desnecessário”, “desperdiçada”, ou “injustificada.” Falamos sobre sexo, linguagem e violência gratuita na indústria do entretenimento. Eu não gosto de coisas gratuitas. Por quê? Pois bem, porque é… gratuita. É desnecessário. Quando digo que acho que a indústria de entretenimento cristão faz alguns filmes ruins, não me interpretem mal. Existem alguns fracassos terríveis lançados pelo mundo secular que são cheios de excessos de indulgência. Não precisamos ou queremos comportamentos gratuitos. Queremos vida real. No entanto (e, por favor, não perca isso), eu acho que a maior parte da indústria do cinema cristão é gratuita de uma forma diferente. Falamos sobre o mau comportamento sem uma justificativa. Mas o que dizer de bom comportamento sem uma justificativa? O que sobre finais gratuitos? Que tal esperança gratuita? E quanto ao amor gratuito? Que tal um Deus gratuito que conserta coisas demais? A vida é realmente isso? Nosso Deus é realmente isso? Uma coisa é verdade: isso não se parece com as histórias contidas nas Escrituras.

Eu gosto de coisas boas. Eu gosto de esperança, alegria e reconciliação. Sabe o que é bem familiar para a maioria de nós? Quando aprendemos a viver, mesmo que essas coisas sejam difíceis de alcançar ou inexistentes. Quando aprendemos a viver com gemidos e suspiros que não podem socorrer a tantas necessidades sentidas. A vida nem sempre tem um final feliz. Pessoas nem sempre mudam. A salvação de alguém amado às vezes não se realiza. Deus às vezes está silencioso. Às vezes, a vida recebe classificação Adulta. Eu não gosto de filmes cristãos (na maioria das vezes) porque não me identifico com eles. Eles têm muita esperança gratuita. E isso é tão pecaminoso (se quisermos chegar a este ponto), quanto sexo gratuito. A água do banho está suja e às vezes o bebê vai estar também. Isso se chama vida. Não gratuita. Apenas vida. A esperança pode ser encontrada de uma forma muito mais criativa com os lacinhos deixados de lado.

Agora, vamos falar sobre criatividade . . . talvez na próxima.