Você pode estar certo, ou você pode estar casado: escolha. Eu não lembro quem me disse isso, mas eu lembro que a pessoa estava brincando apenas em parte. A outra parte, a parte séria, é excepcionalmente importante. Aqui está o porquê.
Muitos terapeutas não gostam muito de aconselhamento matrimonial. É complicado, bagunçado e normalmente se perde o controle rapidamente. No pior dos casos, o conselheiro tem visão privilegiada para uma briga agendada semanalmente. Mas eu adoro esse tipo de terapia. Por que? Talvez eu goste desse trabalho porque mantenho um simples princípio em mente: para um casamento funcionar, ele precisa ser uma disputa para ver qual cônjuge vai perder mais, precisa ser uma corrida para quem chega ao fundo primeiro.
Quando se trata de ganhar e perder, eu entendo que há três tipos de casamento. No primeiro tipo, os cônjuges estão brigando para vencer, e esse costuma ser um duelo até a morte. Maridos e esposas se armam com um arsenal que varia de punhos a palavras e silêncio. Esses são casamentos destrutivos. Cônjuges se destroem e, no processo, destroem seus filhos também. Esse tipo de casamento é responsável pela maior parte dos 50% dos casamentos que fracassam. O segundo tipo de casamento também é marcado por vitórias e derrotas, mas os papéis são definidos, e o perdedor é sempre o mesmo cônjuge. Esses são os casamentos realmente abusivos, aqueles em que um cônjuge domina, o outro se submete e, no processo, ambos são vão perdendo sua dignidade. Esses são os casamentos dos viciados e dos facilitadores, dos tiranos e dos escravos, e talvez seja o tipo mais infeliz de todos.
Mas há um terceiro tipo de casamento. Esse terceiro tipo não é perfeito, nem de longe. Mas uma decisão é tomada, duas pessoas decidem se amar até o limite, e se sacrificarem pela coisa mais importante: o outro. Nesses casamentos, perder se torna o estilo de vida, uma competição para ver quem ouve, cuida, serve, perdoa e aceita mais o outro. O casamento se torna uma competição para ver quem muda mais, de forma que busque cuidar do outro cada vez melhor, para ver quem abre mais mão de si mesmo para elevar a dignidade e as forças do outro. Esses casamentos formam pessoas pequenas, humildes, misericordiosas e pacíficas.
E eles são revolucionários, no sentido mais literal da palavra.
Vivemos em uma cultura em que o inimigo é a derrota (menos no Rio de Janeiro, onde os botafoguenses fizeram disso seu estilo de vida). Nós acordamos ouvindo notícias sobre brigas familiares com resultados ruins. Muito ruins. Vamos para o trabalho, onde todo mundo está lutando entre si para agradar o chefe e receber a próxima promoção, ou ficamos em casa, onde a batalha pelas peças de Lego é tão acirrada quanto. Ao fim do dia, vemos os comentaristas da TV, tentando vencer a batalha das ideias, apesar de às vezes se conformarem em apenas ganhar a batalha dos decibéis. Nós lutamos para ter as melhores coisas, as melhores marcas, e quando olhamos um para o outro no fim do dia, nós brigamos, simplesmente porque fomos treinados para isso. E, normalmente, fomos muito bem treinados. Nos piores casos, nós crescemos lutando por nossa sobrevivência, física ou emocional. Mas mesmo nas melhores situações, nos vemos tentando ganhar a batalha pela atenção e aprovação dos nossos pais, a aceitação dos nossos semelhantes e a marca de aprovação do mundo de uma mensagem só: vença. Assim, cultivar um casamento em que perder é a regra comum aos dois se torna um ato radicalmente contra cultural. Sentar para mais uma sessão de aconselhamento matrimonial, para mim, é fomentar essa rebelião.
Como são, então, esses casamentos rebeldes? Ultimamente, quando meu sangue ferve, quando sei que fui mal compreendido e negligenciado, e estou pronto para fazer qualquer coisa para convencer e mostrar o que eu mereço, tento me lembrar de um telefonema que recebi recentemente, da professora de segunda série do meu filho. Ela me ligou um dia, após a aula, para me contar que houve um incidente na aula de educação física. Após uma acirrada disputa atlética, na qual o prêmio era o privilégio de ir embora mais cedo, o time do meu filho perdeu. Os perdedores estavam lá sentados, reclamando e murmurando sobre versões infantis de injustiça, quando os vencedores passaram. Foi aí que o meu filho começou a aplaudir. Ele aplaudiu os meninos vencedores, conforme iam passando por ele, com um olhar de bobo e um sorriso de uma orelha até a outra. Sua professora, surpresa, rapidamente levou os outros do seu time a acompanharem. Assim, um bando de perdedores da segunda série realizaram uma rebelião, dando uma salva de palmas para seus semelhantes vitoriosos, abraçando o que significa ser um perdedor ao fazê-lo. Quando estou amargurado, tento pensar no coração do meu garoto, um coração que perde, mas não deixa de sentir afeição por quem ganha.
No casamento, perder é deixar de tentar consertar tudo no seu parceiro, ouvir sobre suas dores com um coração que sofre junto, não que busca uma solução. É ser mais presente nos momentos difíceis do que nos bons momentos. É descobrir formas de ser humilde e aberto, mesmo quando todo seu ser te diz que você está certo e ela está errada. É fazer o que é certo e bom pelo seu cônjuge, mesmo quando as grandes coisas da vida precisam ser sacrificadas, como o trabalho, um relacionamento ou um ego. É perdoar, pronta, rápida e voluntariamente. É eliminar da sua vida tudo que te impede de cuidar, ajudar e servir, mesmo as coisas que você ama. É buscar a paz ao aceitar os costumes saudáveis, mas irritantes, do seu parceiro porque, se você se lembrar, foram essas coisas que te fizeram se apaixonar no começo. É saber que o seu cônjuge nunca vai te entender completamente, nunca vai te amar incondicionalmente – porque eles também são criaturas caídas como você – e, mesmo assim, amá-los até o fim.
Talvez o casamento, quando vivido por dois perdedores em um lar que cultiva a rendição mútua, seja um bom treinamento para caminhar nesse mundo – um mundo que quer te mastigar e cuspir os ossos – sem o medo constante de acabar se dando mal. Talvez precisemos ser moldados de tal forma que vencer perca o glamour, para podermos nos sacrificar em favor dos outros. Talvez o que realmente precisemos é nos tornarmos um bando de perdedores em um mundo destruído pela competição. Se fizermos isso, talvez possamos dormir um pouco mais fácil à noite, possamos olhar nos olhos dos nossos amados, perdoar, relevar e aplaudir os vencedores.