As últimas vinte e quatro horas [06/02/2013] têm visto a notícia do último rebuliço do TGC [The Gospel Coalition] se espalhar, dessa vez por causa do comentário de Mark Driscoll sobre Joel Osteen. Acho que estou ficando estafado, mas estou surpreso que haja surpresa: ele é o homem, afinal de contas, que disse no último ano que T.D. Jakes tem uma “ficha limpa”.
Mais interessante, entretanto, é a sugestão de que alguns tipos reformados modernos sem nome valorizam demais o sofrimento. A aparente conexão que o Pastor Driscoll faz entre isso e um mundo que aparentemente abusa de antidepressivos é interessante e sem dúvida digna de discussão. Para mim, ela disparou uma cadeia de pensamentos em minha mente. Nós fazemos muito caso do sofrimento? A depressão é pecaminosa? É sempre o resultado de um pecado pessoal? Ou pregação pobre? Ou teologia defeituosa ou ênfases homiléticas desbalanceadas? Estou convencido de que não. Quando alguém se vai nessa direção, está criando uma conexão estreita e necessária entre questões individuais e sofrimento específico. Isso não é bíblico e pastoralmente muito perigoso. Sim, o sofrimento pode algumas vezes vir por causa disso: o homem que trai a esposa e perde sua família sofre como um resultado direto do seu próprio pecado. Mas a pessoa deprimida está sofrendo necessariamente por causa de um pecado específico? A Bíblia, creio, ensina que não.
Pregando a partir de Jó recentemente, fui bastante impactado pela interveção final do Senhor. Jó sofreu incrivelmente por todo o livro; e nós, os leitores, sabemos que não é por culpa dele. O sofrimento é resultado de uma batalha entre Deus e o Acusador e, se há alguma causa, o sofrimento de Jó é então o resultado de sua devoção ao Senhor, a qual Satanás deseja colocar a prova. E ao final do último grande discurso de Jó (cap. 31) ele está deprimido, e com boa razão. O homem perdeu tudo.
Quando Deus finalmente vem até Jó, até esse homem que sofreu tanta devastação, é assombroso que Ele venha em um redemoinho. Nenhuma voz baixa e calma aqui: Ele vem em um redemoinho (e uma rápida pesquisa sobre passagens com ‘redemoinho’ no Antigo Testamento indica que isso não é um indicativo daquilo que poderíamos chamar de uma abordagem tranquila do tipo médico e paciente no hospital). Além disso, O Senhor fala para Jó se armar como um homem (‘vira homem’ acho que seria o cliché moderno) e então, ao invés de falar para Jó lidar com seu próprio pecado ou mesmo expressar o menor fragmento de compaixão por ele em seu sofrimento, Ele sujeita Jó a uma intensa aula sobre majestade e soberania divina. Então, quando Jó foi forçosamente levado ao silêncio, o Senhor continua incansavelmente, descrevendo duas bestas terríveis, Beemote e Leviatã. Se a exegese de Robert Fyall está correta (e eu creio que está) então Leviatã é Satanás; assim, somente neste ponto Deus realmente oferece alguma ajuda real (como podemos entendê-la) para Jó, quando ele levanta um pouco a cortina e permite que Jó compreenda que seu sofrimento é função de um universo maior e mais complicado do que ele pode imaginar, e que, quaisquer que seja os fatos empíricos, o Senhor tem o último e total controle.
À medida que pregava sobre essa passagem, destaquei o fato de que, pelo critério do mundo de hoje, mesmo pelo critério da teologia pastoral atual, o Senhor é um total fracasso. Muito abrupto, duro e sem compaixão. Isso é ainda mais impressionante, dado que o Senhor sabe que o sofrimento de Jó não tem relação com nenhum pecado específico que Jó tenha cometido ou abrigado em seu coração. Jó não é responsável pelo seu próprio sofrimento: isto é, afinal de contas, a premissa básica do livro. Ainda assim o Senhor vem em um redemoinho. Não é exatamente uma abordagem pastoral sensível e empática, é?
O Senhor sabe que o sofrimento de Jó não é culpa de Jó. Por isso, ele não fala para Jó se examinar para extirpar seu pecado. Além disso, ele parece não mostrar nenhuma compaixão por Jó; ele o repreende de dentro de um redemoinho; ele não oferece nenhum tipo de palavras de encorajamento; ele nem mesmo restaura Jó até depois do sacrifício e intercessão do último capítulo. Devemos também perguntar: quão completa foi a restauração de Jó? Esse homem perdeu dez filhos. Sim, ele recebeu dez mais. Mas crianças não são como iPods. Eles têm identidades específicas, rostos, histórias, personalidades. O pai que ama sabe que cada um de seus filhos é, bem literalmente, insubstituível. Quantas noites em sua vida depois Jó teria pensado acordado, lembrando com um coração partido os nomes e rostos e histórias e bons tempos de seus filhos? E nada disso tinha a ver com os pecados próprios ou a culpa de Jó.
As lições em Jó são muitas, mas parece que algumas se sobresaem: esse é um mundo complicado, caído e mal. Cristãos devem esperar sofrer – ei, todos nós morremos no final, não importa quão alegre possamos nos sentir nesse interim, então é melhor nos acostumarmos com a ideia; cristãos não estão isentos da depressão assim como não estão do câncer e do infarto; e a ideia de que essas coisas estão necessariamente ligadas a nossa falta de fé, ao nosso pecado pessoal, a nossa vigilância durante a vida, ou, de fato, a qualquer coisa intrínseca a nós, é sem sentido e não-bíblica. Uma teologia pastoral que não lutou com o redemoinho e os discursos da última parte de Jó é sub-bíblica; e a pregação que não leva em consideração essas coisas não é pregação bíblica. Alguém poderia acrescentar talvez que uma das lições chaves em Jó (e nos Salmos, neste caso) é: não há problema em estar deprimido. É horrível, severo e escuro. Mas talvez não seja sua culpa, não mais do que câncer e infarto são sua culpa. Acima de tudo, isso não significa que você foi esquecido por Deus, mesmo que pareça que Deus só vem até você em um redemoinho; e, finalmente, isso não significa que você não irá participar da gloriosa ressurreição quando todas as dolorosas dificuldades desse mundo serão definitivamente deixadas para trás.
Um dos problemas com o Osteen é que a teologia dele não tem lugar para o Deus de Jó. Mas antes de irmos atrás do Osteen por esse motivo, precisamos nos perguntar: a nossa teologia tem lugar para esse Deus?