Quando a América é grande e os presidenciáveis são pequenos

Que as eleições para presidente nos EUA, com seu enigmático sistema eleitoral de primárias, colégios, delegados e votos antes da hora (que você pode corrigir se mudar de ideia), são bem diferentes de seu paralelo no Brasil todo mundo já deve saber. Que há um respeito quase contagiante pela figura do presidente talvez seja um fato conhecido também. Menos conhecidos, entretanto, são dois outros aspectos da corrida presidencial americana que me chamaram a atenção nesses últimos doze meses entre os crentes americanos—o catastrofismo e as qualificações que se espera do comandante maior da nação. Nesses dois fatores, os cristãos norte-americanos me ofereceram um mau e um bom exemplo. [1]

Uma eterna e tola vigilância

A primeira característica e mau exemplo, o catastrofismo, foi exposto de forma vívida pelo Rev. Emilio Garofalo, que parcialmente reproduzo aqui:

Facilmente somos capazes de colocar nossa esperança no grande líder e morremos de medo de que a pessoa errada ganhe o pleito. Eu morava nos Estados Unidos em 2008, ocasião da primeira eleição de Barack Obama, e lembro da cena ridícula de ver cristãos completamente apavorados. Até professor de seminário imaginando se seria o início da grande tribulação. Crianças chorando com medo do Obama ir pegá-los em casa. Uma cultura do medo que pensa que homens poderosos é que mandam.

Isso não aconteceu apenas na vitória de Obama. Há relatos de cristãos escondendo suas Bíblias por medo da perseguição que viria durante o governo do deísta (e, portanto, ateu e inimigo da liberdade religiosa) Thomas Jefferson. Da mesma forma, durante meses, vi alguns evangélicos desesperados pelo que chamam o fim da América, o fim da liberdade, e por aí vai. Os dois principais candidatos, Trump e Hillary, eram vistos como aqueles que fariam os EUA chegarem ao fim de sua vitoriosa história. As palavras comuns eram: “Seja quem for que ganhe, nós perdemos”.

Oi? Nós perdemos?

Como podem aqueles que são mais que vencedores perderem? Sim, podemos perder a liberdade, bens, a vida. Mas, a não ser que Satanás tenha sido eleito no lugar de Cristo como governador do universo, não perdemos – não importa quem ganhe.

Veja, isso não é triunfalismo barato. Eu creio que o preço da liberdade é a eterna vigilância (uma frase que é atribuída a Jefferson e, mesmo que ele não tenha dito, parece representar bem seu pensamento), e isso inclui ficar de olho nos candidatos que elegemos. Mas, ao mesmo tempo, não deveria ser parte do cotidiano do cristã achar que o céu está caindo a cada quatro anos. Há uma eterna vigilância que pode ser mais tolice, imaturidade e paranoia. Assim como há uma eterna vigilância (aquele “vigiai” acompanhado do “orai”) que é sabedoria, a prudência da serpente e a simplicidade da pomba. É prudência porque vigia sabendo que esse mundo é mau (e toma atitudes contra isso!), mas é simplicidade porque ora confiando naquele nome que está acima de todo nome.

O mau exemplo que muitos irmãos podem nos dar é uma confiança exagerada naquele que está no poder, que se revela em ansiedade e incredulidade. Porém, há algo positivo que, nós brasileiros, deveríamos almejar – ainda que pareça quase irreal para nós. Essa é a segunda lição.

Quando a América é grande

A outra razão porque muitos americanos estavam desanimados com essa eleição não era incredulidade, mas justamente piedade. Para muitos cristãos, nenhum dos candidatos alcançava aquilo que, em suas cartas pastorais, a Bíblia propõe para um líder. Não, eles não são ingênuos. Eles sabem que nem todo líder será um cristão regenerado e muitos candidatos não cumprem todas as qualificações de Paulo.

Ainda assim, eles viam os dois principais candidatos como pessoas muito abaixo dos mínimos requisitos morais que se espera de uma pessoa que vai administrar a nação. Mesmo o candidato republicano, partido tradicionalmente associado ao conservadorismo e ao evangelicalismo, era visto sob suspeita por sua falta de moderação, modéstia e irrepreensibilidade. Gravações sugeriam que ele não é um homem de uma só mulher. Seus discursos denunciavam amor pelo dinheiro e pela contenção, além de uma grande soberba. Muitos votaram nele? Certamente. O horror de eleger uma candidata claramente abortista e historicamente associada à corrupção no poder – sem contar a insatisfação com os anos de “avanços sociais” dos EUA de Obama – fizeram muitos optarem pelo republicano. Em resumo, os dois eram uma decepção.

Sim, há aqueles que acreditavam realmente que estavam fazendo a América grande de novo, mas, em minha opinião, o testemunho que ficou foi dos que não votaram nos dois grandes partidos e, se votaram, o fizeram com certo pesar – não porque o país ia se acabar ou algo assim, mas porque aqueles que deveriam ser as melhores opções do país desonravam tanto a Deus. Como uma colega anglicana descreveu a última terça, “as pessoas estão vagando pela cidade com seus adesivos ‘Eu votei’ colado em suas lapelas, me lembrando muito das cinzas [que elas levam na testa] na Quarta-Feira de Cinzas: uma demonstração de ter feito seu dever e um sinal de contrição”. Foi quando eles viram a pequenez moral e espiritual dos pretendentes à presidência que eles se tornaram grandes.

E, ainda assim, muitos desses contritos eram aqueles que, no dia seguinte, prometiam orar por seu presidente eleito (e vigiá-lo). Não havia cinismo, não havia tripúdio, pouca comemoração e uma mistura de alívio e expectativa.[2] Eles sabiam que sua esperança estava em alguém que não é escolhido por pecadores. Citando novamente Thomas Jefferson, “Não há mais status quo, mas o sol nasce e o mundo ainda gira”. Ainda que essa citação seja de uma versão fictícia do 3º presidente dos EUA, sua ideia é verdadeira – há constantes em nosso universo e elas apontam para o imutável Legislador. Grande é o Senhor.


Notas

[1] Obviamente, eu estou fazendo generalizações aqui. Muito foi percebido pelas redes sociais, onde o bom senso é a pérola de grande valor e reações emocionais extremas são o idioma. Nem todos os meus colegas de seminário ou irmãos da minha igreja, por exemplo, tiveram as reações descritas aqui. Sei que em outras áreas do país a situação é diferente. E sei também que pecadores fazem essas coisas, não apenas americanos.

[2] Bom, talvez alguns riram um pouco dos jornalistas, mas convenhamos que deve haver justiça nesse mundo.