Muitas igrejas separaram misericórdia e evangelismo.
Algumas congregações acham que mostrar bondade àqueles que estão passando por necessidades é algo bom por si só, e cristãos não devem sentir-se impelidos a evangelizar a fim de legitimar seus atos de misericórdia. De fato, algumas iriam tão longe ao ponto de dizer que usar a misericórdia como um meio para o evangelismo é insincero.
Outras congregações creem corretamente que o evangelismo é o mais importante ato de misericórdia que poderíamos dedicar ao nosso próximo, mas elas concluem erroneamente que outros tipos de misericórdia são opcionais e desnecessários.
O meu ponto é que as igrejas não deveriam separar a proclamação do evangelho dos atos de misericórdia. Se uma congregação está apaixonada por mostrar bondade ao pobre, deve-se reconhecer que nossas maiores pobrezas são espirituais, e o melhor pão que podemos distribuir é o Pão da Vida. Mas se uma congregação é particularmente apaixonada por evangelismo, ela também deve reconhecer que Deus não nos fez espíritos sem corpo. Portanto, a fim de amar nosso próximo como Jesus nos ordena, nós deveríamos, conforme pudermos, tratar de suas necessidades práticas também. Afinal, o bom samaritano não deu um folheto ao homem ferido, ele tratou de suas feridas.
Como a misericórdia pode servir ao evangelismo?
Embora o ministério de misericórdia possa reduzir o evangelismo, há muitos meios pelos quais a misericórdia na verdade serve e cria oportunidades para o evangelismo e o discipulado. Aqui estão cinco deles.
1. Atos de misericórdia demonstram o caráter de Cristo.
Uma parte importante do nosso testemunho evangelístico é mostrar aos descrentes a excelência de Cristo, e um dos aspectos mais bonitos do caráter do nosso Salvador é a sua bondade para com os necessitados (exemplo: Lucas 7.13). Quando mostramos amor e compaixão aos necessitados, exibimos o caráter e o amor atraentes de Cristo.
2. Atos de misericórdia mostram o poder do evangelho para nos transformar
Similarmente, quando ajudamos nosso próximo, fornecemos evidência de que nossa mensagem é verdadeira. Se dizemos que o evangelho tem o poder de transformar vidas, então nossa misericórdia é algo que comprova isso.
Em um mundo onde a maioria das pessoas guardam as coisas para si e cuidam somente de si mesmas, os cristãos têm a oportunidade de assombrar os outros com seu amor inexplicável e serviço altruísta. Queremos que as pessoas fiquem perplexas com nosso cuidado para que elas compreendam que a única explicação é que os cristãos foram genuinamente transformados pelas boas novas.
3. Atos de misericórdia modelam um padrão de discipulado.
A grande comissão nos chama a fazer discípulos e ensiná-los a obedecer tudo o que Jesus ordenou (Mateus 28.18-20). Quando os cristãos obedecem às instruções do Senhor de amar nossos inimigos e ser sacrificialmente misericordiosos com nosso próximo, modelamos o que se entende por tomar a nossa cruz e seguir a Jesus. Aqueles que recebem nossa misericórdia são convidados a juntar-se a nós numa vida em submissão ao Salvador.
4. Atos de misericórdia reconhecem a situação humana.
Como observamos acima, Deus criou os homens como seres físicos. O estado do nosso corpo impacta grandemente as nossas vidas. A vida é mais difícil quando estamos com fome, com frio, intoxicados, doentes ou em perigo. E, portanto, a proclamação evangelística que não reconhece os fatores físicos na vida de seus ouvintes corre o risco de se tornar inaudível e insensível.
É importante que reconheçamos que há uma ordem de nossas necessidades, e, algumas vezes, nossas maiores necessidades não são as nossas necessidades mais imediatas. Portanto, podemos dizer com confiança que a maior necessidade do ser humano é reconciliar-se com Deus por meio da fé em Cristo. Mas se alguém vem à sua porta com ferimento aberto na cabeça, essa necessidade, apesar de não ser a maior necessidade dele, é a mais urgente. Primeiro você deve cuidar do ferimento na cabeça, e então você deveria compartilhar o evangelho.
5. Atos de misericórdia geram oportunidades de compartilhar o evangelho.
Há um velho ditado: se você quer um amigo, seja um amigo. Todos nós gostamos de estar perto de pessoas que são boas para conosco, que se interessam por nossas vidas, que demonstram um desejo de nos ajudar. Assim, mostrar cuidado prático para com os outros é um jeito fácil de construir pontes para dentro de sua comunidade.
Todos nós deveríamos compartilhar Cristo com as pessoas cujas vidas se cruzam com as nossas, como vizinhos, amigos e colegas de trabalho. Mas caminhar em direção às pessoas necessitadas com atos de misericórdia provê oportunidades para construir relacionamentos com aqueles que de outra forma não poderíamos entrar em contato.
Aqui estão alguns exemplos da congregação que eu sirvo como pastor:
- Uma dispensa de comida provê mantimentos para centenas de pessoas necessitadas. Essas pessoas ouvem o evangelho quando a comida é distribuída, começam a construir relacionamentos com as pessoas na igreja e lhes é perguntado se gostariam de receber uma visita em suas casas para conversar sobre a Bíblia.
- Um grupo de moradores de rua é convidado a ir à casa de um membro da igreja para um jantar semanal e um estudo bíblico. Eles recebem uma refeição que é melhor que a comida de abrigos, uma chance de estar em uma casa, um alívio da monotonia do dia a dia nas ruas, e a oportunidade de construir amizades e de serem tratados com dignidade. Com o tempo, eles são desafiados a responder ao evangelho e começar a participar da vida na igreja.
- Um grupo de adolescentes em risco é hospedado na igreja cada semana. Eles recebem uma refeição, a chance de sair de se divertir com seus amigos em um ambiente seguro e a oportunidade de construir relacionamentos com modelos positivos de adultos. Cada semana eles ouvem uma lição da Bíblia que leva o evangelho para dentro de suas vidas.
- Uma família provê cuidado adotivo para uma adolescente abusada sexualmente. Eles a recebem em casa, fornecem segurança e abrigo, e começam a apresentar Cristo.
Em cada uma dessas situações, o ato de misericórdia iniciou o contato com a pessoa que precisava do evangelho. Sem esse primeiro passo de cuidado e amor, não haveria oportunidade de compartilhar Cristo.
EMPENHE-SE EM FAZER O BEM A TODOS – ESPECIALMENTE O BEM ETERNO.
Resumidamente, colocamos o evangelismo contra a misericórdia para nosso próprio prejuízo. Em vez disso, um meio dos dois se complementarem é a misericórdia servir ao evangelismo. Assim, deveríamos nos empenhar para fazer o bem a todos os homens (Gálatas 6.10), especialmente para que possamos fazer-lhes o bem eterno.
Mike McKinley é pastor senior da Igreja Batista Guilford, em Sterling, Virgínia, e é autor, mais recentemente, de Am I Really a Christian? (Crossway, 2011)