Semana passada eu gastei um longo tempo estudando o quarto capítulo de Rute, o clímax de uma história maravilhosa. A maior parte do capítulo 4 é uma descrição de uma transação legal entre Boaz e um de seus parentes, conforme os dois homens decidem que um deles tomará sobre si o papel de parente-resgatador. Essa estranha transação, que é eventualmente completa não com a assinatura, mas com a troca de uma sandália, ofereceu a mim uma visão do coração desses dois homens e, a partir daí, uma visão do meu próprio coração. Deixe-me explicar.
Você lembra o contexto, tenho certeza. Noemi foi deixada sem um marido e sem um herdeiro, e Rute, sua nora, pergunta ao parente delas, Boaz, se ele se tornará um resgatador. Se ele aceitar, tomará tudo o que pertence à Noemi e se casará com Rute; a primeira criança que lhes nascer não será considerada filho dele, mas filho de Noemi e seu falecido marido, Elimeleque. Essa criança não carregará o nome e a linha familiar de Boaz, mas de Elimeleque. Embora seja um compromisso significativo e um sacrifício significativo, Boaz está disposto. Antes de poder fazer isso, no entanto, ele precisa verificar se esse outro parente, que é mais próximo de Noemi, aceitará o papel.
Por esse motivo, Boaz chama esse homem para um processo legal formal. Ele é um pouco astuto, primeiro contanto a esse homem que Noemi está procurando vender toda terra que pertencia a Elimeleque. Ele pergunta se esse homem estará disposto a comprar a terra. Pelo menos, por hora, ele não menciona nada sobre Rute.
De uma perspectiva social, faz sentido agir como um resgatador. Há grande honra em ser um resgatador e levar esse tipo de dever familiar. É, provavelmente, como ser rotulado como um filantropo hoje – um título nada mal para carregar por aí.
Financeiramente, faz mais sentido ainda. Na cultura israelita, a terra não era, na verdade, comprada e vendida como nós entendemos. Pelo contrário, uma pessoa comprava e vendia o uso da terra. Então, quando chegava um ano do Jubileu, algo que acontecia a cada 50 anos, a terra poderia ser devolvida ao proprietário original. Mas neste caso, Noemi não tinha herdeiros. Quando chegar o ano do Jubileu, não haverá herdeiro para tomar posse da terra também. Significa que seja quem for o resgatador de Noemi, terá essa terra adicionada às propriedades da família para sempre. A única obrigação constante em tudo isso é sustentar Noemi até que ela morra.
Esse parente faz os cálculos e percebe que isso seria fácil. Ele declara sua intenção de ser o resgatador de Noemi. Tudo que resta é trocar umas poucas palavras e deixar tudo bem definido. Mas então Boaz diz a ele que haverá mais um componente na transação.
No verso 5, Boaz diz “Ok, ótimo. Você resgata, mas há algo a mais que você precisa saber. Quando você adquirir essa terra, e quando resgatar Noemi, você também vai adquirir Rute, que é uma mulher moabita. Não só isso, mas vai precisar se casar com ela e tentar ter um bebê com ela, então esta criança poderá herdar a terra de Elimeleque”. Essa não era uma transação que significava enriquecimento, mas significada servir aos outros.
De repente, aquela transação sem riscos não está mais parecendo tão boa. De repente, é acrescentado todo tipo de riscos e responsabilidades. Essa terra que poderia ter sido sua para sempre estava para ser sua somente por um curto espaço de tempo – equivalente ao tempo de criar um herdeiro para Elimeleque. Não só isso, mas ele terá que se casar com uma mulher moabita. Ao contrário de ajudá-lo a subir a escada social, pode levá-lo a alguns degraus abaixo. Passou de uma transação que acrescentará honra e riqueza para uma transação que custará honra e riqueza. E este é o momento da verdade. Ele tem que decidir o que é mais importante para ele e quais são suas prioridades. Infelizmente, parece que ele não tem muito no que pensar.
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Ele rapidamente muda seu tom e diz que não pode cumprir esse dever. Não que ele não irá, mas que ele não pode. Ele acredita que o resgate dessa terra tem potencial de arruinar a herança que ele quer que seus próprios filhos tenham. Ele investirá na terra, apenas para perdê-la. Ele terá que ser provedor de Rute e Noemi quando ele não se importa realmente com elas. Ele terá que criar filhos para Rute e arcar com todos os tipos de despesa. É demais para ele, então diz a Boaz: “Você faz isso! Você fica com as despesas. Você faz o trabalho. Eu não quero. Eu não posso fazer isso”.
O texto não comenta sua incapacidade ou má vontade, mas realmente não precisa fazê-lo, precisa? O que mais há a ser dito? Suas palavras mostraram seu coração. Ele mostrou sua lealdade a si mesmo, a coisas materiais, ao dinheiro, ao que é temporário e efêmero.
O que achei particularmente interessante aqui é que ele diz “não posso fazer isso”. Ele faz os cálculos e acredita que o cumprimento desse dever ou exercer um ato de grande gentileza teria algumas implicações negativas na vida dele, no casamento e na família. Vamos deixar claro – não é pouca coisa ter que tomar Noemi e Rute e ter uma criança que será essencialmente de outro homem; é uma responsabilidade grande com muitos custos reais. Mas quando chega a hora de decidir, esse homem não está confiando no Senhor. Ele tem uma visão limitada. Ele não está confiando que as bênçãos de Deus irão muito além de quaisquer despesas e complicações que ele pode encontrar ao longo do caminho. Seu calculo é feito com vista não na eternidade, não na economia de Deus, não em outras pessoas.
A história deliberadamente traça o contraste entre Boaz e seu parente, convidando-nos a considerar a diferença entre eles. E que diferença. Boaz é guiado pelo amor a agir em generosidade, a suportar eventuais despesas e contar tudo com alegria. Esse outro parente quer apenas o que é melhor para ele, apenas o que se adéqua aos seus próprios planos, apenas o que levará a ele próprio conforto e enriquecimento.
E quando cheguei a esse ponto na história, tive que perguntar a mim mesmo se eu estou disposto fazer coisas difíceis, coisas dispendiosas, coisas que podem parecer que vão arruinar todos os meus planos, com o objetivo de servir ao Senhor. Eu estou disposto a esgotar minhas economias de aposentadoria com o propósito de cuidar de um amigo ou um membro da família que precisa da minha ajuda? Ou só estou disposto apenas a desistir do que economizei se eu receber algum lucro palpável em troca? Meu critério básico para tomar decisões é o que eu vou ganhar com isso?
Eu fui rapidamente convencido de que há muitas áreas em minha vida em que meus atos de caridade e meus atos de gentileza são caridosos e gentis primeiramente em relação mim. Servirei você se algo me serve. Darei a você se eu receber alguma recompensa tangível no final. Mas se meu serviço ou doação interferem nos meus grandes planos, se entram no caminho do que eu realmente quero, é onde eu contesto, é onde eu recuo, onde eu digo: “Não posso fazer isso. É impossível. É ridículo mesmo perguntar”. Em muitos momentos e de muitas maneiras, eu sou como esse parente anônimo, esse homem cujas ações lhe renderam um lugar sem nome nessa história, esse homem que está aqui para servir como um contraste com Boaz – Boaz, cujos atos apontam para Cristo, cujo amor é evidência de coração e afeições transformados.
Carla Ventura | iPródigo.com | Original aqui