“Cristianismo não é uma religião, é um _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _”. Se você precisar de ajuda para preencher o espaço, a palavra que falta tem doze letras, começa com “r” e se tornou o jargão moderno para descrever a fé do Novo Testamento. E, sim, o cristianismo diz respeito a relacionamentos. Mas é a relutância da igreja contemporânea de chamá-lo de religião que é desconcertante.
Esse tipo de pensamento é onipresente hoje em dia. A popular música de louvor “Field of Grace” (Campo de graça), de Darrel Evans, fala com esperança do céu como um lugar “onde a religião finalmente morrerá”. O vídeo viral de Jefferson Bethke de 2012, “Por que eu odeio religião mas amo Jesus”, declara que “Jesus e religião estão em espectros opostos. Veja, um é obra de Deus, outro é uma invenção do homem. Um é a cura, outro a infecção… Religião é como passar perfume em um caixão… Jesus odiava religião”. Com menos coloquialismo, mas confiança similar, em sua excelente série “O Evangelho na Vida”, Tim Keller identifica a “religião” como moralismo de auto-justificação.
Talvez os cristãos tenham menosprezado religião em favor de relacionamento em resposta à forte condenação ateísta da religião. E certamente pessoas foram machucadas por aplicações equivocadas do cristianismo. Entretanto, talvez de forma contra-intuitiva, “Religião vs. Relacionamento” pode ser uma das piores mensagem que poderíamos comunicar hoje. Talvez, de forma mais óbvia, ela sugere que devemos aceitar um relacionamento anti-religioso com Cristo, ou um relacionamento anti-cristão com a religião.
Em um esforço para reavaliar a questão, aqui estão quatro proposições (com um pouco de ajuda do reformador do Século XVI Ulrico Zuínglio).
1. Religião pode ser boa ou ruim
Religião é o termo neutro para um “sistema institucionalizado de atitudes, crenças e práticas religiosas”. Sem sombra de qualquer dúvida razoável, o cristianismo é um sistema, cujos ideais são institucionalizados pelo padrão da Escritura e pela organização da igreja.
Em sua carta para os crentes em peregrinação, Tiago reflete sobre duas fés, dentre as quais as pessoas, incuravelmente religiosas (Atos 17.22) devem escolher (Tiago 1.26-27). A religião “inútil” provem de um coração desesperadamente enganado. A religião “pura e sem mácula” floresce em rituais de bondade e em busca rigorosa de santidade.
Zuínglio argumentou (em sua obra Comentário sobre verdadeira e falsa religião) que discordâncias religiosas acontecem entre aqueles que pensam “que não vale a pena ter em Deus seu conhecimento (Romanos 1.28) e aqueles … que o fazem”. A verdadeira religião é um relacionamento com Deus que afeta profundamente a piedade cristã; “fé, vida, leis, adoração [e] sacramentos”. Em contraste, a religião criada pelos homens deve “ser apropriadamente chamada de ‘hipocrisia, impiedade e superstição’”.
Infelizmente, o moralismo, às vezes, se mascara de verdadeira religião. Zuínglio compara o ensino de religião antropocêntrica com “alimentar crianças pequenas com nozes com casca”. “Incapazes de alcançar a castanha, eles lambem a casca até finalmente desistirem com nojo”. Será possível que aqueles que hoje se sentem enojados da religião nunca tenham conhecido um cristianismo robusto que conecta cada experiência humana à cruz? Se vendilhões estão alimentando os filhos de Deus com a noz do moralismo, a solução não é desistir da religião, mas promover aquela que é enraizada no evangelho.
2. A Bíblia combina religião e relacionamento
Se a religião fala de deveres e o relacionamento, de amor, a Bíblia, na verdade, junta essas duas coisas em termos simples e fortes. Quando Jesus disse que “se me amais, guardareis os meus mandamentos” (João 14.15), ele está chamando aqueles que se relacionam com ele a se juntá-lo em sua religiosidade! Como Kevin DeYoung apontou, “se a religião é caracterizada por doutrina, mandamentos, rituais e estrutura, então Jesus não é o seu parceiro no ódio à religião”.
Zuínglio estava convencido de que “a religião cresce quando Deus chama o homem fugitivo” de volta à graça. A religião começa com o Deus que se revelou ao homem como criador (Romanos 1.19) e aos crentes como o Pai celestial. Nossa grande esperança é conhecer e sermos conhecidos por Deus e descansar em sua perfeita providência. Como diz Zuínglio, Deus tem “uma coisa em vista, se relacionar com aqueles criados por Ele”. Conhecer Deus religiosamente, como aquele que deu vida a todos (Hebreus 11.6) é estruturar nossas vidas em função dEle.
3. Relacionamentos precisam de uma estrutura religiosa
A religião estrutura um relacionamento vital entre Deus e o homem da mesma forma que seu esqueleto estrutura seu corpo. Quando retiramos o esqueleto religioso da igreja, temos um corpo flácido, instável e escorregadio.
O “cristianismo sem religião” deseja um relacionamento sem ritual, rotina e regulação. Tente isso no seu casamento. Diga a sua esposa que você a ama, mas que não quer que o relacionamento fique complicado por conta de regras que insistem em coisas como fidelidade e compromisso. Você odeia restrições como passeios românticos regulares. Você despreza a observância de rituais tais como aniversários e datas comemorativas. Esse relacionamento “puro e sem mácula” não passa de ilusão.
A religião é como um casamento. No cerne do casamento está o dever da fidelidade. Zuínglio une religião e componentes relacionais do cristianismo: “a fidelidade demanda primeiro que aprendamos com Deus a forma com que possamos agradá-lo, [e] de que maneira podemos servi-lo”. DeYoung observa que “… há uma religião cujo objetivo é adorar, servir, conhecer, proclamar, crer, obedecer e se organizar em função de Cristo. E sem esses verbos, não sobra muito sobre Jesus”.
Será possível que os pós-modernos desaprovam a ideia de religião não apenas porque soa antiquado, mas também porque as pessoas preferem um relacionamento sem regras com Deus?
4. Deveríamos nos regozijar na religião, não ridicularizá-la
E se a fé bíblica tenha sido uma força vital ao longo de toda a história porque é uma religião? E se a igreja está tão fraca hoje por causa de uma rápida erosão das raízes religiosas que mantiveram-na firme por milênios? E se, em nome de um “relacionamento” com Jesus, muitos cristãos tenham abandonado atividades religiosas como visitar órfãos e viúvas, evangelizar, ofertar, estudar, adorar em família, valorizar a membresia eclesiástica e regularmente comparecer à adoração comunitária? Será o cristianismo capaz de existir de forma significativa onde é comunicado simplesmente como um relacionamento sem um arcabouço religioso?
Nós não precisamos de menos religião: precisamos de mais! Precisamos de uma religião que afirma que todas as pessoas estão condenadas perante a justiça santa de Deus e que todos os crentes são justificados na presença graciosa de Deus. E precisamos de uma religião que estimule pecadores resgatados a devotarem suas vidas inteiras ao louvor de seu resgatador. Essa religião irá compelir homens e mulheres a fazerem o bem e resistir ao pecado (Gálatas 6.10; Tiago 1.27). Irá guiá-los por toda sua jornada terrena e irá guiá-los ao céu, onde a religião não irá “finalmente morrer”, mas onde sua semente irá se tornar a árvore que florescerá eternamente.