[O post a seguir é parte de uma série abordando as questões mais comuns sobre como a crucificação de Cristo e a ressurreição de Cristo se relacionam entre si nas Escrituras. Os anteriores estão aqui, aqui, aqui e aqui.]
Pergunta 5: Com todas as pregações e material escrito a respeito da expiação que nós vemos no evangelicalismo, não há um perigo de a ressurreição se perder?
Eu não acredito que exista esse perigo, se o ensino sobre a cruz for ministrado de forma responsável. De novo, a cruz e a ressurreição são dois aspectos de um todo unificado (veja, por exemplo, 1 Coríntios 15:3-4), e estes dois aspectos não devem nunca ser fundamentalmente separados. Um sem o outro não tem sentido. Tentativas de subordinar um ao outro levam ao erro.
Isso não significa, porém, que não podemos falar muito de um sem mencionar o outro – um impulso que é bem-intencionado, mas muitas vezes desnecessário. Nós ouvimos e lemos muito sobre as várias facetas da morte expiatória de Cristo por uma boa razão: a Escritura reflete extensivamente sobre a morte de Jesus de maneiras que não se aplicam diretamente à ressurreição. Howard Marshall faz um comentário similar a respeito da forma como Paulo trata o evangelho: “O evento central no evangelho é a morte e ressurreição de Jesus. Estes dois eventos estão intimamente ligados (Romanos 4:25; 8:34; 1 Coríntios 15:3-5; 2 Coríntios 15; Filipenses 3:10; 1 Tessalonicenses 4:14), mas o peso maior recai sobre o primeiro” [New Testament Theology (IVP, 2004), 436]
De forma alguma isso é a criação de uma hierarquia entre os atos redentivos que compõem o evangelho. É simplesmente o reconhecimento de que Paulo prioriza a exposição das implicações da morte de Jesus, carregando nossos pecados, para a saúde e nutrição espiritual das igrejas às quais ele escreve.
Pegue a “propiciação” por exemplo. Por definição, foi na morte que Cristo suportou a ira de Deus em nosso lugar. O mesmo é verdade para a “redenção”: o preço do resgate para a nossa redenção foi dar a vida de Cristo. Isso é claro em textos como Marcos 10:45, onde Jesus diz que ele veio para “dar a sua vida em resgate por muitos” e Efésios 1:7, onde nos é dito que nós “temos a redenção, pelo seu sangue”.
E diante disso, a morte de Cristo é, em si, um sacrifício, preenchendo massivas estruturas do ensino e prática do Antigo Testamento (o cordeiro Pascal, o sistema sacrificial etc). Sem um estudo detalhado da expliação, enormes pedaços da revelação do Antigo Testamento, que moldaram o pensamento dos escritores do Novo Testamento, continuariam nas sombras.
Neste contexto vale a pena repetir: de forma alguma eu quero minimizar a ressurreição ou negligenciar sua verdade ou implicações para nossas vidas. De fato, pelo menos uma metáfora bíblica para a expiação, a conquista de Cristo em Colossenses 2, ilumina ricamente e talvez tenha sido negligenciada em alguns segmentos do evangelicalismo. Mas eu creio que a própria Escritura nos leve a colocar uma ênfase na cruz, explorando como ela explora a significância da morte de Cristo com grande profundidade e riqueza, e de forma tão extensa. É nosso privilégio e responsabilidade como professores da Palavra de Deus fazer o mesmo.
Há ainda outro ponto que eu creio que esteja sendo esquecido em tais objeções a uma linguagem, escrita e pregação centradas na cruz. É importante notar que Jesus ordenou que o povo de Deus reunido observasse repetidamente um rito que tem como objetivo primário ilustrar e trazer à mente a sua morte por nós. Na Ceia do Senhor, nós tomamos parte do pão, simbolizando o corpo partido de Cristo, e bebemos do cálice, simbolizando seu sangue derramado. E fazendo assim, “anunciamos a morte do Senhor, até que ele venha.” (1 Coríntios 11:26).
É claro, a ressurreição e a exaltação de Cristo também estão em vista na Ceia do Senhor, porque participamos na antecipação de seu retorno, quando festejaremos com Cristo no banquete messiânico (Mateus 26:29; Apocalipse 19:9). Mas o foco primário da Ceia é a morte expiatória de Cristo e os benefícios que vem sobre aqueles que participam dela pela fé. Se Cristo chama sua igreja para celebrar regularmente um sacramento tão “centrado na cruz”, estamos errados em dar atenção consistente à cruz em nossa pregação e ensino e adoração?
Traduzido por Daniel TC | iPródigo | original aqui.