Amanhã, minha filha conhecerá pessoalmente seu personagem fictício preferido, o Elmo da Vila Sésamo. Ela diz o nome dele o tempo todo: quando acorda, quando vai para a escola e o deixa no carro, quando chega em casa e quer ver um vídeo, antes de dormir… Elmo, Elmo, Elmo. Você precisava ter visto o dia em que o cachorro de uma amiga colocou um Elmo de pelúcia na boca e saiu correndo. O grito dramático ELMOOOOO! certamente assustaria os pombos se estivéssemos numa praça pública.
Seus pais se lembram da primeira palavra que você falou, mas eles se lembram do primeiro personagem fictício mencionado por suas cordas vocais? A gente aqui em casa lembra. (Da primeira palavra também: “Dog”, a propósito).
Amanhã, ela vai no parque temático da Vila Sésamo, 20 minutos aqui de casa, onde pessoas se vestem como os personagens do programa de TV e animam a garotada que visita o local. Ela também poderá jantar com o Cookie Monster, com a fada Abby, com o Big Bird (o Garibaldo da pré-histórica tradução brasileira) e outros, mas ela gosta muito mesmo é do Elmo. Na verdade, ela chama todos os personagens e os vídeos do YouTube de Elmo. Elmo é o centro da história. Elmo, Elmo, Elmo.¹
Minha esposa e eu não sabemos como ela vai reagir. Ela terá medo da versão gigante de um personagem que antes só conhecia domesticado pelo quadrado da televisão ou tipificado no pequeno boneco de pelúcia de 8 centímetros? Ela ficará incrivelmente empolgada e gritará, abraçará, beijará Elmo? Creio que será o segundo caso e isso me lembrou de algo que comentei com minha esposa.
Uma digressão
Quando eu tinha uns 7 ou 8 anos, viajei com a família para Parnaíba (PI) e passamos um fim de tarde numa das praças da cidade. Não havia pombos, mas havia aqueles personagens medonhos estilo Carreta Furação que animam e assombram esse tipo de local. Havia também um Pato Donald, que não era horrível (na verdade, era bem bem-feitinho), pelo qual minha irmã (na época com 3 ou 4 anos) se apaixonou. Ela passou a noite toda brincando com ele e dava a mão para ele e passeava e contava histórias para o Pato Donald, e o cara debaixo da fantasia era bem paciente e praticamente dedicou a noite toda à minha irmã.
Eu fiquei com inveja da minha irmã. Infelizmente, eu sabia que havia uma pessoa sob o traje de marinheiro anserino. Eu sabia que ele não era o Donald. Eu queria que fosse o Donald, mas não era. Eu queria muito compartilhar com ele minhas histórias e ouvir ele contar sobre o Tio Patinhas, os sobrinhos e a Margarida, mas ele não era o Donald. Aliás, nem o Donald lá nos parques da Disney (se você não sabe) é o Donald. Então, eu tive inveja da minha irmã porque ela não sabia. Para ela, o Donald era real e ela tinha encontrado realmente o famoso, verdadeiro e único Pato Donald.
Depois de contar essa mesma história sobre minha irmã, eu comentei com a minha esposa que invejo a minha filha, pois ela vai achar que viu o Elmo mesmo. Ela vai ter essa alegria pura e infantil que nós, adultos, não temos, pois a gente sabe o que é real ou não.
E, obviamente, as coisas devem ser assim. Devemos crescer e entender que os personagens das histórias são personagens fictícios.
Mas, seria tão bom se…
Imagino que você saiba onde eu quero chegar.
Essas histórias simples como a Vila Sésamo são pequenas versões dos mitos, narrativas que dão sentido à nossa vida e nos ajudam a entender e enfrentar o dia-a-dia. No caso da minha filha, elas teoricamente até ensinam a contar, soletrar e tudo o mais. Elmo é meio que um mito, e não só porque ele dança muito bem para um fantoche, mas porque ele vive dentro de uma pequena historinha.²
Foi C.S, Lewis ou Tolkien ou outro inglês que escreve melhor do que eu que disse que o Evangelho é um mito verdadeiro, uma dessas narrativas que nos ajudam – só que, nesse caso, essa realmente aconteceu. (Foi Tolkien, vi aqui) Em certo sentido, contar a história do evangelho é semelhante a contar a história do Elmo, do Donald, do Super-Homem, do Anakin Skywalker. Mas, há uma diferença: não vai ter um momento em que a criança, o verdadeiro filho de Deus, perceberá que seu amado personagem não passa de um piauiense suado escondido sob uma fantasia de Jesus, tentando ganhar seu pão de cada dia.
Porém, há os que pensam que descobriram. Que viram que Jesus não existe e tudo não passa de uma forma de uma enganação na praça da cidade. Eu não sei como essas pessoas pensam depois dessa grande descoberta. Se for como no meu caso do Donald, talvez tenham inveja dos outros que ainda creem. Talvez uma sensação de nostalgia, lembranças de infância. Eu sei que Donald não existe, mas eu me alegrei em ver as crianças brincarem com ele. Por que você não se junta a elas, então? Quem sabe esse fim de tarde siga até o amanhecer o dia.
Acho que é um bom sinal se essa pessoa pensa assim. Uma das coisas mais tristes que existe são aqueles que abandonam a fé em Cristo e passam a zombar e desprezar os que ainda creem, seus familiares, professores, pastores. Eles veem os outros caminhando, conversando, dedicando sua noite a um personagem que eles consideram fictício, e cinicamente riem da situação. Como professores de seminário que menosprezam alunos que confiam na inerrância da Palavra de Deus. “Você tem muita fé”, motejam. Você consegue imaginar um irmão mais velho falando isso para a irmã mais nova que crê? Quem está sendo mais infantil?
Querido, lembre-se que caminhamos ao lado do nosso personagem preferido como crianças. Nós não sabemos explicar direito porque o Elmo saiu da televisão e agora está aqui na sala, mas é ainda melhor do que ficar encostado na parede dando risadinha. Eu me lembro de quando eu era adolescente e um grupo de amigos irritou tanto um Pernalonga em Caldas Novas que ele passou a mandar banana pra gente. Parabéns, você é muito esperto.
Mas, vamos voltar às crianças.
Amanhã, como será que minha filha reagirá? Será como a minha irmã reagiu? Eu espero que sim. E eu quero me alegrar com isso.
Como você reagiria se o personagem que você mais ama estivesse na sua frente amanhã? Seu personagem favorito é o centro da narrativa, o nome que é repetido o tempo todo na história, o primeiro e o último nos seus lábios, ele é um verdadeiro mito. Você cairia de joelhos ao vislumbrar da versão gloriosa de alguém que você antes só conhecia como que num espelho ou tipificado em elementos que simbolizam ele? Ou você ficaria incrivelmente empolgado e gritaria, abraçaria, beijaria esse personagem? As duas reações parecem completamente aceitáveis. Como seria um jantar com ele e com todos os seus amigos (ainda que todos os personagens sejam chamados pelo nome dele)? Eu não sei. Mas, sei que quero me alegrar com a sua reação.
De qualquer forma, amanhã saberemos.
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¹Antes que alguém pense, ela não aprendeu a falar Elmo porque abusamos da TV (mas confesso que ela é útil, sim, às vezes). Na verdade, ela aprendeu a falar Elmo antes mesmo de ver um vídeo do Elmo. Ela ganhou um Elmo de pelúcia há alguns meses. Ou foi provavelmente lendo algum livro na escola. Vai saber, essas más influências…
² Eu sei que nem tudo o que o programa deles ensina é bom e aceitável. É por isso que nos limitamos a vídeos do YouTube, onde podemos controlar o que ela pode assistir.