A tarefa esquecida da visita pastoral

Nota do editor: essa é a parte dois de uma série sobre visita pastoral. O primeiro pode ser encontrado aqui.

Minha primeira visita pastoral foi a primeira que fiz quando era um jovem pastor. Naquele tempo, eu já estava na igreja há onze anos. Meu caso não era único na época e nem o é hoje. Estou certo de que muitos de vocês irão se identificar com a minha experiência. De fato, muitos leitores não reconhecerão que estavam sendo privados de algo que era uma parte essencial da experiência da igreja. Em nossos dias, o trabalho pastoral é absurdamente negligenciado. Muitos pretensos pastores enchem suas vidas de assuntos administrativos ou acadêmicos de forma que eles possuem pouco tempo para as pessoas do rebanho. Outros têm igrejas tão grandes que  não conseguem sequer começar a pastorar os membros de suas congregações.  Cada vez mais, esses homens abordam a supervisão congregacional como se fossem o Chefe do Poder Executivo. Mas, mesmo em nossas pequenas igrejas reformadas, o ministro frequentemente negligencia o importante trabalho de pastorear.  Muitos membros de igreja somente recebem visita quando estão doentes (e olhe lá). Não podemos saber a condição de nosso rebanho ou ministrar efetivamente a ele sem fazer cuidadosamente o trabalho de visitação às famílias. Além disso, esse trabalho é necessário para a cimentação da verdade e de seus resultados na vida das pessoas.

Historicamente, a visitação pastoral era parte do trabalho esperado de um pastor reformado. Nossos pais na fé levaram essa parte do trabalho ministerial muito a sério. Calvino, os Puritanos, os Ministros Escoceses e os Presbiterianos e Batistas Americanos era comprometidos com o trabalho da visitação pastoral. A respeito dos puritanos, Packer escreveu:

Sabendo as maneiras pelas quais o Espírito traz pecadores à fé e à nova vida em Cristo, e pelas quais guia os santos, por um lado, a crescerem à imagem de seu Salvador e, por outro, a aprenderem a serem totalmente dependentes da graça, os Puritanos se tornaram esplêndidos pastores. A profundidade e unção de suas exposições “práticas e experimentais” no púlpito não eram mais marcantes que a habilidade do estudo da aplicação do remédio espiritual para as almas doentes. Por meio da Escritura, eles mapearam o frequente confuso terreno da vida de fé e comunhão com Deus com grande profundidade (veja ‘O Peregrino’ como um dicionário ilustrado), e a agudeza e sabedoria deles em diagnosticar algum mal estar espiritual e em utilizar o remédio bíblico apropriado era excepcional.1 

Eles expuseram sua teologia sobre cuidado pastoral no Diretório de Culto de Westminster:

É dever do ministro não apenas corrigir as pessoas confiadas a seu cuidado em público, mas, também, em particular; especialmente admoestar, exortar, repreender e confortá-las em todas as ocasiões, enquanto seu tempo, sua força e sua segurança pessoal o permitirem.

Ele deve admoestá-las em tempo de saúde, para prepará-las para morte. E. para esse propósito, elas frequentemente vão conferir com seus ministros como está o estado de suas almas. E, no tempo de doença, para ouvirem seus conselhos e pedir ajuda, oportuna e periodicamente, antes que suas forças e compreensão falhem com eles.2

 Um partidário mais moderno da necessidade da visitação pastoral, John R. Stott, escreveu: “Há quatro maneiras em que os seres humanos aprendem: ouvindo, discutindo, assistindo e descobrindo. Alguém pode chamá-las também de audição, conversação, observação e participação. O primeiro é mais direto, da boca para o ouvido, do orador para o ouvinte, e, claro, inclui a pregação [a qual, no contexto, Stott afirmou ser a primazia dos meios de graça]. Mas nem sempre é, de forma alguma, o mais efetivo. ‘A maioria das pessoas acha difícil entender conceitos de forma puramente verbal…'” 3. Em um livro mais recente, ele afirmou que a visitação pastoral é uma maneira de o ministro preencher a lacuna entre sua congregação e a segurança das verdades que ela ouviu no púlpito: ” E temos de deixar as pessoas falarem conosco. Não há uma maneira mais rápida de preencher o abismo entre o pregador e as pessoas do que encontrá-las em suas casas e em nossas casas. O pregador eficiente é sempre um pastor diligente. Somente se ele achar tempo toda semana para tanto visitar as pessoas como entrevistá-las, ele será capaz de estar em contato com elas enquanto prega”.4

O principal texto que exige o cuidado pastoral é Atos 20.28. Paulo, no contexto do seu exemplo de ensinar privativamente de casa em casa, encarregou os presbíteros: “Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue” (Atos 20.28).

 A igreja tem interpretado tradicionalmente que esse mandamento inclui a visita familiar. Richard Baxter nos deu a clássica aplicação desse texto em seu trabalho de visitação familiar, O Pastor Reformado. Baxter (1615-1691) foi um pastor por excelência, cujo ministério Deus abençoou grandemente. Ele pastoreou a paróquia de Kidderminster, em 1641-42 e depois, de novo, após a Guerra Civil Inglesa, em 1647-61. Kindderminster era uma cidade com cerca de 800 lares e 2000 pessoas. Por quase todas as partes, as pessoas eram espiritualmente desamparadas. Packer descreve o efeito de seu ministério no meio deles:

“Eles eram um povo ignorante, rude e beberrão quando Baxter chegou, mas isso mudou drasticamente. ‘Quando iniciei meus trabalhos, observei todos aqueles que eram humildes, reformados ou convertidos. Mas com o desenvolver do trabalho, aprouve a Deus converter tanta gente, que eu não conseguia ter tempo para tais observações… famílias e um número considerável de uma só vez… chegavam e cresciam e eu sequer sabia como’. ‘A congregação estava sempre cheia [a igreja comportava 1000], então tivemos de construir cinco galerias… Nos dias do Senhor… você conseguia ouvir centenas de famílias cantando salmos e repetindo os sermões enquanto  passava pelas ruas… quando cheguei lá pela primeira vez, havia apenas uma família por rua que adorava a Deus e o chamava pelo nome, quando fui embora, havia algumas ruas onde não havia sequer uma família que não fazia isso’. ‘Mais tarde, Baxter escreveu: ‘entretanto, estou a cerca de seis anos longe deles e eles têm sido atacados com calúnias vindas do púlpito e difamações, ameaças e  prisões, com palavras aliciadoras e raciocínios sedutores, mas eles rapidamente se opuseram e mantiveram sua integridade. Muitos foram para Deus, outros foram removidos, outros estão na prisão, e, a maioria, ainda está em casa. Mas nenhum sobre os quais eu ouço caíram ou abandonaram a retidão (Baxter está descrevendo o que aconteceu durante a Grande Expulsão)’. Quando, em dezembro de 1743, George Whitefield visitou Kidderminster, ele escreveu a um amigo: ‘eu fui grandemente revigorado em encontrar o doce aroma da doutrina, trabalho e disciplina do senhor Braxter, os quais permanecem até hoje’.5 

 Em meio a outros deveres, duas vezes por semana, Baxter fazia a visitação familiar. Ele também ensinava e encorajava seu povo a vir a ele com seus problemas. E Baxter começou a inspirar outros ministros com a sua visão.

Os membros da Worcentershire Ministerial Association convidaram Baxter a falar a eles sobre catequese paroquial e visitação. Por problema de saúde, ele não pôde falar no dia combinado, então ele expandiu a mensagem e a publicou no livro The Reformed Pastor. Ele usa a palavra “reformado” não para se referir à doutrina, mas ao arrependimento ministerial e renovação. Ele escreveu, “Se Deus ao menos reformasse o ministério e os colocasse em suas obrigações zelosamente e fielmente, as pessoas certamente seriam reformadas”.6 O tratado é baseado em Atos 28.26. Sua doutrina era: “os pastores ou bispos da igreja de Cristo devem ter grande cuidado consigo mesmos, com todos dos seus rebanhos, em todas as áreas do trabalho pastoral”.

 Na Dedicatória do seu livro, ele expõe os motivos do dever do cuidado pastoral:

  • Que as pessoas devem ser ensinadas sobre os princípios da religião. As questões da grande necessidade de salvação são dúvidas passadas em nosso meio.
  • Que elas devem ser ensinadas da forma mais edificante e vantajosa possível. Espero que concordemos com isso. 
  • Que a conferência pessoal, e o exame, e a instrução possuem muitas vantagens excelentes para o bem deles, isso não é mais motivo de discussão.
  • Que a instrução pessoal nos é recomendada pela Escritura, e pela prática dos servos de Cristo, e aprovada pelos piedosos de todos os tempos, é, até onde eu sei, sem contradição.
  • Não há mais dúvida que devemos exercer esse grandioso dever a todas as pessoas ou a tantas quanto pudermos fazê-lo, para que nosso amor e cuidado por suas almas possam ser estendidos a todos. Se há quinhentas ou mil pessoas ignorantes em sua paróquia ou congregação, então você está fazendo um pobre exercício do seu dever  ao conversar de vez em quando com algumas poucas pessoas, deixando as demais sozinhas em sua ignorância, enquanto você podia ajudá-las.
  • Não é com menos certeza que um trabalho tão grandioso como esse deva tomar uma parte considerável do seu tempo. Por último, é igualmente certo que todos os deveres devem ser feitos com ordem, o quanto for possível, e, por isso, devem ter hora marcada.7  

 Se você não leu o livro, eu o encorajo a fazê-lo. Como mencionei, Baxter separava dois dias por semana, terças e quartas, para realizar esse trabalho. Cópias do Breve Catecismo de Westminster foram distribuídas para todas as famílias da paróquia (cerca de 800). A reunião do conselho acontecia uma semana antes de famílias a serem visitadas serem contatadas já  com o tempo e o lugar das visita. Dessa forma, Baxter visitava por volta de 15 famílias por semana.

Com a abordagem de Baxter, nós aprendemos uma particular quantidade de lições sobre cuidado pastoral. Primeiro, temos de organizar nossa igreja para esse trabalho. Essa organização consiste tanto em instrução como em divisão da congregação. A congregação precisa ser instruída do benefício desse trabalho. Baxter aponta que nós temos de treinar “as pessoas a se submeterem a esse curso particular de catequese e instrução; se elas não vierem a você ou permitirem você ir a elas, o que de bom elas recebem?”.8 Esse treinamento começa com o ministro agindo de uma maneira com que as pessoas de sua congregação saibam que ele as ama e que faça com que elas o amem. Quando essa afeição mútua for estabelecida, pregue sobre a necessidade e os benefícios da visitação pastoral.

O ministro precisa alistar e treinar os presbíteros nesse trabalho. A falha do método de Baxter foi não envolver presbíteros. Ele não se utilizava deles, mas eles também eram pastores do rebanho que deveriam responder a Deus sobre sua administração. Um presbítero bíblico é muito mais do que um tomador de decisões; ele é um pastor. Nós precisamos motivá-los e treiná-los para esse trabalho.  Esse treino  deve consistir em explicar os deveres e princípios bíblicos de como se deve conduzir uma visita. Ministros devem levar os presbíteros consigo com o fim de eles aprenderem a lidar com uma visita pastoral.

Nós também aprendemos com Baxter sobre a necessidade de um plano congregacional. Ele sistematicamente trabalhou em sua paróquia anualmente. Nós também devemos dividir nossa congregação em grupos para o cuidado dos presbíteros. Deus estabeleceu em Exôdo 18.13-26 o princípio atribuído a esse cuidado. O pastor é responsável pela totalidade de sua congregação e deve tentar estar em todas as casas pelo menos uma vez ao ano. Os presbíteros devem, no futuro, dividir a congregação entre si para que cada um possa exercer um cuidado mais íntimo de cada parte da congregação. Nos encontros, os presbíteros devem fazer relatórios de suas visitas, construindo assim uma prestação de contas. O conselho deve publicar também um calendário regular para que as pessoas saibam quando serão visitadas. Publique-o no boletim da igreja. Isso cria mais responsabilidade.

Para aqueles cuja congregação seja muito grande para que o pastor vá a todas as residências anualmente, pegue uma dica do Baxter e faça as famílias irem ao seu escritório. Dessa forma, você não perde tempo com a viagem e pode fazer um uso mais eficiente do seu tempo. Ou, se você tiver ajuda, divida a congregação pela metade, e alterne cada uma a cada ano.

Com respeito a visita em si, tenha em mente que ela é pastoral. O pastor deve visitar as casas da pessoas socialmente, mas a visita pastoral é para inquirir sobre o bem estar espiritual da família. Comece a visita com uma oração e leitura da Escritura. Se houver criança na casa, vá a cada uma delas primeiro e pergunte se elas estão confiando em Cristo e procurando obedecê-lo. Elas leem a Bíblia e oram? Elas estão lutando contra seus pecados particulares? Como elas estão indo na escola? Os pais estão catequizando suas crianças? Quais livros os pais leram recentemente? Eles estão tirando proveito dos sermões? Como eles estão se utilizando dia do Senhor? Quais são suas principais lutas e tentações? Como eles se relacionam com a família (marido e esposa; pais e filhos)? Eles possuem alguma preocupação ou dúvida sobre a igreja? Conclua a visita com uma breve exortação bíblica e com uma oração.

Lembre-se de tomar notas a cada visita. Elas irão ajudá-lo a orar mais especificamente por cada um e refrescarão sua memória na próxima vez que você os visitar.

Uma palavra aos ministros. Nós ouvimos muito, e ainda bem que sim, sobre igrejas comprometidas com os meios de graça. Pois eu digo que se em seu ministério não há espaço para uma sistemática visitação pastoral, então você está negligenciando um importante meio de graça.  Eu desafio você a repensar sua filosofia ministerial. Se você não tem feito regulares visitas pastorais, eu encorajo você a se arrepender e a buscar pela graça de Deus para começar imediatamente. Deus alertou em Ezequiel 34.1-10 que ele irá cobrar os pastores que falham em pastorear o rebanho. (cf. Jer. 23.1-2, 1 Pedro 5.1-4). Além disso, treine seus presbíteros a se juntarem a você nesse importante trabalho. Alguns contestam dizendo que a visita aos lares não é aceitável em nossa cultura. A questão que devemos responder é “isso é uma exigência bíblica”? Se sim, então treine a si, a seus presbíteros e a sua congregação.

Se você é membro de uma congregação e não recebe visitas pastorais, eu encorajo você a requisitar uma. Que Deus restaure hoje esse ministério perdido em nossas igrejas.

Dr. Joseph A. Pipa, Jr. é Presidente e Professor de Teologia Histórica e Sistemática em Greenville Presbyterian Theological Seminary, em Greenville, Carolina do Sul. Ele já pastoreou igreja no Mississippi, no Texas, na Califórnia e é autor de numerosos livros; o último é Galatians: God’s Proclamation of Liberty (Christian Focus, 2011) 

NOTAS:

1. J.I. Packer. A Quest for Godliness (Wheaton:  Crossway Books, 1990), 29, 30.

2. Ibid, “The Directory for the Publick Worship of God,” 388. 

3. John R.W. Stott. Between Two Worlds (Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans Publ. Co, 1982), 76.

4. John R.W. Stott. The Preacher’s Portrait (Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans Publ. Co., 1961), 88.

5. Ibid, 11, 12.         

6.. Richard Baxter. The Reformed Pastor (Edinburgh: The Banner of Truth Trust, 1989), 14.

7. Ibid, 42.

8. Ibid, 231.