Virgindade subversiva

Sarah Hinlicky
Sarah Hinlicky, 12 anos após escrever esse artigo, casada.

Tá, eu admito. Eu tenho 22 anos e ainda sou virgem. Não por falta de oportunidade, minha vaidade se apressa para acrescentar. Se eu tivesse me sentido muito sobrecarregada por minha inocência antiquada, eu poderia ter encontrado alguém para resolver o problema. Mas nunca o fiz.

Nossa cultura me diz que alguma força opressiva deveria ser a causa da minha virgindade tardia – talvez um excessivo temor de homens, de Deus ou de ser pega no flagra. Talvez seja isso mesmo, já que eu posso apontar um número de influências que me levaram a permanecer virgem. Minha mãe me ensinou que auto-respeito exige autocontrole, e o meu pai me ensinou a exigir o mesmo dos homens. Eu sou bastante caipira para suspeitar que contraceptivos talvez não bastem para prevenir uma gravidez indesejada ou uma DST, e eu acho que aborto é matar um bebê. Eu realmente acredito na doutrina cristã da lei e da promessa, que significa que os dez mandamentos ainda estão entranhados na minha consciência. E ainda sou ingênua o suficiente para acreditar em um permanente, exclusivo e divinamente ordenado amor entre um homem e uma mulher, um amor tão valoroso que me motiva a manter as minhas pernas firmemente cruzadas nas mais tentadoras situações.

Definindo a sexualidade

Apesar de tudo isso, eu ainda acho que tenho um quê de feminista, já que a virgindade tem o resultado de criar respeito e de defender o valor da mulher assim disposta. Mas descobri que o reinado do feminismo de hoje vê pouco uso nisso. Houve um tempo quando eu era boba o bastante para procurar na literatura entre as publicações para mulheres que poderiam oferecer suporte nessa minha decisão pessoal. (Tudo é uma questão de escolha, afinal de contas, não é?) A escassez de informação sobre virgindade pode levar alguém a acreditar que o assunto é um tabu. Entretanto, eu fui bastante feliz ao descobrir um pequeno artigo sobre o assunto que referenciava o volume do feminismo, Our Bodies, Ourselves (Nossos Corpos, Nós mesmos – tradução livre).

A edição mais recente do livro tem uma atitude mais  positiva que a edição anterior, onde reconhece a virgindade como uma legítima escolha e não somente um subproduto da cultura patriarcal. Apesar disso, em menos de uma página, presume-se a cobrir o conjunto da emoção e experiência envolvida na virgindade, a qual parece consistir simplesmente na noção de que a mulher deveria esperar até ela estar realmente pronta para expressar sua sexualidade. E isso seria tudo a se dizer sobre o assunto. Aparentemente, a expressão sexual toma lugar somente dentro e depois do ato da relação sexual. Qualquer coisa mais sutil – como o amor delicado pela cozinha, a tendência a chorar assistindo filmes, o instinto maternal irreprimível, ou até um beijo apaixonado de boa-noite – é julgado como uma demonstração inadequada de identidade sexual. A mensagem velada de Nossos Corpos, Nós Mesmos é clara o suficiente: enquanto uma mulher for virgem, ela permanece completamente assexuada.

Surpreendemente, esta atitude tem se infiltrado no pensamento de várias mulheres da minha idade.  Mulheres que deveriam ainda ser novas o bastante na rede de mentiras chamada de idade adulta para terem um pouco mais de noção. Uma das memórias mais vívidas da faculdade é uma conversa com uma grande amiga sobre minha (para ela) bizarra aberração da virgindade. Ela e outra garota estavam divagando sobre os terríveis detalhes de suas vidas sexuais. Finalmente, depois de algum tempo, minha amiga de repente exclamou para mim: “Como você consegue isso?”

Um pouco surpresa, eu disse, “Consegue o que?”

“Você sabe”, ela respondeu um pouco relutante, talvez em usar a grande e temerosa palavra-com-V. “Você ainda não… dormiu com ninguém. Como você consegue isso? Você não quer?”

Essa pergunta me intrigou, porque estava totalmente distante da resposta. Claro que eu quero – que pergunta estranha! – mas simplesmente querer não é lá um bom guia para a conduta moral. Garanti à minha amiga em questão que minha libido estava funcionando normalmente, mas então eu tinha que apresentar uma boa razão por que eu estava prestando atenção às minhas inibições todos estes anos. Propus as razões comuns – saúde emocional e física, princípios religiosos, “me guardar” até o casamento – mas nada a convencia até que eu disse “Acho que não sei o quê estou perdendo”. Ela ficou satisfeita com aquilo e terminou a conversa.

Por um lado, claro, eu não sei o que estou perdendo. E é muito comum entre aqueles que sabem o que estão perdendo percorrer grandes distâncias para garantir que não perderão por muito tempo. Por outro lado, entretanto, eu poderia listar um monte de coisas que eu sei que estou perdendo: dor, traição, ansiedade, auto-engano, medo, desconfiança, raiva, confusão e o horror de ter sido usada. E estes são apenas aspectos emocionais; há ainda doenças, gravidez indesejada e aborto. Como se para provar meu caso do outro lado, minha amiga passou por uma traição traumática dentro de um mês ou dois depois da nossa conversa. Acontece que o homem envolvido tinha prazer em dormir com ela, mas se recusou a ter um “relacionamento real” – uma triste realidade que ela descobriu somente depois de algum tempo.

Poder da escolha

De acordo com a sabedoria feminista, sexualidade é para ser entendia através dos conceitos de poder e escolha. Não é uma questão de algo tão banal biológico quanto a produção de crianças, ou até mesmo a noção mais elevada de criação de intimidade e confiança. Às vezes até parece que o sexo nem deveria ser divertido. O objetivo da sexualidade feminina é afirmar o poder sobre os homens infelizes, para controle, vingança, prazer próprio ou forçar um compromisso. Uma mulher que se recusa a expressar-se na atividade sexual, assim, cai vítima de uma sociedade dominada pelos homens, que pretende impedir as mulheres de se tornarem poderosas. Por outro lado, diz-se, uma mulher que se torna sexualmente ativa descobre seu poder sobre os homens e o exercita, supostamente para sua valorização pessoal.

Esta é uma mentira absurda. Este tipo de guerra dos sexos da sexualidade resulta somente em uma vitória pírrica – vitória obtida a alto preço com prejuízos irreparáveis. Os homens não são aqueles que ficam grávidos. E quem já ouviu falar sobre um homem comprar uma revista para aprender os segredos para fisgar uma esposa? Sacrifício e renuncia do poder são naturais para as mulheres – pergunte a qualquer mãe – e elas também são o segredo do apelo feminino. A pretensão que agressão e verdade absoluta são as únicas opções para o sucesso do sexo feminino tem aberto portas aos homens predadores. O desequilíbrio do poder se torna maior que nunca em uma cultura de fácil acesso.

Contra este sistema de exploração mútua está a alternativa mais atraente da virgindade. Ela foge do ciclo cruel de ganhar e perder, porque se recusa a jogar o jogo. A promiscuidade de ambos os sexos vai tentar ferir, um ao outro, disfarçando infidelidade e egoísmo como liberdade e independência, e culpando o resultado sempre no outro. Mas ninguém pode reivindicar o controle sobre o virgem. Virgindade não é uma questão de afirmar o poder para manipular. É uma recusa em explorar ou ser explorado. Isso é o real e responsável poder.

Mas há mais do que mera fuga. Há um apelo inegável em virgindade, algo que escapa ao rótulo de desprezo feministas ressentidas de “puritana”. A mulher virgem é um objeto de desejo inatingível, e é precisamente sua inatingibilidade que aumenta o desejo. O feminismo tem dito uma mentira em defesa de sua própria promiscuidade, que não há poder sexual na virgindade. Pelo contrário, a sexualidade virgem tem um poder extraordinário e incomum. Não há como duvidar dos motivos de uma virgem: sua força vem de uma fonte além de seus caprichos transitórios. A sexualidade é dedicada à esperança, ao futuro, ao amor conjugal, às crianças e a Deus. Sua virgindade é, ao mesmo tempo, uma declaração de sua madura independência dos homens. Permite que uma mulher se torne uma pessoa completa em seu próprio direito, sem a necessidade de um homem para se revoltar contra ou a completar o que falta. É muito simples, na verdade: não importa o quão maravilhoso, charmoso, bonito, inteligente, atencioso, rico ou persuasivo ele é, ele simplesmente não pode tê-la. Uma virgem é perfeitamente inalcançável.

Claro, houve algumas mulheres que tentaram reivindicar essa independência dos homens, voltando-se para si mesmas, optando pela sexualidade lésbica em seu lugar. Mas este é apenas mais uma, e talvez mais profunda, rejeição de sua feminilidade. Os sexos se definem em sua alteridade. Lesbianismo esmaga a concepção de alteridade afogar a feminilidade num mar de mesmice, e no processo perde qualquer noção do que faz o feminino, feminino. Virgindade defende de forma simples e honesta o que é valioso e exclusivo para mulheres.

O corolário do poder é a escolha. Novamente, a feminista pressupõe que mulheres poderosas sexualmente serão capazes de escolher seus próprios destinos. E mais uma vez, isso é uma mentira. Ninguém pode se envolver em relações sexuais extraconjugais e controlá-las. Em nenhum lugar isso é mais aparente do que no pesadelo do colapso moral de nossa sociedade desde a revolução sexual. Algum tempo atrás eu vi na TV a introdução do inovador “preservativo feminino.” Uma porta-voz numa conferência de imprensa, comemorando o lançamento, declarou alegremente a nova liberdade que deu às mulheres. “Agora as mulheres têm mais poder de barganha”, disse ela. “Se um homem diz que ele se recusa a usar preservativo, a mulher pode responder, tudo bem, eu uso!” Fiquei embasbacada por seu entusiasmo com a dinâmica da nova situação. Por que será que duas pessoas com tanta animosidade entre si consideram manter relações sexuais? Que bela opção de liberdade foi dada a eles!

A terrível realidade, claro, é que não há nada de livre escolha quando as mulheres têm de convencer os homens a amá-las e precisam convencer-se que são mais do que apenas “bens usáveis”. Há tantas jovens que tenho encontrado, para quem a atividade sexual de livre escolha significa um breve momento de prazer – se tanto – seguido pelos efeitos colaterais não escolhidos de incerteza paralisante, raiva pelo envolvido e, finalmente, um profundo ódio a si mesmas que é impenetráveis pela análise feminista. A chamado liberdade sexual é, na verdade, apenas proclamar-se estar disponível gratuitamente e, assim, sem valor. “Escolher” essa liberdade é equivalente a dizer que não se vale nada.

Reconhecidamente, há algumas pessoas que dizem que sexo não é nada tão sério ou importante, mas somente mais uma atividade recreativa não tão diferente do ping-pong. Eu não acredito nisso por nem um segundo. Aprendi, de uma forma muito significativa, com outra mulher a força destrutiva do sexo fora do controle quando eu mesma estava sobre uma considerável pressão em atender as demandas sexuais de um homem. Eu discuti a perspectiva com esta amiga, e depois de algum tempo ela finalmente me disse, “Não faça isso. Até agora na sua vida, você fez as escolhas certas e eu fiz todas as escolhas erradas. Eu me importo o suficiente com você para não querer ver você acabar como eu.” Naturalmente, aquilo fez a minha cabeça. Sexo importa, importa muito; e eu posso somente esperar que aqueles que negam isso acordem para tal erro antes que se machuquem cada vez mais.

As mentiras que o feminismo tem pregado são assustadoras e destrutivas às mulheres. Tem criado a ilusão de que não há espaço para a autodescoberta fora do comportamento sexual. Não apenas isso é uma mentira grotesca, mas também é bem chata. Fora a dispensa implícita de toda riqueza fora do domínio do sexo, esse falso conceito tem imposto duros limites ao alcance dos relacionamentos humanos. É dito para nós que amizades entre homem e mulher são apenas uma enrolação até que eles finalmente se envolvam. Enquanto o romance é natural e uma expressão de amor recomendável entre um homem e uma mulher, não é simplesmente a única opção. E na nesse clima sexualmente competitivo, mesmo o amor romântico mal merece esse título. Virgindade entre aqueles que buscam o amor marital ajudaria muito a melhorar o desempenho e solidificar o mesmo, criando uma atmosfera de honestidade e descoberta antes da igualmente necessária e desejada consumação. Onde o feminismo vê a liberdade dos homens em colocar partes de seus corpos à disposição, neste jogo bizarro de auto-engano, a virgindade reconhece igualmente o vulnerável, embora frequentemente negligenciado, estado dos corações dos homens, e busca um caminho para os amarem verdadeiramente.

É estranho e incomodo para mim que o feminismo nunca tenha reconhecido o poderoso valor da virgindade. Eu tendo a pensar que muito da agenda feminista é mais investida em uma cultura de autonomia e darwinismo sexual do que em elevar genuinamente as mulheres. Claro, virgindade é uma batalha contra a tentação sexual, e a cultura popular sempre opta pelo caminho mais fácil ao invés das dificuldades que moldam o caráter. O resultado são mulheres superficiais moldadas por escolhas sem sentido, dignas de serem tratadas como estereótipos, ao invés de mulheres caráter louvável, dignas de serem tratadas com respeito.

Preparar para amar

Talvez a virgindade pareça um pouco fria e até arrogante e insensível. Porém, a virgindade quase nunca tem a exclusividade de assumir estes defeitos, se é que assume algum deles. Promiscuidade oferece um destino muito pior. Eu tenho uma grande amiga que, infelizmente, tem mais conhecimento do mundo que eu. Pelos padrões da libertinagem feminina, ela deveria se orgulhar de suas conquistas e estar pronta para mais, mas ela não está. O momento mais revelador sobre o que se passa em seu coração veio a mim uma vez enquanto estávamos ao telefone, especulando sobre o nosso futuro. Geralmente essas especulações são cheias de viagens exóticas, aventuras e pós-graduações. Naquela hora, entretanto, elas não eram. Ela confessou para mim que o que ela realmente queria era viver numa fazenda no interior de Connecticut, criando várias crianças e bordando toalhas de chá. É um adorável sonho, nada ambicioso, e doméstico. Mas os seus curtos e fracassados relacionamentos sexuais não a levaram de qualquer forma mais perto de seu sonho e deixaram pouca esperança de que ela sequer conseguirá alcançá-lo. Devo ser honesta aqui: a virgindade também não me levou a uma fazenda no interior de Connecticut. A inocência sexual não é garantia contra dor-de-cotovelo. Mas há uma diferença crucial: não perdi uma parte de mim para alguém que posteriormente tratou com desprezo, rejeitou e talvez nunca se importou com isso.

Eu espero sinceramente que a virgindade não seja um projeto de vida para mim. Muito pelo contrário, meu compromisso subversivo com a virgindade serve como preparação para outro compromisso, de amar um homem completamente e exclusivamente.  Reconhecidamente, há uma pequena frustração em meu amor: eu ainda não conheci O homem (pelo menos, não que eu saiba). Mas a esperança, aquela que não desaponta, me sustém.

Traduzido e gentilmente cedido por Rebeca Nascimento | iPródigo.com | Original aqui