A humilde Maria

Apresentar as virtudes da mãe de Jesus não é tarefa nova. O desafio aqui está em dizer algo que não seja redundante, mas que também não seja inovação extrabíblica; algo que honre esta bendita mulher, sem cair no erro de elevá-la a um patamar superior ao dos outros homens e mulheres de Deus. Falar sobre Maria é fácil porque ela claramente se mostra uma pessoa fiel e submissa a Deus. Mas falar sobre Maria é difícil porque muito já foi dito. E provavelmente direi mais do mesmo.

O que podemos aprender com ela?

Na anunciação

A anunciação
A anunciação

Não sabemos ao certo quantos anos tinha Maria quando o anjo anunciou o nascimento de Jesus. Supõe-se que era adolescente ainda, por não ser casada. A maneira como ela reage às palavras de Gabriel nos mostra uma mulher pronta a atender seu chamado. Seu questionamento a respeito da possibilidade de engravidar não reflete dúvida quanto ao poder de Deus e ao anúncio do anjo, mas em relação à própria natureza do acontecimento e dela mesma. Entendo isso porque, diferente de Zacarias, ela não recebe qualquer reprimenda de Gabriel por uma possível incredulidade, e não tenta procurar confirmação além das próprias palavras de Deus. Zacarias diz: “Como posso ter certeza disso?”, Maria pergunta: “Como acontecerá isso, se sou virgem?”. Há diferença nas perguntas e na reação do mensageiro do Senhor.

Em um mundo que valoriza demais a falta de convicção e o cultivo das dúvidas, a fé de Maria é um exemplo para todos nós. Sabemos que nem sempre estaremos convictos de tudo e que o questionamento é natural, mas, devemos mirar nas palavras do Senhor – imutáveis e eficazes – e tirar o foco de nós mesmos – fracos e incapazes – para alcançar plena confiança em Deus. Maria sabia do que aconteceria, não sabia como aconteceria, mas ao invés de entrar num ciclo pecaminoso de incerteza, buscou a resposta. E a resposta, ainda traz enigma e dificuldades (Lc 1.35), mas é a resposta de Deus. Para a jovem Maria, isso basta:

“Sou serva do Senhor; que aconteça comigo conforme a tua palavra” (Lc 1.38).

A certeza de que Deus faria sua obra para o bem de seu povo leva Maria a uma das declarações mais belas da Escritura. Desconsiderando toda consequência negativa que poderia vir de uma gravidez inesperada e fora do casamento (veja o que acontece em Mateus 1, por exemplo), a jovem declara-se pronta para a missão que lhe foi confiada. Quantos de nós, mesmo com anos de fé, somos capazes de entregar nossa reputação em nome do Senhor? Como perder a respeitabilidade na Academia, como largar um cargo no trabalho, como deixar de ser “laico” e “tolerante” quando uma tomada de posição radical nos é exigida?

Burk Pearson em seu twitter, postou que “é bem possível que o embaraço é a mais temida forma de ‘sofrimento’ para os cristãos hoje”. Temos a coragem de agir como Maria? Dificilmente diríamos as mesmas palavras dessa serva do Senhor.

No Magnificat

O cântico de Maria, registrado em Lucas 1.44-56, é outra poderosa declaração da mãe do Senhor. Aqui, vemos algo interessante e que se repetirá por todo Evangelho – uma mulher em uma posição pouco usual para sua época. Novamente Maria surpreende, ao expressar-se em termos teológicos bastante elaborados para uma moça judia de uma desprezada cidade da Galileia. A virgem teve um treinamento formal, ou isso era fruto de seus estudos e sua piedade? Teriam os pais dela ensinado esses conceitos? Não sabemos. Mas vemos aqui uma moça cheia do conhecimento de Deus.

Glorificando somente a Deus
Glorificando somente a Deus

Apenas esse hino já nos daria uma grande exposição do pensamento de Maria. Porém, por questão de espaço, vamos nos deter em duas ideias chamativas:

“Minha alma engrandece ao Senhor e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador,  pois atentou para a humildade da sua serva. De agora em diante, todas as gerações me chamarão bem-aventurada, pois o Poderoso fez grandes coisas em meu favor; santo é o seu nome. A sua misericórdia estende-se aos que o temem, de geração em geração. Ele realizou poderosos feitos com seu braço; dispersou os que são soberbos no mais íntimo do coração. Derrubou governantes dos seus tronos, mas exaltou os humildes. Encheu de coisas boas os famintos, mas despediu de mãos vazias os ricos. Ajudou a seu servo Israel, lembrando-se da sua misericórdia para com Abraão e seus descendentes para sempre, como dissera aos nossos antepassados”.

Em primeiro lugar (versos 46 e 47) , a Virgem declara algo refletido claramente no primeiro ponto do Catecismo de Westminster¹, e nas declarações do Hedonismo Cristão de John Piper: há uma relação entre a alma que engradece ao Senhor e o espírito se alegrando no Senhor. Como não creio na diferenciação entre alma e espírito³, isso se torna ainda mais belo. Enxergamos nas duas primeiras frases certo paralelismo, comum na poesia dos judeus.  Maria está dizendo: eu engrandeço ao Senhor e me alegro nele. Não existe separação – Deus é mais glorificado em nós quanto mais satisfeito estamos nele. Deus é magnificado quando nossa alegria está nele. Por isso Maria não precisava da aprovação da multidão, porque ela já tinha o que satisfaz plenamente: um coração pronto a glorificar e se alegrar em Yahweh. Nada mais importava.

Segundo, este é um cântico em que os humilhados, pequenos e pobres são exaltados. E Maria se reconhece com um desses. Ela sabe que seu nome é pequeno, sabe que não há qualquer motivo de glória nela mesma. Pelo contrário, aqui Maria expressa sua dependência da graça de Deus:  ele é “meu Salvador”, pois ela se vê como objeto desta salvação anunciada em Jesus; ela é “bem-aventurada”, porque o Todo-Poderoso a abençoou e lhe fez grandes coisas, e não porque ela carregava algo em si que a tornasse assim. Por outro lado, os soberbos foram dispersos, os governantes derrubados e os ricos saqueados. Mais importante de tudo: Deus cumpre as promessas a Abraão, de dar-lhe um povo vitorioso sobre seus inimigos. E não apenas de inimigos e opressores terrenos, mas a vitória contra o mundo, o pecado em nós e Satanás. Maria expressa em seu cântico o que Cristo resumiu:

“Bem-aventurados os pobres em espírito, pois deles é o Reino dos céus.” (Mateus 5.3)

Os pobres, humildes, doentes e oprimidos terão seu Salvador. O orgulhoso, rico e supostamente são perecerá. O justo viverá pela fé.

Guardando em seu coração

Com Simeão e Ana no templo
Com Simeão e Ana no templo

Lucas nos apresenta Maria de maneira curiosa. Muitas vezes, a reação da jovem é apenas observar o que os outros dizem de seu Filho, admirar-se e/ou refletir sobre isto em seu coração. É assim que acontece na visita dos pastores (Lc 2.8-20) e na visita ao Templo (Lc 2.21-40). Nos dois casos, personagens se assombram e glorificam a Deus pela presença do pequeno Jesus, enquanto a jovem galileia apenas analisa a situação em silêncio. Isso também se repete quando Jesus tem doze anos e é deixado em Jerusalém (Lc 2.51)

Não sabemos o que se passava na cabeça de Maria. Talvez lhe faltassem palavras. Talvez ela estivesse apenas começando a perceber que aquele Salvador era muito mais que um libertador político. Talvez a fé e o amor por Cristo que Simeão, Ana e os pastores demonstrassem a ela que aquele filho não era apenas seu, mas estava sendo entregue ao mundo.  Não sabemos ao certo.

Sabemos, porém, que Maria estava entre os discípulos nos últimos dias de Cristo na Terra. Ela esteve ao pé da Cruz, e uniu-se à igreja primitiva. Os eventos do primeiro Natal não foram mera sucessão de acontecimentos curiosos em sua vida, mas o início da nova era que raiaria com o Advento do Cristo. O coração de Maria entendeu que o motivo de toda aquela preparação, de tudo o que ela passou e viveu, era a salvação do mundo.  As palavras de Simeão, ouvidas anos atrás, foram “este menino está destinado a causar a queda e o soerguimento de muitos em Israel”. A mãe de Jesus uniu-se àqueles que não seriam derrubados pela pedra angular. “O pensamento de muitos corações será revelado”, dissera Simeão. O coração de Maria revela amor pelo Salvador.

O que fazemos com nosso Natal? Apelos para que voltemos ao sentido de Natal parecem clichês, mas eles são necessários. Não devemos celebrar os presentes, as cantatas e corais, a reunião da família, a bela decoração de nossa casa e da igreja, ou o período em que coisas boas acontecem. Devemos celebrar o nascimento de Cristo, a encarnação de Deus Filho, a humilhação do Salvador, e o início de uma vida que culminaria na cruz. Ele é o motivo de tudo, dos presentes à reunião familiar, da cantata natalina às luzes que brilham na cidade.

A nossa reação ao nome de Cristo revela o que está em nossos corações. E no Natal sua presença parece ainda mais forte. Como reagimos a sua história? O que estamos guardando em nossos corações? Maria nos convida abandonarmos nossas vontades e dizer: “aconteça comigo conforme a tua palavra”.

Que busquemos um coração vazio de nós e cheio dEle. Um feliz Natal a todos!

Josaías Jr.

Notas
¹ Pergunta: Qual é o fim supremo e principal do homem? Resposta: O fim supremo e principal do homem e glorificar a Deus e gozá-lo para sempre.
² Hedonismo cristão (traduzido normalmente como “prazer cristão” aqui no Brasil) é a proposta básica do livro Em Busca de Deus (ou Teologia da Alegria, título anterior). Significa que devemos buscar nosso prazer em Deus, e não em qualquer outra coisa, e por meio desse prazer Nele o Senhor é glorificado. Seu resumo é: “Deus é mais glorificado em nós quanto mais estamos satisfeitos nele”. Enfim, recomendamos fortemente a leitura desse livro.
³ Veja bons textos sobre o assunto na seção de Antropologia Bíblica do Monergismo