O ano em que vivemos em perigo

Uma das tradições que sempre tento iniciar é uma retrospectiva das mais importantes histórias de religião do ano. O problema é que eu não acompanho as últimas novidades nas áreas de… digamos.. candomblé, budismo ou inricristismo. Obviamente, algo ficaria de fora. Da mesma forma, se reduzisse meu escopo para o cristianismo, eu não teria a menor ideia do que, por exemplo, o Thalles Roberto andou aprontando em 2014, nem quais mega-igrejas “bombaram” nos Estados Unidos. Logo, algumas histórias seriam injustiçadas. Pensando bem, acho que meu nível de desinformação anda tão baixo que nem algumas partes da cena evangélico-reformada teriam a atenção devida. (Pode ser também fruto de um bom uso de prioridades, mas enfim…)

Então, o que se seguirá nos próximos dias é uma retrospectiva altamente subjetiva: os tópicos citados foram escolhidos pelo critério “minha memória” – isto é, o que lembrei e considerei digno de lembrança. Junto com a lista ofereço uma reflexão que não pretende cobrir todos os aspectos de cada evento mencionado, mas fazer algo mais que apenas listar o que aconteceu.

O primeiro evento da lista acabou ficando um pouco grande. Espero que os próximos não sejam assim e a série já se encerre na segunda parte…

“Não me representa”

As primeiras grandes polêmicas do ano envolveram a questão do relacionamento entre igreja e homossexualismo. Dois casos no Brasil e um nos EUA mostram que a vida dos cristãos deve se complicar nos próximos anos. (A não ser que o pós-milenismo seja verdadeiro, claro). Houve outros incidentes, mas esses me chamaram mais a atenção.

Nos EUA, vimos uma discussão em torno de Louie Giglio, o pastor escolhido para fazer a oração na segunda inauguração presidencial de Barack Obama. Há quase duas décadas,  Giglio havia pregado um sermão em que deixava claro sua posição contrária às práticas homossexuais e ao casamento gay. Ativistas questionaram essa escolha e, por fim, Giglio abriu mão de tomar parte no evento.  Por aqui, testemunhamos a reação do público à polêmica entrevista de Silas Malafaia e à escolha de Marco Feliciano para presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.

O que podemos tirar disso? Bem, no caso de Giglio, é evidente que há boas chances de que a moralidade cristã continue recebendo esse tipo de oposição. Ainda que não haja uma censura completa, há uma tendência de que isso seja relegado à esfera privada ou mesmo à marginalidade. Muita gente já disse isso e estou apenas repetindo. O curioso é notar que o sermão de Giglio estava disponível há anos, suas posições sempre foram essas, não havia qualquer surpresa. Ainda assim, hoje este é o tipo de posição que gera as mais exaltadas reações. Nossa sociedade mudou. E mudou a ponto de vermos “um sermão perdido” de 20 anos atrás ser usado contra um pastor.

Creio que a tendência é que isso se repita. E se isso virar moda no nosso país do funcionalismo público? Pode o governo separar tão bem as posições pessoais de um agente do cargo que ele ocupa? Será que no futuro os cristão serão acusados de não seguir o princípio da impessoalidade, por exemplo? Ou veremos uma explosão de teólogos liberais empenhados em manter suas posições? Ainda bem que tem o Política Reformada para dar respostas melhores que as minhas.

Sobre o Brasil: está claro que Silas e Feliciano passam longe do que chamamos de um ministério saudável e que o foco deles certamente não é o Evangelho de Jesus Cristo. Ao mesmo tempo, não se pode negar que esses dois homens corajosamente expõem suas opiniões sobre essa questão moral, e essas opiniões se aproximam do que a igreja sempre acreditou. Ou seja, não podemos negar que eles têm sua importância em conter a confusão moral que assola nosso tempo. Mesmo que não promovam conversões, eles levantam questionamentos e mostram que há gente pensando diferente por aí.

Ao mesmo tempo, não se pode negar que existem questões políticas e econômicas em todas essas discussões. Não seja ingênuo: é bem possível que Feliciano deixasse a presidência da CDH se lhe oferecessem algo melhor. Na verdade, ele mesmo ofereceu, ao propor que alguns “mensaleiros” abrissem mão de seus cargos em outra comissão. Coincidentemente ou não, foi quando a poeira começou a baixar. A verdade é que Feliciano saiu vitorioso, não porque se manteve como presidente da comissão, mas porque certamente angariou muitos votos para a eleição de 2014. É bem provável que conseguisse o mesmo tanto se, ao final da campanha Feliciano não me representa ele abandonasse seu cargo.

Isso também me lembra do caso de Os Reis dos Patos [Duck Dinasty]. Não acompanhei de perto todo o problema (fim de ano, sabe como é), mas não é normal que uma emissora cancele um dos seus programas de maior sucesso apenas por causa de posições ideológicas. Existem, sim, idealistas e pessoas sinceras nas duas posições básicas dessa discussão, mas devemos sempre tomar cuidado e nos lembrar das outras forças que movem nossa sociedade além de ideais.

Menção desonrosa

Em especial durante a polêmica de Feliciano, percebi uma tendência em muitos cristãos de partirem imediatamente para aquele grande pedido de desculpas à humanidade, fotografando e compartilhando suas plaquinhas de “não me representa” nas redes sociais.

Veja: eu também acho que Feliciano e Silas não me representam, mas se você está fazendo isso para mostrar-se parte da galera esclarecida, pense melhor. Se você considera homossexualismo um pecado e acha que vai se enturmar facilmente no grupo, creio que esse ano deveria te levar a pensar um pouco diferente. Não estou dizendo que você não deve deixar claro que amamos igualmente gays, héteros e os representantes das outras opções. Estou dizendo que o normal é que isso seja abafado por sua firmeza bíblica em tratar certas práticas como pecado. Você pode ser diferente de Feliciano, mas é possível que seja visto como uma imitação dele.

Voltando às plaquinhas: o cúmulo do “Feliciano não me representa” foi colocarem um cara fantasiado de Jesus com uma. A quebra do segundo e do terceiro mandamento estava clara, na minha opinião. Mas a do primeiro era a mais grave e, talvez, mais sutil. Não terás outros deuses diante de mim, nem mesmo o popular ídolo da relevância.