Tenho discutido com outros calvinistas de onde exatamente vem o (merecido) estereótipo do calvinista desprovido de graça. Para acreditar na depravação total não seria necessária uma profunda humildade? Não deveria a crença na eleição incondicional impedir um espírito de superioridade? E ainda assim há uma arrogância doutrinária infectando o cristianismo calvinista. Essa cultura produz então dogmatistas como o homem de lata de Frank L. Baum (em O Mágico de Oz): barulhentos e sem coração.
A rigidez de um coração frio não se limita aos reformados, é claro. Você pode encontrar isso nas igrejas cristãs e nas tradições e culturas de todos os tipos. Na verdade, para ser justo, eu descobri que os mais encantados com a ideia da consciência do evangelho, aqueles que parecem mais propensos a defender a centralidade do evangelho para a vida e ministério, acabam sendo os reformados. É algo a se considerar. Mas a ausência de graça nunca é tão decepcionante, para mim pelo menos, como quando é encontrada entre aqueles que se dizem calvinistas, porque é um grande desperdício do Calvinismo.
Por quê? Porque é uma triste ironia e uma vergonha que muitos dos que defendem as chamadas “doutrinas da graça” sejam as pessoas mas desprovidas que há. A medida em que sua soteriologia é monergística – a maioria dos nerds calvinistas sabem do que estou falando aqui – é a medida em que você deve saber que seu orgulho é uma afronta nauseante a Deus. A hipocrisia é incongruente. Alguns atribuem esse fenômeno ao crescimento do fundamentalismo militante no final do século XIX ou ao surgimento de tribos na Internet no fim do século XX, mas esse fenômeno vem bem antes disso. Este é John Newton, escrevendo no século XVIII:
E receio que existam calvinistas que, enquanto contabilizam como prova de sua humildade a sua disposição verbal de minimizar a criatura e creditar a glória da salvação somente ao Senhor, ainda assim não reconhecem seu estado espiritual… A autojustificação pode se alimentar de doutrinas, assim como de obras; e um homem pode ter o coração de um Fariseu, enquanto sua mente está povoada de ortodoxas noções de falta de valor da criatura e das riquezas da livre graça. [“On Controversy”, em The Works of John Newton (New York:. Williams & Whiting, 1810), 1:245]
O problema vem antes até mesmo de Newton, contudo, antes mesmo do alegado “puritanismo” dos puritanos dos séculos XVI e XVII. Vem desde a queda, em que o desejo de conhecer as coisas como Deus conhece (Gn 3.8) resultou não na glória de Deus, mas no culto de si mesmo. O conhecimento incha (1 Co 8.1).
Aqui está a questão, imagino: o problema não é a teologia reformada, como muitos dos meus amigos arminianos irão acusar, não é o Calvinismo. Não, o problema é a consciência do evangelho (que atravessa sistemas e tradições teológicas), ou a falta dela. Um calvinista sem alegria conhece a mecânica da salvação (provavelmente). Mas ele é como um cara que conhece as engrenagens de um motor de carro e como o carro funciona. Ele pode desmontá-lo e montá-lo novamente. Ele sabe o que cada parte faz e como faz. Um calvinista desprovido de graça é como um cara que sabe como funciona um carro, mas nunca dirigiu pelo campo numa primavera quente com a capota baixa e o vento soprando em seu cabelo.
A consciência do evangelho muda o interesse teológico. Ela reorienta o conhecimento para se tornar o meio de conhecer a Deus, não de conhecer coisas. Ela exulta em Deus, não apenas em pensamentos sobre Deus.
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Traduzido por Josiane Lima | iPródigo | original aqui