A interpretação dos livros proféticos não é uma questão simples, e para que possamos entender esses livros, devemos nos aproximar deles com cuidado e cautela. Não podemos estudá-los como se fossem pouco mais que conjuntos de previsões enigmáticas. Como vamos descobrir, eles são muito mais que isso, mas antes de procedermos a um exame de cada um dos livros proféticos, devemos responder a algumas questões preliminares.
1) O que é um profeta?
No Antigo Testamento, a palavra mais frequentemente usada para se referir a um profeta era nabi’. O significado geral da palavra é “porta-voz”. No Antigo Testamento, um profeta “era um porta-voz de Deus com o distinto chamado para ser o embaixador de Deus”. De fato, era o chamado de Deus que dava ao verdadeiro profeta sua legitimidade. Outros títulos usados para descrever os profetas são ro’eh, que significa “vidente”; hozeh, também significa “vidente”, e ish-ha’elohim, que significa “homem de Deus”. Pieter Verhoef explica: “Todos esses títulos definem o profeta como um homem que havia sido chamado para comunicar a palavra de Deus revelada, como um homem que tinha uma relação íntima com Deus, como seu servo e mensageiro, e como alguém cuja tarefa era vigiar o povo de Deus”.
Segundo as Escrituras, o ofício profético originou-se com Moisés nos eventos no Monte Sinai (Dt 18:15-16; cf. Os 12:13.). O ofício de profeta, então, está diretamente associado com a aliança do Sinai. Depois do êxodo do Egito, Moisés conduziu o povo de Israel para a montanha. Após a chegada do povo, Moisés subiu ao monte, e foi-lhe revelado que Deus iria descer em uma nuvem espessa, de forma que as pessoas pudessem ouvir e crer que Ele falaria com Moisés (Êxodo 19:9). Na manhã do terceiro dia, Deus desceu sobre a montanha em fumaça e fogo (v. 16-20). Lá, Ele deu os Dez Mandamentos (Êx 20:1-17). Com medo, as pessoas, então disseram a Moisés: “Fale você a nós, e nós ouviremos, mas não fale Deus conosco, para que não morramos” (v. 19). O povo pediu a Moisés que fosse um mediador da palavra de Deus. Todos os profetas que se seguiram a Moisés compartilharam deste papel.
2. Qual o contexto dos profetas?
Uma segunda importante questão que deve ser levantada é o amplo contexto histórico dos livros proféticos. Os ministérios de todos os profetas que escreveram, podem ser datados do oitavo até o quinto século antes de Cristo. Os livros de 2 Reis, Esdras e Neemias, portanto, proporcionam o contexto histórico-redentivo desses profetas. Recorde-se que esses livros históricos narram os acontecimentos que levaram ao exílio, o exílio em si, e os estágios iniciais de restauração pós-exílicos. Como Robertson explica, “…os escritos dos profetas de Israel, consequentemente, devem ser vistos como centrados principalmente em torno de dois eventos de importância imensurável: o exílio de Israel e sua restauração”. O contexto histórico-redentivo dos profetas que escreveram, então, se trata “da morte e ressurreição de Israel”(cf. Ez. 37:1-14).
3. Qual a linguagem dos profetas?
Além de compreendermos o contexto histórico dos livros proféticos, também é necessário que entendamos a natureza da linguagem que eles usaram. Apesar de outros gêneros serem encontrados nos livros proféticos, incluindo narrativa biográfica e autobiográfica, a forma mais comum de discurso profético encontrado nesses livros é o oráculo. O termo “oráculo”, como John Sawyer observa, “é aplicado a todos os tipos de expressões proféticas desde longos ‘oráculos relativos a nações estrangeiras’ (por exemplo, Is 13:1;. 14:28; 15:1; 17:1; 19:01, 21:1, 23:1) e livros inteiros (por exemplo, Naum, Habacuque , Malaquias) até as mais curtas profecias dirigidas a situações específicas (por exemplo, Ez. 12:10)”. Os oráculos proféticos podem ser distinguidos de acordo com seu conteúdo como sendo oráculos de julgamento ou oráculos de salvação.
Os oráculos proféticos tendem a empregar uma linguagem poética, ao invés de prosa. Isto é importante porque a poesia hebraica é uma forma altamente estilizada de literatura. Ela é caracterizada principalmente por sua ampla utilização de linguagem figurativa e imagens impressionantes. A poesia hebraica usa numerosas metáforas e outras figuras de linguagem. Quando compreendemos que os profetas bíblicos fazem uso extensivo da linguagem poética, torna-se evidente que as partes dos livros proféticos que são poéticas por natureza não devem ser interpretadas da mesma forma que a prosa é interpretada.
4) Qual a mensagem profética?
Um último tópico que devemos examinar antes de prosseguir para cada um dos livros dos profetas diz respeito à natureza da mensagem profética. Sustentando a mensagem de todos os profetas está o entendimento da lei e da aliança. As bênçãos e maldições da aliança mosaica encontradas em textos como o Levítico 26 e Deuteronômio 28 são a base para as mensagens de julgamento e de restauração proferidas pelos profetas. Como Douglas Stuart explica, “Quase todo o conteúdo dos oráculos profetas clássicos (que escreveram) giram em torno do anúncio do cumprimento em curto prazo das maldições da aliança, e do cumprimento, em longo prazo, das bênçãos restauradoras da aliança”. O. Palmer Robertson observa como a conexão entre as alianças abraâmica e mosaica explicam alguns dos paradoxos aparentes na mensagem profética.
A ligação dessas duas alianças explica como os profetas de Israel podiam antecipar tanto desastre quanto bênção para Israel. Os desastres deveriam vir por causa da violação da lei da aliança. Mas a bênção podia ser prometida como o ponto final por causa do soberano compromisso por parte de Deus de abençoar o seu povo apesar de não merecerem nada.
A aliança davídica também fornece uma base para a mensagem dos profetas. A promessa de Deus nesta aliança de preservar um descendente de Davi no trono e defender Jerusalém “fornece o mais forte fundamento para que se tivesse esperança em um futuro rei messiânico para além da sentença de exílio…”.
Oráculos de julgamento
A mensagem básica dos profetas incluía tanto os oráculos de julgamento quanto os oráculos de salvação. Nos oráculos de julgamento, os profetas condenavam Israel por violarem a lei da aliança e declaravam a imposição das maldições pela quebra da aliança. Muitos dos oráculos de julgamento assumem a forma de uma profética ação judicial, no fim da qual Deus pronuncia a sua sentença sobre Israel (cf. Jr 2:5-9; Os 2:4-25, 4:1-3; Mq 6:1-8). O exilio foi principal julgamento porque era, na verdade, uma sentença de morte para Israel. Uma parte significativa da mensagem profética de julgamento refere-se à proclamação da chegada do “Dia de Yahweh” ou “Dia do Senhor”. Nos profetas, o Dia de Yahweh é uma ideia complexa que engloba tanto julgamento quanto salvação. Este conceito é melhor examinado no contexto de seu uso em cada um dos livros proféticos da Bíblia no qual se encontrar.
Há alguma controvérsia a respeito do propósito dos oráculos de julgamento. Estavam eles destinados a produzir arrependimento e evitar o julgamento, ou eram para ser entendidos como previsões de julgamento inevitável? Usando a terminologia da teoria do ato de fala, Walter Houston pergunta se esses oráculos são “chamadas ao arrependimento (o que se enquadraria na categoria de atos diretivos), ou anúncios de condenação eminente (que seriam, presumivelmente, assertivos)”? O. Palmer Robertson, corretamente conclui que estes oráculos tinham a intenção de conduzir ao arrependimento e de evitar a condenação profetizada (cf. Jer. 26:2-3). Como ele explica, a palavra profética “não envolve principalmente previsão em relação a eventos futuros”.
Oráculos de Salvação
Além de oráculos de julgamento, a mensagem básica dos profetas inclui também oráculos de salvação. Estes oráculos proclamam a vinda de uma nova era após o julgamento. Tal como os oráculos de julgamento, os oráculos de salvação são também enraizados nas alianças (cf. Lv 26:40-45;. Dt 4:30-31;. 30:1-10). John Bright observa o significado dessas mensagens de restauração.
Praticamente todos os profetas pré-exílicos, embora não de maneiras idênticas, olharam, para além do julgamento que eles eram obrigados a anunciar, para um futuro mais distante, quando Deus viria mais uma vez ao seu povo em misericórdia, restauraria suas fortunas, e estabeleceria seu governo sobre eles em justiça e paz. Essa promessa de salvação futura é uma das características mais distintivas da mensagem dos profetas, e é ela, talvez mais do que qualquer outra coisa, que serve para ligar o Antigo Testamento indissoluvelmente ao Novo em um cânone único da Escritura.
Os profetas pré-exílicos aguardavam com expectativa a restauração de Israel após o exílio. Como vamos descobrir, no entanto, os profetas pós-exílicos viam o retorno do exílio apenas como o começo da restauração escatológica.
O Reino de Deus
Um dos elementos mais significativos encontrados na mensagem profética de salvação é o estabelecimento do reino de Deus através de um descendente de Davi, o Messias. As raízes da ideia messiânica são encontradas em vários textos do Pentateuco (Gn 17:6, 16; 35:11; 49:10; Nm 24:17; Dt 17:14-20). A base principal deste conceito, entretanto, se encontra na aliança que Deus fez com Davi (2 Sam 7). De acordo com os profetas, a vinda do Messias irá estabelecer o reino de Deus, transformando a criação e trazendo bênção para todas as nações, cumprindo assim o objetivo da aliança de Deus com Abraão (cf. Gn 12:3;. Sl 72:17).
Criação
A transformação da criação associada com a vinda do Reino de Deus une os propósitos criacionais de Deus aos Seus propósitos redentores. De acordo com os profetas, “não há redenção, a menos que ela afete toda a criação”. Os profetas reconhecem que há algo radicalmente errado na presente criação, mas ao contrário dos seguidores de muitas religiões pagãs, eles não afirmam que o mundo físico é inerentemente mau. A presente corrupção da criação de Deus deve-se ao pecado. Os profetas, portanto, afirmam que toda a criação será transformada e o que está errado será corrigido na vitória escatológica sobre o mal.
Traduzido por Arielle Pedrosa para o site AME Cristo, que gentilmente nos cederam para postar aqui | Original