Algumas semanas atrás alguém me perguntou: “como eu posso ser um discípulo se eu preciso enfrentar tantos altos e baixos, fé e dúvida, confiança e medo? Eu sinto como se estivesse fazendo alguma coisa errada”. Se alguém me perguntasse isso um ano trás, eu provavelmente teria respondido com uma solução e uma citação relevante. Mas, nesse dia, eu sugeri apenas que ele lesse os Salmos
Esse não era o meu relacionamento com os Salmos doze meses atrás. Antes desse último ano, eu só lia os Salmos para completar o plano de leitura anual da Bíblia. Já havia decidido que sou do tipo “lado esquerdo do cérebro” demais para aproveitar os Salmos e que talvez eles só fossem úteis para os tipos mais criativos.
Então, conforme eu vinha estudando, comecei a notar um tema recorrente – quase todo mundo que eu admirava gostava muito dos Salmos: de George Muller a J. Hudson Taylor, de Eugene Peterson a Tim Keller. Conforme eu fui lendo os evangelhos, percebi que Jesus também gostava muito dos Salmos – citando ou fazendo referência a eles nos ensinamentos nos montes, no templo e na cruz.
Um mesmo pensamento começou a me perseguir – se eu estou aprendendo a viver como Jesus, como eu posso ignorar os Salmos? Eu comecei a perceber que um discipulado realmente centrado no evangelho requer que nos tornemos amigos de Davi, Asafe, Salomão, os filhos de Corá, Moisés, Etã, o ezraíta e todos os outros salmistas desconhecidos.
A partir daí, comecei a ler e orar os Salmos como parte integral do meu próprio discipulado. Em pouco tempo, os Salmos influenciaram a forma como eu discipulava outras pessoas – especialmente na forma com que os Salmos validam nossas emoções, moldam nossa imaginação e nos ensinam a orar.
1. Os Salmos validam nossas emoções
Na cruz, Jesus clamou o Salmo 22.1, “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”. Jesus não tinha apenas os Salmos tão enraizados em si que foram suas palavras no momento mais agonizante de sua vida, mas ele experimentou o próprio abandono – o sentimento compartilhado pelo autor do Salmo 22.
Quando comecei no ministério, as pessoas (incluindo a minha esposa) me falavam sobre as emoções que estavam experimentando. Eu cometi o erro de iniciante de sutilmente (e nem tão sutilmente) desmerecer a verdade dessas emoções. “Tristeza e abandono não condizem com a verdade do evangelho”, eu dizia a eles. Quanto mais tempo eu passava com nos Salmos, entretanto, mais eu percebia que o evangelho é espaçoso o suficiente para todas as emoções humanas.
Como pastor de jovens adultos, tenho visto quão libertador é para eles encontrar lugar para suas emoções nos Salmos. Em uma carta intitulada “Sobre a Interpretação dos Salmos”, Atanásio escreveu: “Você encontra descritos [nos Salmos] todos os movimentos da sua alma, todas as sua mudanças, seus altos e baixos, seus fracassos e restaurações”. Você não lê os Salmos sem encontrar deleite (Salmo 1.2) e depressão (Salmo 42.5), gratidão (Salmo 100.4) e pesar (Salmo 42.3), e praticamente todas as outras emoções. Os Salmos nos ensinam que não há problema em perguntar a Deus o porquê (Salmo 10.1) ou até quando (Salmo 13.1-2) e ser honesto em relação ao que se sente.
Os Salmos não deixam nossas emoções como elas são, entretanto. Eles moldam nossas emoções e dão contexto apropriado a elas. Eu tive um professor na faculdade que dizia “Os Salmos dão direção para as nossas emoções sem reprimi-las ou deixando-as correrem soltas. Os Salmos te ajudam a aprender como sentir”. Cada um dos Salmos tem seu próprio ritmo. Nós entramos nesses ritmos com nossas emoções e somos levados por eles a emoções mais profundas. Embora esse ritmo possa estar comprimido em alguns versos em um Salmo, nossa experiência pode durar dias, ou até anos.
2. Os Salmos moldam nossa imaginação
Se queremos viver como Jesus, nossa imaginação precisa estar encharcada com o que ele sabia sobre a vida com Deus. O que cremos e como pensamos sobre Deus é crítico para viver uma vida centrada no evangelho. Onde, então, podemos aprender a pensar e crer como Jesus? Nos Salmos.
Os escritores dos Salmos estavam profundamente familiarizados com Deus, seus planos e com a vida no reino. Aqui estão apenas alguns exemplos de como os Salmos moldam nossa imaginação:
A vida com Deus é a boa vida (Salmo 1)
Deus é nosso refúgio e segurança (Salmo 16)
Deus sempre provê o que precisamos (Salmo 23)
Deus é cheio de graça para com os pecadores (Salmo 51)
Deus deseja alcançar todas as nações (Salmo 96)
Deus está sempre presente conosco (Salmo 139)
Os Salmos treinam nossa imaginação meditar (Salmo 1) na verdade sobre Deus. Jesus via o mundo através da lente dos Salmos (veja Mateus 5.4 e Salmo 37.11 ou Mateus 21.16 e Salmo 8.2). E ao longo da história da igreja, os Salmos tem tido um dos principais recursos para a “renovação da mente” (Romanos 12.2). Em minha própria experiência, os Salmos tem alterado dramaticamente a forma com que eu vejo o mundo no dia a dia.
Como discípulos em aprendizado, muitas vezes concluímos coisas sobre Deus baseados no que estamos enfrentando (especialmente quando as coisas não estão indo tão bem). Eu muitas vezes ouvi coisas como “estou sofrendo… então Deus deve estar bravo comigo”. Quando deixamos que os Salmos moldem nossa imaginação, vemos como o sofrimento é uma parte normal da vida no mundo caído e que Deus irá usá-lo para o bem (Romanos 8.28, Salmo 73).
3. Os Salmos nos ensinam a orar
Em O pastor contemplativo, Eugene Peterson escreve: “A grande e abrangente universidade que os Hebreus e os Cristãos tem frequentado para aprender a se relacionar com Deus, a orar, tem sido os Salmos”. Isso era estranho para mim. Embora eu soubesse que os Salmos foram escritos como “orações cantadas”, eu tinha dificuldade em ver como orar as orações de outra pessoa poderia ser uma prática útil. Não parecia muito autêntico.
Então chegou uma fase da minha vida em que eu tive dificuldade para orar. Oração sempre fora algo fácil e natural, mas agora eu não sabia nem por onde começar. Então eu comecei a orar os Salmos – às vezes, linha por linha, e, por vezes, apenas uma linha por mais de meia hora – e Deus começou a transformar o vocabulário e o tom das minhas orações em algo novo. Em sua carta sobre os Salmos, Atanásio também descreve isso: “No caso de todos os Salmos, é como se eles fossem a própria voz daquele que os lê; qualquer um que os ouve é movido em seu coração, como se eles verbalizassem seus pensamentos mais profundos”. É possível que orar os Salmos seja uma das formas pela qual o Espírito intercede por nós (Romanos 8.26-27).
Os Salmos nos ensinam a confessar (Salmo 51), a esperar (Salmo 42 e 43), como pedir (Salmo 69) e como adorar (Salmo 100). Agora, quando estou ajudando novos discípulos a aprenderem a orar, eu os guio pela Oração do Senhor e pelos Salmos.
Os Salmos e o Discipulado
Conforme eu descobri a beleza dos Salmos e seus benefícios práticos para o discipulado centrado no evangelho, eu comecei alguns novos hábitos.
Primeiro, eu comecei a ler alguns Salmos todos os dias. De manhã, no almoço, antes do jantar e antes de dormir, tenho deixado os Salmos interromperem o que quer que esteja em minha mente e ao meu redor. Às vezes eu leio um Salmo e volto a trabalhar, enquanto, outras vezes, medito sobre ele pelo resto da tarde. Às vezes leio cinco Salmos, às vezes apenas um.
Segundo, eu costumo ler um Salmo quando estou junto com outros discípulos. Isso muda nosso discipulado de muitas formas. Eu amo conversas não planejadas ou ouvir a forma como alguém ora diferente de mim. Se você está lendo um Salmo com um discípulo novo, o escritor muitas vezes nos dá assunto para uma discussão sobre teologia com a qual eles não estão familiarizados. Os Salmos estão cheios de boas novas sobre Jesus.
Retornando à história do começo, após ler alguns Salmos, meu amigo percebeu que a vida é bagunçada, e que não há problema nisso. Altos e baixos são normais. Fé e dúvida existem juntas. Davi, em meio aos seus inimigos, resume bem essa tensão quando ora “Ensina-me, Senhor, o teu caminho e guia-me por vereda plana, por causa dos que me espreitam” (Salmo 27.11).