“Coma livremente de qualquer árvore do jardim, mas não coma da árvore do conhecimento do bem e do mal, porque no dia em que dela comer, certamente você morrerá”. (Gênesis 2.16,17)
Em seu livro Biblical Theology, Geerhardus Vos se aventura em uma área onde um teólogo iniciante como eu nunca teria lidado de uma maneira tão detalhada. O primeiro ponto de interesse que Vos toca está na distinção entre Adão ser “tentado” e Adão estar em “provação”. Como Vos diz, a razão pela qual não é correto dizer que “Deus tentou” Adão (além de ser uma impossibilidade, cf. Tiago 1.13) é porque a situação no Éden antes da queda era uma “provação”. A diferença entre “tentação” e “provação” é que “por trás da provação há um bem, por trás da tentação um mal”. Enquanto a confirmação na graça para Adão era o bom propósito de Deus na provação de Adão, diz-se que o Diabo tentou Adão e Eva porque ele tinha um mau propósito em sua proposta a nossa Cabeça Federal, Adão.
Para mim, essa foi uma discussão proveitosa, uma vez que frequentemente me perguntava se a situação com a árvore e a proibição de Deus a nossos pais não era, em si mesmo, uma tentação. Ou, pra ser mais exato, frequentemente me perguntava porque isso não era uma tentação.
Segundo o julgamento de Vos, Satanás escolhe tentar Eva baseado na única consideração que a distinguia de Adão: “que a mulher não recebeu pessoalmente a proibição de Deus, como Adão recebeu”. Essa é uma percepção inteligente, pois, como Vos aponta em certo momento, a própria Eva pode ter encarado um dilema a respeito do que Deus realmente tinha dito.
Vos divide a tentação em dois estágios:
- O primeiro estágio foi uma indução de dúvida em Eva.
- O segundo estágio acontece quando a dúvida abre espaço para um ataque frontal da serpente à honestidade de Deus.
No primeiro estágio, a serpente propositadamente distorce a ordem de Deus. “Foi isto mesmo que Deus disse: ‘Não comam de nenhum fruto das árvores do jardim’?”. Eva percebeu este erro e corrigiu a serpente.
Vos nota que Eva cita erroneamente a proibição divina. “Não comam do fruto da árvore que está no meio do jardim, nem toquem nele; do contrário vocês morrerão”. Sobre isto, ele diz: “Ali já transparece que a mulher tinha começado a pensar na possibilidade de Deus a restringir de maneira muito severa”. Assim, vemos o trabalho da serpente já em ação. Nesse ponto, o vendedor coloca seu pé segurando a porta.
Aqui, então, vem a segunda parte da tentação, em que Eva agora está aberta a escutar uma negação total da confiabilidade de Deus. A serpente diz: “Certamente não morrerão!”. Vos repara que, se a serpente tivesse iniciado com um pensamento blasfemo, Eva teria repudiado o tentador e o mandado embora. Todo o labor no primeiro estágio fora feito pela serpente para preparar Eva para seu monstruoso ataque.
A serpente aprofunda a mentira lançando uma meia-verdade: “Deus sabe que, no dia em que dele comerem, seus olhos se abrirão, e vocês, como Deus , serão conhecedores do bem e do mal”. Ou, como Vos reconstrói o ataque da serpente: “Deus é alguém cujas motivações tornam Sua palavra duvidosa. Ele faz isso por egoísmo”.
Depois desses dois estágios da tentação da serpente, o trabalho está pronto. A continuação dos eventos acontece no coração de Eva.
Em parte, o motivo principal do ato foi idêntico ao motivo principal que deu força à tentação. Observa-se de maneira dramática que a mulher, ao ceder a esse pensamento, virtualmente coloca o tentador no lugar de Deus. Era Deus quem tinha propósitos abençoadores para o homem, a serpente tinha planos malignos. A mulher age na suposição de que a intenção de Deus é hostil, enquanto a intenção de Satanás é motivada pelo desejo de promover o bem-estar dela. (Ênfase minha)
O que me chama mais atenção sobre tudo isso é a natureza profundamente pessoal do pecado de Eva. Ao tomar o fruto, Eva estava chamando deus de mentiroso egoísta, que a enganara. Não somente Eva desobedeceu a Deus, mas ela o desonrou ao chamar a serpente de boa, e o Santíssimo de mal. Comer o fruto foi um ato profundamente blasfemo; não simplesmente um “erro” ou um “engano”. Essa blasfêmia está presente também em cada um de nós. É uma pena que muitos na igreja tendem a pensar sobre a queda e o pecado original (se é que ainda acreditam nisso) em termos de doença, como se o pecado fosse simplesmente um parasita que Deus tenta desesperadamente matar.
O pecado repousa na inclinação do coração; é blasfêmia, o pecado é ódio a Deus, pecado é chamar Deus de mentiroso todas as vezes em que se manifesta. É um ataque pessoal profundo à honra, à veracidade e à santidade de Deus. A resposta justa de Deus a isso deve ser ira e indignação, ou então Deus não valorizaria Seu nome. E se Ele não valoriza Seu próprio nome, então Ele é um idólatra. E se Deus é um idólatra, então Satanás estava certo.
Traduzido por Josaías Jr. | iPródigo | Original aqui