Somos constantemente alertados que a Internet, e em grande parte o Google (entre outras ferramentas de busca), está mudando a forma como pensamos e como nos lembramos. Gurus da tecnologia nos dizem que nós não lembramos mais da informação, nós lembramos onde achá-la. Então, por exemplo, ao invés de nos lembrarmos quem foram os reis e rainhas da Inglaterra, nós lembramos qual site (ou qual tipo de site, ou como achar tal tipo de site) pode nos dar essa informação. Como resultado, não há dúvidas que a parte do nosso cérebro que lida com tais coisas está atrofiando em uma velocidade considerável, se definhando a não-funcionalidade e esperando para ser substituída por smatphones mais capazes, com mais memória e mais rápidos para fazerem buscas do que os que temos em mãos. Junto com esse desperdício de cérebro também vem a falta de concentração, reduzindo o tempo em que conseguimos nos concentrar em algo a ponto de assustar um peixinho de aquário. De fato, é no fim de um parágrafo como esse que eu me pergunto quantas pessoas já desistiram porque – apesar da brilhante prosa – eu ainda não cheguei ao ponto do texto.
Então, vamos logo: eu imagino que alguns leitores que chegaram até aqui estão – como eu – balançando as suas cabeças e confessando que, sim, nossas capacidades estão mudando, pra não dizer definhando. Nós não nos lembramos mais de números de telefone – eles ficam na agenda de contatos. Não nos lembramos de nomes de crianças – olhamos na internet antes de fazer uma visita. Não nos lembramos os caminhos – nós ligamos o sistema de GPS. Lutamos mais do que nunca para seguir uma linha de raciocínio em algumas páginas de texto, o tema desenvolvido em um livro, em guardar informações que o nosso cérebro preguiçoso nos diz ser muito mais rápido fazer uma busca no texto do que guardar na memória para lembrar-se depois.
E há uma área crucial em que isso afeta particularmente o crente. Tem a ver com a Palavra de Deus, e é eminentemente prática.
No Salmo 119 o salmista clama “Guardei no coração a tua palavra para não pecar contra ti” (Salmo 119.11). Esse verso é parte de uma estrofe em que ele expressa um desejo profundo do coração pela santidade, uma determinação para buscar e servir o Senhor e caminhar em obediência humilde e alegre aos mandamentos dEle.
Meu ponto é: uma das consequências do cérebro treinado pela internet parece ser uma falta de capacidade de guardar muito – principalmente da Palavra de Deus – em nossos corações. O resultado é uma fraqueza debilitante em nossa batalha pela piedade.
Se você quiser, faça um teste. O que você faz, onde você procura, quando você quer achar “aquele versículo”, você sabe, aquele que está na ponta da língua? Você folheia sua app no celular, bota algum trecho na ferramenta de busca? Será que em algum momento ele esteve de fato guardado em seu coração? Você está procurando apenas se lembrar, ou já ficou tão acostumado com a rápida acessibilidade e facilidade de busca que já não se dá ao trabalho de guarda no coração, inconscientemente sucumbindo à sugestão de que, já que está na ponta dos dedos, não é necessário se preocupar? Você se esqueceu como se lembrar?
Quanto tempo Cristo ficou no deserto? Quarenta dias e quarenta noites (tempo o suficiente para acabar a bateria de qualquer dispositivo, como você bem sabe). Como ele estava? Desesperadamente faminto e com sede. Quem veio encontrar com ele? O Adversário. O que foi jogado contra ele? Uma série de poderosas e específicas tentações contra sua identidade e sua missão. E o que o Senhor fez, sem a ajuda de qualquer dispositivo eletrônico ou ferramenta de busca? Ele vasculhou as profundezas de Deuteronômio para trazer à luz três armas perfeitamente talhadas para atacar o inimigo, três poderosas declarações de “Assim diz o Senhor” que destruíram o ataque de Satanás e o fizeram recuar como derrotado. A palavra estava guardada no coração do Salvador e ele não pecou contra Deus.
Olhe com mais atenção e você entenderá o que isso significa. Satanás torce as Escrituras para fazer seu argumento perverso. O Senhor Cristo não só sabe o suficiente para enxergar além dessas citações corruptas como também tem em seus santos lábios o fruto de um coração no qual a Palavra de Deus está firmemente guardada, a verdade escondida para que seja revelada conforme a situação requisitar, para mantê-lo longe do pecado e no caminho da justiça.
E você? Você tem uma arma principal de ataque com a qual você luta contra o pecado: “a espada do Espírito, que é a palavra de Deus” (Efésios 6.17). Você pode se dar ao luxo de manter essa poderosa lâmina guardada debaixo das teias de algum programa de computador quando você precisa dela para a luta? Você sabe, por meio de experiências ruins, que você não tem tempo para sacar a espada das profundezas do seu dispositivo eletrônico quando Satanás vem em sua direção rugindo como um leão? Você precisa dela sempre à mão, guardada em seu coração para uso imediato quando o inimigo tenta te pegar desprevenido. Para usar uma metáfora mais moderna, você não pode se dar ao luxo de andar por esse campo de batalha tendo toda a sua munição guardada no fundo da mochila; você precisa ter sua arma carregada e pronta o tempo todo.
Se quisermos ser santos, precisamos guardar a palavra em nossos corações, e isso significa um compromisso deliberado de memorizá-la e meditá-la. Significa uma recusa em deixar nossos cérebros serem treinados pelo mundo, uma resistência à preguiça que a internet pode cultivar em nossas mentes tão facilmente suscetíveis; significa um compromisso com a santidade disposto a re-treinar e desenvolver as faculdades do nosso coração que são contrárias à moda e à tendência da era em que vivemos, e se certificar que temos à disposição em nosso arsenal aquele conjunto de armas necessárias para a luta constante contra a impiedade, as tentações que vêm de dentro e as que vêm de fora. Precisamos amar a verdade, conhecer a verdade em seu sentido e conteúdo, suas frases e palavras específicas, enxergá-la como tesouro e como arma, e aprender a usá-la no combate contra o pecado.
Não estou dizendo que a internet só pode ser uma ferramenta do diabo. Estou dizendo que ele sabe como usar as ferramentas à disposição, como nos levar, pelo engano, a tirarmos nossa armadura, e como nos treinar para largarmos nossas armas. Não podemos nos dar ao luxo de sermos ignorantes quanto às suas ferramentas.
Então, se nos importamos com a santidade, não vamos permitir que nossas memórias se atrofiem e não permitiremos que nossa concentração diminua. Vamos focar nossos olhos no texto e encher nossos corações com seu estoque de coisas boas, prontos para serem usados quando a ocasião demandar. Tentações surgirão. Como já acontece várias vezes, pode ser na forma de “Deus disse mesmo…?” ou “Deus não disse que…?”. Nós, como nosso Salvador antes já fez, precisamos estar prontos para trazer à luz o fruto daquelas obras de amor e sacarmos do nosso arsenal do coração aquele “Assim diz o Senhor…” para que possamos não pecar.