De que adianta “não se preocupe” em tempos como estes? (3)

David Powlison
David Powlison

Nas primeiras duas partes dessa série sobre preocupações financeiras, exploramos o ensinamento de Jesus em Lucas 12.22-34, refletimos sobre como a instabilidade das nossas vidas nos dá boas razões para nos preocuparmos e então olhamos para a primeira das razões de Jesus, melhores ainda, para não nos preocuparmos. Nessa terceira parte, veremos mais cinco razões que Jesus nos dá para abandonarmos nossas ansiedades.

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Aqui está a segunda razão. Jesus pede que as pessoas olhem ao redor. Que abram seus olhos. Olhem para o mundo. Nesse caso, olhe para o corvos. Reparem esses pássaros nos sobrevoando. É como se ele dissesse “reparem nos coelhos, nos pombos, nos vira-latas” – animais comuns que você não se importa muito. Jesus diz “considerem os corvos. Vejam, Deus os alimenta. Ele cuida deles mesmo que não coloquem uma única semente no solo. Eles jamais esperam uma colheita. Eles não armazenam nada para o próximo ano – nem mesmo para amanhã. Eles vivem o momento, o dia a dia, mas Deus provê para eles”.

Como Deus os alimenta? Pense nisso por um minuto comigo. Não é algo nem um pouco romântico. Os corvos são animais carniceiros. Jesus não está pintando uma bela figura de Deus alimentando pobres passarinhos. Esses não são pequenos passarinhos filhotes esperando que a mamãe pássaro lhes dê uma minhoca. Corvos são durões. São pássaros sujos. Agressivos. Espertos. Barulhentos. Teimosos. Pestilentos. Carniceiros. Como Deus alimenta os corvos? Atropelamentos nas estradas. Restos de lixo. Restos de colheitas. É por isso que existem os espantalhos. Deus alimenta os corvos pelo fato de que eles roubam sua comida e fuçam seu lixo!

Eu preciso contar a história de como isso se tornou muito vívido para mim, recentemente. Um lindo pessegueiro cresce no meu quintal. Esse ano, foi a única árvore das cinco que temos que deu frutos, por conta do clima estranho da última primavera. No começo no verão, não menos que quarenta lindos e doces pêssegos (eu contei!) estavam amadurecendo no pé. Mal podia esperar!

Um dia eu cheguei em casa, havia apenas vinte pêssegos na árvore. Um bando de corvos estavam fazendo um banquete com meus preciosos pêssegos! Mais cedo naquele ano, um bando de corvos se mudou para a vizinhança. Seis corvos. Eu os chamava de “gangue”. Eles eram barulhentos, intrometidos e agressivos. Faziam todo tipo de arruaça logo cedo. Eles faziam o que os corvos fazem. Estavam sempre fuçando. A gangue encontrou meu pé de pêssego. Você pode imaginar que eu não fiquei muito feliz. Era minha árvore preferida! Nós plantamos essa árvore em família. Eu a podava regularmente e regava fielmente. Eu estava aguardando ansiosamente por aqueles quarenta pêssegos suculentos. E agora só havia vinte. Eu mobilizei nossas defesas. Joguei cubos de gelo nos corvos, bati tampas de lixeira e corri para a loja de ferramentas mais próxima para comprar uma rede para cobrir a árvore. Quando voltei, só havia uns doze pêssegos ainda inteiros. Joguei a rede em cima da árvore. Quando algum corvo tentasse pousar, teria uma surpresa nada agradável. Eu me senti um pouco mais seguro. Alguns minutos depois, eu assistia pela janela, um corvo desceu para pegar mais um pêssego. Ele bateu na rede, se enroscou e se enrolou. Batia as asas e cacarejava. Pensei comigo “ganhei!”.

Mas ao fim do dia, não havia mais nenhum pêssego na minha árvore! Essa gangue era muito esperta. Eles descobriram como descer e atacar a árvore por baixo. Eles pousavam no chão e iam pulando de galho em galho pelo miolo da árvore, onde a rede não protegia. Eles me tapearam. Quem me dera um rifle .22, uma caixa de munições e uma permissão para caça silvestre no subúrbio!

O senso de humor de Deus é muito interessante: é uma boa coincidência que eu tenha que pregar nessa passagem apenas um mês depois desse ocorrido. Jesus me diz “David, falando nisso, veja como Deus alimenta os corvos”. Sim, vejam. Ele provê usando os frutos da minha árvore! Mas aqui está a promessa: vocês são muito mais importantes que os corvos. Sim, os carniceiros são alimentados. Mas muito mais ele se importa com vocês. Você enxerga o que Jesus está dizendo aqui? Deus alimenta um pássaro, um pássaro sujo, um dos animais impuros do Antigo Testamento, um pássaro que vive de roubo e carniça. Pessoas são muito mais importantes para Deus. Essa é uma promessa para você guardar no coração.

Jesus continua. Ele acrescenta uma terceira razão, de um tipo diferente. Uma razão simplesmente lógica. Quem de vocês, se preocupando, poderia acrescentar uma única hora à sua vida? É uma frase difícil de traduzir. Literalmente, Jesus diz “Qual de vocês, ao se preocupar, consegue acrescentar um côvado ao seu alcance?”. O que isso significa? Um côvado é uma unidade de distância: dezoito polegadas, a distância da ponta de seus dedos até o cotovelo. Eu penso que ele diz o seguinte. A Bíblia retrata a vida como uma “caminhada”. Você caminha pela vida, passo a passo. Jesus está dizendo “você não vai chegar nem mais 18 polegadas mais longe por se preocupar. Você se preocupa mas não avança nem mais meio passo”. Pense nisso. Se preocupar… não leva a lugar algum. Te acrescenta… nada. Eu te prometo, se preocupar não te leva 18 polegadas mais longe no caminho da sua vida.

Nossa primeira promessa: há algo maior na sua vida do que as coisas que você se preocupa. Segunda promessa: você é mais importante que os corvos. Deus os alimenta e certamente vai te alimentar. Terceira promessa: não adianta nada se preocupar. Não se engane achando que se preocupar pode te trazer algum benefício.

Aqui está a quarta promessa de Jesus, uma quarta razão muito boa para não se preocupar. “Continue olhando ao redor. Agora, reparem nos lírios do campo, na forma como crescem. Eles não trabalham nem costuram, mas eu digo a vocês que nem Salomão, em toda sua glória, se vestiu como um deles”. Novamente, como eu disse antes, ele não está falando de orquídeas ou rosas. Ele não está falando nem daqueles lírios campestres coloridos que  florescem no verão. Jesus está falando daquelas florezinhas que crescem perto das pedras, cores em meio a campos pedregosos e grama dura. Deus faz belas as flores que crescem ao longo das estradas, que não recebem nenhum tipo de cuidado; flores que ninguém plantou e ninguém colherá – exceto Deus. Pense naquelas florezinhas azuis que crescem em meio ao asfalto nas rodovias. Pense em flores selvagens: rústicas, grosseiras e belas.

Jesus começa com a mesma lógica dos corvos. Ele diz “olhe ao redor, olhe bem”. Mas Jesus eleva o nível agora. Se Deus faz meras flores do campo tão gloriosas que ofuscam a beleza de Salomão, o homem mais rico do Antigo Testamento, quão mais você não vai ofuscar os lírios, homens de pouca fé! Você consegue ver? Você entende? Essa promessa vai muito além de “Deus vai cuidar de você”. Isso é “Deus vai te revestir de nada menos que Sua radiante glória!” Eu te prometo. “Por que se preocupam com o que vestir? Eu lhes vestirei com a minha própria glória! Por que se preocupam com a saúde? Eu lhes levantarei dos mortos para a vida eterna. Por que se preocupam com alguns dólares? Eu lhes darei toda a terra por herança. Por que se preocupam quando alguém não gosta de vocês? Eu lhes farei viver no reino do meu amor!”

Essa é a quarta promessa. Quando você entende, é uma razão espetacular para não se preocupar. Isso vai muito além de ter boas roupas para vestir. Deus está te dando uma vida radiante, indestrutível e cheia de glória. Você chega a ficar tonto. Se Deus adorna de glória de tal maneira meras flores silvestres, quão mais ele não irá te fazer radiante como Ele mesmo!

Vamos para a quinta razão. “Não busquem o que comer e beber. Não se preocupem com essas coisas” – a palavra aqui para preocupação não significa se sentir ansioso; significa estar obcecado e obstinado, estar preocupado – “Todas essas coisas que as nações buscam”. Podemos enxergar isso da seguinte forma: olhe para o que todo mundo está buscando. Você quer ser uma “maria vai com as outras”? Você vai na multidão? Vai dançar conforme o ritmo só porque todo mundo também o faz?

Veja esse exemplo: o jornal de Domingo, “The Philadelphia Inquirer”. Um jornal bem grande. Qual porcentagem dele fala sobre dinheiro? 90%? Provavelmente. Não falo só da seção de negócios e finanças. Veja a seção de automobilismo, de imóveis, os classificados, os empregos e todas as propagandas. Mesmo nas páginas de esportes: as contratações, os salários. E a maior parte da página principal e dos artigos – greves, crimes, leis, impostos – são sobre dinheiro. O jornal fala daquilo que diz respeito a todos. 90% sobre dinheiro.

Assim, o mundo inteiro corre atrás de dinheiro. É isso que se exige da vida, de acordo com o Inquirer. É isso que faz o jornal vender. É nisso que as pessoas estão interessadas. Mas e aquele livro, a Bíblia? Ela também fala muito sobre dinheiro – talvez 5% fale diretamente de dinheiro e posses. Mas a Bíblia fala 100% sobre o que realmente importa, como “qual é a sua atitude para com o dinheiro? Já que as pessoas vivem ou para Deus ou para o dinheiro, como vai ser?”.  Esse livro fala do que realmente é duradouro. O que não é passageiro. O que é certo. É 100% sobre o Deus vivo, Aquele que nos criou à Sua imagem, que nos fez para vivermos nossas vidas para algo maior e melhor que as coisas que normalmente nos preocupamos e definimos nossas vidas.

Claro, você tem as suas necessidades financeiras. Não vivemos nos alimentando de luz solar. Jesus diz “eu te prometo, seu Pai sabe que você precisa dessas coisas”. Você precisa, sim, de um trabalho. Não é errado se preparar para a aposentadoria, pagar a hipoteca e as outras contas, ter um carro. Seu Pai sabe que você precisa disso tudo. Mas o que você vai perseguir? Sua vida é só sobre dinheiro? A vida de todo mundo é: “as nações do mundo, as pessoas de todos os lugares, buscam ansiosamente essas coisas”. Jesus diz “seu Pai vai te dar o que você precisa”. Se você entender direito as GRANDES coisas, você terá o que precisa nas coisas pequenas, as quais todo mundo parece tomar nas proporções erradas. Eu prometo a você, o que todos no mundo estão obcecados para conseguir, Deus coloca em um segundo lugar bem distante. Ele te dará o que você precisa para viver se você PRECISAR dEle para viver.

Jesus está incansável. Ele dá razão atrás de razão. Aqui está a sua sexta promessa. Essa é a razão mais significativa de todas.  Parte do que Jesus tem dito até agora talvez você entenda apenas por ler o jornal, observar os corvos, as flores ou pensar um pouco sobre como é inútil se preocupar. Senso comum: o mundo é de Deus, então a vida funciona da forma como ele deseja. Mas você jamais veria como Deus relaciona os corvos e as flores caso ele mesmo não lhe dissesse.  E essa sexta razão é a principal, e é toda sobre Deus. É o clímax do argumento de Jesus. É a melhor de todas essas “boas razões para não se preocupar”. Deus lhe promete… Ele mesmo. Na essência, o que Jesus diz é “o seu Pai sabe que você precisa dessas coisas. Se você está preocupado com Seu reino, então todas as coisas serão acrescentadas. Faça sua vida de acordo com o que o seu Pai deseja”.

Essa promessa leva em conta a nossa tendência à ansiedade. Nós já vimos o que acontece quando vivemos por dinheiro, saúde, sermos bonitos, termos um(a) namorado(a) ou sucesso no trabalho. Mas que garantia você tem de que o reino de Jesus não será mais uma aposta infundada, mais um desapontamento? Então Jesus realmente firma seu pé. Ele é bem carinhoso: “Seu Pai sabe o que você precisa… Não tema, meu rebanho, porque o seu Pai lhes escolheu de bom grado para viverem…”. Você pode se firmar nisso. Jesus fala da forma mais pessoal, íntima e generosa possível. Ele quer que você realmente entenda isso. Nisso você pode apostar sua vida e nunca se desapontar. Ele te dará algo que você nunca precisará se preocupar. Como dissemos antes, o pastor de um “pequeno rebanho” conhece cada uma das ovelhas por nome. Ele conhece suas preocupações. Ele conhece sua situação. Ele conhece sua personalidade. E é por prazer que ele lhe dá o reino. Ele te convida “deixe sua ansiedade sobre qualquer coisa, e busque outra coisa”. Ele está mais do que disposto a te dar tudo o mais. Nós poderíamos falar centenas de coisas sobre o que “reino” significa. Vou mencionar algumas.

Recentemente, eu estava conversando com uma grande amiga. Algumas coisas muito difíceis haviam acontecido com ela. Ela estava descrevendo uma série de experiências dolorosas e como ela havia ficado muito desencorajada, preocupada, murmurante. Ele não conseguia botar a vida nos trilhos. A vida não estava funcionando. Ela se sentia jogada de um lado para o outro pelas tensões e confusões. Ela estava buscando Deus, mas não parecia encontrá-lo. Então, como um relâmpago, o pensamento lhe veio à mente “Seu pai… é Deus. Seu pai é Deus”. Ela me descreveu como suas preocupações mudaram. Elas não foram embora: a criança com necessidades especiais, o marido com problemas financeiros, incertezas sobre sua saúde, incertezas e conflitos em outras partes de sua família e mágoas do passado. Mas a promessa tinha muito mais peso: “Seu pai… é Deus”. Essa promessa simples e suprema veio e rearranjou a mobília da sua mente, de como ela via a vida e como ela vivia. Drenou a vida de preocupações. Pense nisso. Você pode dizer “Meu pai é Deus. Ele está mais que disposto a me dar Seu reino. É Seu prazer. Ele decidiu me amar livremente”. Um elemento do que o reino significa é você saber que “meu pai é Deus”.

Eu estava no clube, no último verão. Enquanto esperava minha esposa, reparei em uma garotinha de talvez dois anos de idade. Ela entrou na piscina das crianças pela parte rasa e ia corajosamente em direção à parte mais funda. Sem medo, cheia de determinação. Lá foi ela. Afundou os pés. Os joelhos. Então a cintura. Em pouco tempo, a água estava em seus ombros. Ela era corajosa e continuou indo para o fundo. E se ela escorregasse? Ele não tinha muita estabilidade nos pés. Mas logo atrás dela, veio sua mãe, caminhando com as mãos estendidas, duas mãos alertas a alguns centímetros de distância dos ombros da garotinha. Em certo momento, a garota desequilibrou um pouco. Acho que ela nem percebeu, mas sua mãe se esticou e a endireitou. “Seu pai é Deus”. Alguém está lá, assim como aquela mãe e sua filhinha.

O que mais reflete receber o reino? É poder dizer o Salmo 121: “O meu socorro vem do Senhor, que fez os céus e a terra”. Tente entender isso! Pense assim também: “Meu resgatador é o Messias esperado, Jesus”. Ou, “Meu salvador, que levou sobre si a ira, em sacrifício substitutivo, é o Cordeiro de Deus, o único Bom Homem, o único Salvador do mundo”.

Ou “o Senhor é o meu pastor”. Como aquela mãe caminhando atrás de sua filha. “O Senhor é o meu pastor. Nada me faltará. Por que terei medo? Por que estou tão preocupado?”. Se a vida é como o espectro eletromagnético, do infravermelho ao ultravioleta, com todas as variações desse intervalo, por que ficamos obcecados e temerosos, como se a vida fosse apenas a faixa verde, a faixa do dinheiro, ao invés de todo o espectro? O dinheiro faz parte da vida, claro, mas acorde! O Sol está brilhando sobre todo o espectro. Há coisas muito mais importantes, presentes muito melhores que dinheiro. Seu pai é Deus. Te dar o reino lhe apraz, pequeno rebanho, filhos amados.