A Aliança de Davi

Keith A. Mathison

A história da ascensão de Davi ao trono de Israel encontra-se em 1 Samuel 16 – 2 Samuel 4. Em 1 Samuel 16, Davi mostra-se o escolhido de Deus e é ungido rei por Samuel (1 Sm 16.1, 12-13). A unção de Davi antecipa a edificação da dinastia Davídica, um evento crucial na história da redenção.i A unção de Davi é também crucial para o entendimento do conceito de Messias no Antigo testamento (Heb. mashiah). Como Dillard e Longman explicam, “O termo hebraico mashiah significa ‘ungido,’ e a ideia de um Messias para Israel cresce a partir de sua ideologia sobre um rei justo, aquele que seria como Davi.” ii

Durante os livros de Samuel, o “Senhor ungiu” é um tema importante ( 1 Sm 16.3, 6, 12-13; 24.6; 26.9, 11, 16, 23; 2 Sm 1.14, 16; 3.29; 19.21). O rei é o ungido de Deus, isto é, seu “messias.” O governo de Davi como o ungido de Deus, seu “messias,” é depois usado pelos profetas para retratar o futuro rei escatológico ( Is 7.14-16; 9.1-7; 11.1-16). iii Os capítulos remanescentes de 1 Samuel relatam a ascensão de Davi em popularidade e as repetidas tentativas de Saul de matá-lo (1 Sm 17-31). O primeiro livro de Samuel termina com a infame morte de Saul (1 Sm 31.3-4).

Depois de Davi saber da morte de Saul, e ficar de luto por ele (2 Sm 1.4,17-27), os homens de Judá ungem-no rei (2 Sm 2.4). Mas Abner, capitão do exército de Saul, unge o filho de Saul, Isbosete, para ser rei sobre Israel (2 Sm 2.8-11). Então se segue uma longa guerra entre a casa de Davi e a casa de Saul (2 Sm 3.1), mas Abner no final se junta a Davi, Isbosete é morto, e Davi é ungido rei de todo Israel (2 Sm 5.3-4).iv Davi, em seguida, derrota os jebuseus e toma a cidade de Jerusalém, chamando-a de a cidade de Davi ( 2 Sm 6-9). A arca da Aliança, o símbolo do trono do Rei divino, é levado a Jerusalém ( 2 Sm 6.1-15), e desse ponto em diante a cidade se torna o centro político e religioso do reino Davídico. v

Um evento importante na história redentiva está em 2 Samuel 7. De acordo com Walter Brueggemann, esse capítulo “ocupa o centro teológico e dramático de todo o registro de Samuel.” vi O capítulo registra os eventos que cercam o estabelecimento da aliança Davídica. Dumbrell proveitosamente explica porque os eventos desse capítulo seguem aqueles do capítulo 6.

             O que está sendo dito, portanto, pela sequência desses capítulos, é que a realeza de  Yahweh (Senhor) deve ser primeiro estipulada antes da questão de Israel poder ser retomada. Somente quando um reconhecimento do governo de Yahweh (Senhor) tenha sido feito a possibilidade de uma linha real israelita estabelecida firmemente pode ser discutida. vii

Davi capturou Jerusalém e trouxe a arca para a cidade, e Deus deu a ele descanso de todos os seus inimigos (2 Sm 7.1). A partir desse ponto, Davi chama ao profeta Natã e expressa o seu desejo de construir uma “casa” (Heb. bayit) a Deus, um templo permanente ao invés de uma tenda.viii A resposta de Deus a Davi encontra-se em 2 Sm 7.4-16.

Deus lembra Davi que desde o tempo que trouxe Israel fora do Egito Ele tem andado com o povo no tabernáculo (2 Sm 7.4-7). Deus lembra Davi que esteve com ele aonde fosse, e que eliminou os inimigos de Davi (2 Sm 7.8-9a). Então, promete a Davi que fará de Davi um grande nome (2 Sm 7.9b). Deus declara que vai dar a Israel descanso dos seus inimigos e que vai fazer uma casa a Davi (2 Sm 7.10-11). Deus promete que vai estabelecer o reino da descendência de Davi (2 Sm 7.12). Promete que a descendência de Davi vai construir uma casa a Deus, e que vai estabelecer o reino de Davi para sempre (2 Sm 7.13).

Deus promete, “Eu lhe serei por pai, e ele me será por filho” (2 Sm 7.14a). Deus informa que vai disciplinar a descendência de Davi se ela cometer iniquidade, mas Deus também promete que o seu constante amor não vai se apartar de Davi como se apartou de Saul (2 Sm 7.14b-15). Por último, Deus promete a Davi, “Porém a tua casa e o teu reino serão firmados para sempre diante de ti; o teu trono será estabelecido para sempre” (2 Sm 7.16). A oração de Davi de gratidão se encontra em 2 Samuel 7.18-29. Nessa oração, ele se refere às promessas de Deus como “instrução para todos os homens” (2 Sm 7.19). ix

Embora o termo Hebreu de “aliança” (berit) não se ache nesse capítulo, as Escrituras em outros lugares se referem a essa promessa como uma aliança (2 Sm 23.5; Sl 89.3). A aliança Davídica foi antecipada na aliança de Deus com Abraão (Gn 17.6). Seria através do reinado de Davi que a promessa de Deus de abençoar às nações seria cumprida (2 Sm 7.19; Sl 72.8-11,17). A aliança de Davi também foi antecipada na aliança Mosaica (Dt 17.14-20). O reinado de Davi seria a expressão do governo teocrático de Deus em Israel. Era para refletir o governo justo do Rei divino. Também era para conduzir Israel no cumprimento fiel da lei Mosaica. A aliança de Abraão prometeu uma área e um povo para o reino de Deus. A aliança Mosaica forneceu a lei para o reino. A aliança de Davi agora fornece um rei humano para o reino. O propósito criacional de Deus para estabelecer o seu reino com sua imagem semelhança exercendo domínio agora alcança um novo estágio em sua realização progressiva.xi

Uma das principais ênfases da aliança de Davi é a ideia de perpetuidade. Davi queria construir para Deus um lugar de residência permanente para Deus, mas Deus ao invés promete que ele iria estabelecer para Davi uma dinastia permanente.xii O termo Hebreu ‘ad-’olam, ou “para sempre”, é achado oito vezes nesse capítulo enfatizando o significado desse aspecto da aliança. Como Anderson explica, “A principal característica dessa realeza vai ser sua estabilidade permanente: vai durar para sempre (2 Sm 7.13b, 16).”xiv

Em Gênesis 49.10, Jacó profetizou que o cetro pertenceria à tribo de Judá até a vinda daquele ao qual um status (posição) real verdadeiramente pertencia.  Essa profecia encontra o seu cumprimento inicial no estabelecimento da realeza de Davi.xv Mas a aliança de Davi não só olha para o cumprimento de profecias passadas, ela também olha pra frente, lançando a base para a esperança escatológica de Israel. A aliança de Davi se torna a base para as profecias messiânicas dos profetas posteriores. xvi Como O. Palmer Robertson explica, o trono de Davi “era uma representação tipológica do próprio trono de Deus.”xvii A relação é tão próxima que o trono de Davi é referido na Escritura como o “trono de Yahweh” (1 Cr 29.23). Com a chegada da monarquia de Davi, então, o reino de Deus já tinha chegado até certo ponto, mas continuou uma sombra da incrível realidade futura. xviii

A aliança de Davi se tornou, como Bergen observa, “o núcleo em torno do qual mensagens de esperança proclamadas pelos profetas Hebreus de gerações posteriores foram construídas…” xix Essa aliança é mencionada ou aludida em muitos dos Salmos (Sl 21, 72, 89, 110, 132). Também é aludido nos escritos proféticos. À medida que a monarquia eventualmente começa a cair em maldade, os profetas começam a entender as promessas da aliança de Davi escatologicamente. Como Joyce Baldwin nota, os profetas ensinaram que “o tabernáculo de Davi seria reparado (Am 9.11); uma criança vinda de Davi estabeleceria seu trono com justiça e com juízo (Is 9.6-7); uma raiz do tronco de Jessé ainda criaria um reino ideal (Is 11.1-9; Jr 23.5; Zc 3.8).” xx As promessas que ainda não foram cumpridas seriam cumpridas no futuro (Is 7.13-25; 16.5; 55.3; Jr 30.8; 33.14-26; Ez 34.20-24; 37.24-25; Os 3.5; Zc 6.12-13; 12.7-8). Por fim, essas esperanças messiânicas seriam cumpridas em Jesus, o verdadeiro filho de Davi (Mt 1.1; At 13.22-23). xxi

 Notas

i Willem A. VanGemeren, The Progress of Redemption (Grand Rapids: Zondervan, 1988), 202

ii Raymond B. Dillard and Tremper Longman III, An Introduction to the Old Testament (Grand Rapids: Zondervan, 1994), 146.

iii William J. Dumbrell, The Search for Order: Biblical Eschatology is Focus (Grand Rapids: Baker, 1994), 64.

iv Vale a pena notar que o estabeleciamento do reino de Davi ocorreu em estágios progressivos. Ele foi ungido como o legítimo rei por Samuel em 1 Samuel 16. Mais tarde, em 2 Samuel 2.4, ele é ungido rei sobre Judá. Somente após uma longa guerra entre sua casa e a casa de Saul ( 2 Sam. 3:1) ele é ungido rei acima de Israel (2 Sam. 5:3-4).

v VanGemeren, The Progress of Redemption 207.

vi Walter Brueggemann, First and Second Samuel, Interpretation (Louisville: Westminster, 1990), 253; cf.A. A. Anderson, 2 Samuel, WBC 11 (Waco: Word Books, 1989), 112.

vii William J. Dumbrell, Covenant and Creation: A Theology of Old Testament Covenants (Nashville: Thomas Nelson, 1984), 142.

viii A palavra “casa” é usada 15 vezes nesse capítulo, mas é usada com 4 denotações diferentes. É usada pra referir a um palácio de rei (v. 1, 2); um templo (v. 5, 6, 7, 13); dinastia real (v. 11, 16, 19, 25, 26, 27, 29 ), e uma família (v. 18).  See Hamilton 2004, 317.

ixDumbrell, Covenant and Creation, 152.

x Christopher J. H. Wright, “Covenant: God’s Mission Through God’s People,” in The God of Covenant: Biblical, Theological, and Contemporary Perspectives, ed. Jamie A. Grant and Alistair I. Wilson (Leicester: Apollos, 2005), 74.

xiDumbrell, Covenant and Creation, 127.

xii O. Palmer Robertson, The Christ of the Covenants (Phillipsburg: P&R, 1980), 232.

xiiiWalter C. Kaiser, Jr., The Messiah in the Old Testament (Grand Rapids: Zondervan, 1995), 81.

xivAnderson, 2 Samuel, 122.

xv Robert D. Bergen, 1, 2 Samuel, NAC (Nashville: Broadman, 1996), 336.

xvi Bergen, 1, 2 Samuel, 336; cf. Brueggemann, First and Second Samuel, 1990, 257; and Robertson, Christ of the Covenants, 233–4.

xvii Robertson, Christ of the Covenants, 249.

xviii Robertson, Christ of the Covenants, 241.

xix Bergen, 1, 2 Samuel, 337.

xx Joyce G. Baldwin, 1 and 2 Samuel: An Introduction and Commentary, TOTC 8 (Downers Grove, IL: InterVarsity, 1988), 213.

xxi Bergen, 1, 2 Samuel, 337–8. Jesus é o Filho de Davi que vai construir uma “casa” para Deus, um novo templo feito sem mãos. Ele é o Filho de Davi cujo reino está estabelecido para sempre.