Baseado no título acima, você pode estar pensando que esse é um artigo que vai falar de conselhos práticos sobre gerenciamento de tempo e como aproveitar melhor sua agenda; ou talvez você pense se vai ser uma defesa da nomenclatura “ante de Cristo / depois de Cristo” do sistema de datação; ou ainda talvez você pensou que seria um tratamento teológico do calendário litúrgico (se é correto estruturar cultos de acordo com os eventos histórico-redentivos das Escrituras, por exemplo). Por mais que todas essas coisas sejam dignas de atenção, esse artigo foi escrito para aqueles que anseiam por renovo e restauração espiritual em Cristo, conforme começamos um novo ano. Quando reconhecemos nossa necessidade de renovo espiritual, muitas vezes deixamos de perceber que uma das verdades bíblicas mais importantes sobre a caminhada cristã é que Jesus redimiu o calendário da nossa vida. Isso é uma das verdades mais fundamentais da Escritura – mas, entretanto, uma das que mais frequentemente esquecemos. Afinal de contas, como é que Jesus redime o calendário de nossas vidas?
Todos nós amamos novos começos. Quando entramos em um novo ano, a maioria de nós tende a pensar no ano que passou – olhamos para trás e vemos as conquistas e os fracassos e imaginamos se o ano vindouro trará mais progresso e um maior senso de realização. Quando fazemos resoluções de ano novo, estamos reagindo ao remorso que tivemos por conta das atividades e ventos do ano que passou. Normalmente são fracassos físicos ou financeiros que mais nos entristecem. E não é algo completamente ruim se arrepender de fracassos nessas áreas. Há algo de bom em se auto-avaliar e auto-examinar. Mas, mais doloroso que admitir nossa falta de autocontrole na dieta, nos exercícios ou nos gastos é encarar nossa falta de autocontrole e zelo no âmbito da vida espiritual e devocional.
Todos nós sentimos a culpa e a vergonha pelo nosso pecado. Ficamos frustrados por conta do quão pouco nos dedicamos à leitura das Escrituras e à oração. Sabemos que deveríamos ter usado nossos dons dados por Deus para edificar Seu povo de uma forma muito maior do que fizemos no ano que passou. Reconhecemos que deveríamos ter investido mais de nosso tempo e energia no cuidado daqueles de nossa igreja e na proclamação do evangelho aos nossos vizinhos e colegas de trabalho. Admitimos que poderíamos ter aberto mais nossas casas para aqueles que não conhecemos direito na igreja e para nossos vizinhos muito mais do que fizemos, em nome do evangelho. Ficamos frustrados por termos repetidamente nos entregado aos mesmos pecados específicos, ferido nossa consciência e entristecido o Espírito Santo pelo qual fomos selados. Todo esse remorso pesa bastante em nossos corações – e é uma coisa boa que isso aconteça. Mas será que não há esperança de restauração e renovação para nós conforme entramos em um novo ano? Há, sim, esperança para nós – e mais do que poderíamos imaginar – no evangelho.
Conforme buscamos nas Escrituras, encontramos a gloriosa verdade de que Jesus nos fez parte de Sua nova criação por meio de Sua morte e ressurreição (2 Coríntios 5.14). Quando Cristo saiu do túmulo, Ele o fez sendo as primícias da Nova Criação. Sua ressureição corporal garantiu a ressurreição espiritual (João 5.25) e corporal também (1 Coríntios 15.20-22) para todos aqueles unidos a Ele – e assegurou a restauração final de todas as coisas no fim dos tempos (Atos 3.21; 2 Pedro 3.12-13). Em Sua ressurreição dos mortos, Jesus redimiu nossos calendários. Ele perdoou todos os nossos pecados. Ele nos deu poder para morrermos para nós mesmos e vivermos em retidão esse ano e em todos os anos de nossas vidas.
Nesse sentido, todo dia é Ano Novo para o cristão. Tudo isso se desenrola perante nós no detalhe tipológico maravilhoso da narrativa da primeira Páscoa e o Êxodo. Deus não apenas redimiu Israel da escravidão no Egito – Ele realinhou o calendário no Êxodo (Êxodo 12.1) para dar a eles uma antecipação da nova criação que iria trazer por meio da morte de Seu Filho – o verdadeiro e maior Cordeiro Pascal (1 Coríntios 5.5).
É importante percebermos que a instituição da Páscoa ocorreu entre a 9ª e a 10ª praga. Deus diferenciou sua igreja do mundo. Ele impediu que Suas pragas caíssem sobre Seu povo (Êxodo 9.4; 11.7). Entretanto, quando Deus anunciou a décima e mais severa praga, Ele não fez diferença entre a igreja e o mundo. Aos membros da igreja da Antiga Aliança foi mostrado, assim, que eles mereciam o julgamento tanto quanto os egípcios. Todos merecemos o juízo por nosso pecado e rebelião contra Deus. Nossos fracassos não são apenas imperfeições em nossos objetivos ou nosso caráter. São atos de rebelião contra o Deus infinitamente santo que nos criou. Na décima praga, Deus ensinou Israel que todos os homens – Judeus e Gentios – merecem julgamento. Phil Ryken explica isso muito bem quando escreve:
Os Israelitas devem ter ficado chocados quando descobriram que suas vidas estavam em perigo. Todas as pragas anteriores tinham passado direto por eles porque Deus havia feito distinção entre seu povo e o povo de Faraó. Quando o caos envolveu seus opressores, os Israelitas assistiam de longe, a salvos. Com isso, aprenderam que eram o povo especial de Deus. Isso pode tê-los tentado a crerem que eram mais justos que os Egípcios; na verdade, que talvez não tivessem feito nada de errado. Mas a verdade é que eles mereciam morrer tanto quanto seus inimigos. De fato, se Deus não houvesse provido um meio para sua salvação, eles também teriam sofrido a perda de cada um de seus primogênitos. Os Israelitas eram tão culpados quanto os Egípcios, e na última praga Deus os ensinou sobre seus pecados e sua salvação.
A única coisa que faria diferença para Israel seria o sangue de um cordeiro espirrado nos umbrais das portas de suas casas. Cada Israelita que agisse em fé, de acordo com a promessa de Deus, e aspergisse o sangue nos umbrais seria salvo do julgamento do destruidor, e seus primogênitos seriam poupados. Isso ocorreu, é claro, porque o julgamento de Deus caiu sobre o Cordeiro Pascal substituto. Dessa forma, Deus estava apontando Seu povo para a Pessoa e a obra de Cristo.
O Cordeiro Pascal foi dado ao povo de Deus como um lembrete anual da necessidade que eles tinham de se alimentar do Cordeiro pelo qual seriam redimidos. Todas as instruções sobre a observância do ritual foram dadas para refletir algo da redenção que temos em Cristo. Ele ardeu sob o fogo da ira de Deus. Ele nos ordena que nos alimentemos de Sua carne e Seu sangue pela fé. Ele é uma refeição suficiente para as almas de Seu povo. Até a relação entre o cordeiro substitutivo e a décima praga não era incidental. Os primogênitos foram poupados por conta do sangue do Cordeiro Pascal porque Deus não iria poupar Seu próprio filho primogênito – Jesus Cristo (1 Coríntios 5.5; Romanos 8.32).
Tudo isso foi prefaciado na instituição da Páscoa quando Deus disse “Este mês vos será o principal dos meses; será o primeiro mês do ano” (Êxodo 12.2). A redenção que Israel experimentou no sangue do cordeiro tipológico zerou seus relógios para o primeiro dia do primeiro mês do primeiro ano. Foi como se Deus estivesse levando tudo de volta para a criação. Ele estava levando seu povo de volta para o tempo antes de haver pecado – e estava apontando eles para adiante, para o dia em que Ele iria completa e finalmente fazer tudo novo. Na redenção que temos em Cristo, experimentamos a nova criação em nossas almas. Em Sua morte na cruz e na ressurreição, Jesus foi o verdadeiro Cordeiro Pascal (1 Co. 5.5) e nos trouxe o grande Êxodo (Êxodo 9.31).
O verdadeiro Êxodo é experimentado em sua realidade completa por meio do sacrifício do Cordeiro de Deus. Essa verdade é aplicável à vida diária do cristão da Nova Aliança. Por exemplo, em Colossenses 2.20-3.4, o Apóstolo Paulo nos diz que morremos com Cristo, fomos ressurretos com Ele e que nossas vidas agora estão escondidas com Ele em Deus (Col. 3.1-4). À luz dessa verdade, não nos voltamos para o ascetismo em busca de piedade (2.20-23); pelo contrário, reconhecemos que fomos feitos novas criaturas em virtude de nossa união com Cristo em Sua morte e ressurreição. Nos é dito então que devemos nos despir do velho e nos revestirmos do novo (Col. 3.5-7). Muito de nossa vida cristã, e do poder que ansiamos que ela tenha, vem de saber qual é nossa situação perante Cristo, a saber, que Ele nos criou para sermos seres espiritualmente ressurretos – parte da nova criação.
Muitos de nós vemos o Ano Novo como uma oportunidade de fazer melhor. Esperamos um novo começo. Muitas vezes, isso resulta nas esperançosas ou sentimentais “Resoluções de Ano Novo”. No cerne de nosso ser, não precisamos de mais resoluções de Ano Novo – precisamos de uma “Teologia de Ano Novo”; precisamos de uma teologia da nova criação. Precisamos saber que fomos feitos novas criaturas se vivermos em novidade de vida por Cristo. Mais do que qualquer outra coisa nesse ano que começa, precisamos ouvir continuamente a voz dAquele que clamou “Eis que faço novas todas as coisas”. Que Deus nos dê a graça de viver como aqueles que foram feitos novas criaturas e tiveram seus calendários redimidos pelo Único que viveu, morreu e ressuscitou por nós.