Novo nascimento e vida cristã: Deus concede o que Ele exige
No último post dessa série sobre doutrina da regeneração, concluímos a seção sobre a teologia do novo nascimento. Olhamos para a morte espiritual do homem (ou depravação total), e como a morte espiritual manifesta-se na incapacidade de ver. Examinamos a liberdade e a soberania de Deus na salvação, e consideramos a ordo salutis. Abaixo está um resumo dessa seção.
1. Todas as pessoas nasceram espiritualmente mortas (Rm 5.12-21; Rm 3.10-18, Ef 2.1-3; Cl 2.13; Sl 51.5; 58.3).
2. Essa morte espiritual se manifesta na incapacidade de ver Jesus como Ele realmente é (João 3.3; João 1.4; Mt 13.13-14; Dt 29.2-4; 2 Co 4.3-6).
3. Portanto, para ter alguma comunhão com Deus (i.e., para ser salvo da justa punição da ira de Deus contra o nosso pecado), devemos nascer de novo. Nada menos do que um novo nascimento completo nos salvará (João 3.3, 5; Rm 14.23; Is 64.6).
4. Essa obra da regeneração é inteiramente obra de Deus; não é dependente de algo no homem (João 3.8; Ez. 36.25-27; Ez. 37.1-14; Tg. 1.18; 1 Pe. 1.3; João 1.12-13).
5. Nossa fé em Cristo não afeta (ou causa, ou ocasiona) nossa regeneração. Crer é o resultado da nossa regeneração. (1 João 5.1; At. 16.14), a qual é promovida pelo Pai (João 6.37, 44-45, 65) através do ministério do Espírito Santo (João 3.8)
Assim, essa foi a seção sobre a teologia do novo nascimento.
No entanto, há uma questão boa e prática que toda essa teologia da soberania de Deus suscita. E ela é: Como Cristo pode nos ordenar a nascer de novo se a regeneração é inteiramente obra de Deus? Isto é, Jesus diz a Nicodemos que para ver e entrar no reino dos céus, ele precisa nascer novamente. Mas é impossível para Nicodemos fazer alguma coisa quanto a isso, porque regeneração é uma obra inteiramente do Espírito de Deus. Como Deus pode exigir algo de nós que é impossível realizarmos?
É respondendo essa pergunta que entramos nas implicações reais dessa maravilhosa doutrina da regeneração para a Vida Cristã. Como esse ensinamento que parece tão básico, tão fundamental, tão “início-do-cristianismo” afeta nossas experiências do dia a dia como cristãos? Como ele nos ajuda a lutar contra o pecado? Como ele nos ajuda a obedecer a Cristo?
A resposta é: Deus concede o que Ele exige. Considere algumas passagens da Escritura que confirmam esse tema.
- Jeremias 24,7 – Yahweh exige devoção completa de Israel, o que eles demonstraram repetidamente que não são capazes de fazer. Então, Yahweh concede Israel um coração para conhecê-lO.
- Jeremias 31,33-34 – Porque é impossível para o povo de Deus obedecê-lO de todo o coração através da Lei (algo que Ele exige), Ele concede que a Lei seja colocada dentro de nós, e Ele a inscreve em nossos corações.
- Ezequiel 36.25-27 – Novamente, porque não conseguimos obedecer de coração o que Ele exige, Ele vai nos conceder coração novo e espírito novo e fará com que andemos nos Seus estatutos.
- 1 Crônicas 29.10-16 – Davi diz a Deus que todas as coisas são dEle, e então qualquer adoração ou honra que podemos oferecer é somente aquela que é produzida e dada pelo próprio Deus. Ele concede os meios para a adoração conforme Ele exige.
- Romanos 11.36 – Todas as coisas são dEle (concedidas por Ele), e todas as coisas são para Ele (exigidas por Ele).
Agostinho, que lutou extremamente com pecado sexual antes da sua conversão, ao contemplar que Deus nos ordena a ser puros, colocou dessa forma: “Em sua imensa misericórdia descansa toda a minha esperança. Dê o que você ordena, e então ordene o que você quiser.”
Agostinho tinha tanta esperança que ele pode dizer a Deus, “Ordene o que quiser! O que você exigir, estou bem com isso! Desde que você dê o que você ordena. Desde que você conceda o que você exigir!”
E então, Deus pode ordenar pessoas a nascerem de novo, mesmo que o renascimento seja inteiramente obra do Espírito Santo, porque Deus sempre concedeu, concede agora, e sempre vai conceder ao Seu povo o que Ele exige dele. E porque tanto a nossa justificação quanto a nossa santificação são uma questão de visão espiritual, vemos o mesmo princípio de Deus concedendo o que Ele exige também na nossa luta por santidade.
Você vê a genialidade da graça aqui? Ao exigir de todos algo que é impossível de se realizar, Deus destaca a nossa impotência e incapacidade relacionadas a nossa condição espiritual (que já foi analisada no que diz respeito a justificação, mas que também é verdade para nós no tocante à santificação). E porque Ele ordena somente o que é possível para Ele mesmo realizar, Ele destaca a suficiência em Cristo (a Sua própria) e a plenitude da glória de Cristo. Ao conceder o que Ele exige, Deus se apresenta como Tudo em todos! Ele nos coloca na nossa posição adequada, como mendigos necessitados (Mt. 5.3) ansiosos por receber da Sua mão. Então, como nosso benfeitor, Ele se torna suave conosco ao conceder o que exige.
Isso deveria nos dar tremenda esperança e liberdade enquanto buscamos viver a vida cristã em conformidade crescente com a vontade de Deus, a imagem de Cristo. A obediência a que somos chamados a ter como cristãos de fato é impossível (Mt. 22.37-40). Mas toda a minha esperança de progresso na minha santificação está nessa maravilhosa verdade de que meu Deus graciosamente concede o que Ele exige.
O impossível é exigido de mim. E por causa dessa graça abundante, o impossível não é mais penoso (1 Jo. 5.3).
Mas isso fica para a próxima.