A cruz está à vista, e Jesus separa suas últimas horas com seus discípulos para falar sobre a Trindade. Isso não é tão estranho quanto parece. Se Jesus está indo morrer (e mais tarde ascender ao céu após sua ressureição), é apropriado que os discipulos entendam a unidade de Cristo com o Pai e o Ajudador que viria em sua ausência. Jesus promete a vinda do Espírito Santo cinco vezes no discurso do Cenáculo. Essa é a última dessas cinco passagens:
“Mas quando o Espírito da verdade vier, ele os guiará a toda a verdade. Não falará de si mesmo; falará apenas o que ouvir, e lhes anunciará o que está por vir. Ele me glorificará, porque receberá do que é meu e o tornará conhecido a vocês. Tudo o que pertence ao Pai é meu. Por isso eu disse que o Espírito receberá do que é meu e o tornará conhecido a vocês.” João 16.13-15
Aqui nós vemos as últimas palavras de Jesus a respeito do Espírito Santo. E o que ele enfatiza em seu caminho para a cruz é o central e muitas vezes pouco valorizado papel do Espírito de glorificar a Cristo. Nesse momento, Jesus está falando aos Doze sobre a obra que o Espírito realizará nos dias vindouros para revelar a glória de Cristo a eles (João 7.39). Mas, implicitamente, a promessa de Jesus é também a respeito da obra do Espírito de glorificar Cristo em nossos corações através da verdade que os discípulos logo enxergariam.
Essa passagem é importante porque nos ajuda a evitar dois erros muito comuns.
O primeiro erro é enxergar o Espírito sendo contrário às Escrituras. A promessa de Jesus não tem nada a ver com o Espírito me dizer com quem eu devo me casar ou qual emprego devo aceitar. Não é isso que ele tem em mente quando diz “ele os guiará a toda a verdade” (v. 13a). Jesus está falando com os Apóstolos (v. 12). Eles são os que serão guiados a “toda a verdade”. E “toda a verdade” que eles receberiam não era a verdade sobre cada parte do conhecimento do universo, das supernovas ao DNA. A “verdade” se refere à verdade da salvação e tudo que está ligado a Jesus Cristo, o caminho, a verdade e a vida. O Espírito ira iluminar as coisas que estão por vir (v. 13b), não de uma forma profética, mas de forma que ele deixará claro o significado dos eventos que viriam: a morte de Jesus, a ressurreição e sua ascensão. O Espírito, falando pelo Pai e pelo Filho, ajudaria os Apóstolos a se lembrarem do que Jesus disse e a entender o verdadeiro significado de quem Jesus era e o que ele alcançou (14.26).
Isso significa que o Espírito é responsável pelas verdades que os Apóstolos pregaram e que, por sua vez, foram escritas no que hoje chamamos de Novo Testamento. Nós confiamos na Bíblia porque os Apóstolos, e aqueles que estavam debaixo de sua autoridade, a escreveram por meio da revelação do Espírito. A Bíblia é o livro do Espírito. Ele a inspirou, não apenas o Antigo Testamento, como os Apóstolos afirmam (Atos 4.25, 28.25; Hebreus 3.7; 2 Pedro 1.21), mas também o Novo Testamento, como Jesus prometeu indiretamente em João 16.
Portanto, não podemos ceder terreno àqueles que, como os Mórmons, argumentam em favor de uma revelação constante, que adiciona conteúdo ao Novo Testamento. Também não podemos tolerar a sugestão freqüente dos liberais que se ater meticulosamente às Escrituras é insultar de alguma forma o Espírito Santo. A Palavra e o Espírito estão inseparavelmente juntos. Nós ouvimos o Espírito quando lemos as Escrituras. E ao ler as Escrituras, devemos orar e pedir pela iluminação do Espírito.
O segundo erro que essa passagem nos ajuda a evitar é o erro de enxergar o Espírito sendo contrário a Cristo. O Espírito Santo é um Espírito que serve. Ele fala apenas o que ouve (13b). Ele declara o que lhe é dado (14b). Sua missão é glorificar outro (14a). Todas as três pessoas da Trindade são completamente Deus, mas na economia divina, o Filho torna o Pai conhecido e o Espírito glorifica o Filho. Sim, é muito triste ignorar o Espírito Santo e deixar de enxergar o papel indispensável que ele tem em nossas vidas. Mas não devemos achar que nos focamos demais em Cristo. O Espírito não é ofendido quando fixamos nossa atenção em Cristo. Louvar a Cristo é evidência da obra do Espírito! O foco da igreja não é a pomba, mas a cruz, e é isso que o Espírito gostaria. Como diz J. I. Packer, “A mensagem do Espírito a nós nunca é ‘Olhe para mim; Ouça-me; Venha a mim; Conheça-me’, mas sempre ‘Olhe para ele, e veja a glória dele; ouça a ele, e ouça a voz dele; vá a ele, e tenha a vida; conheça-o, e experimente o dom da alegria e da paz’”.
Tudo isso sobre a obra do Espírito de revelar e glorificar o Filho é o porquê da idéia de “Cristãos anônimos” é horrivelmente equivocada. Eu me lembro de um professor da faculdade que afirmava que, por causa da soberania de Deus e porque o Espírito sopra aonde quer, o Espírito poderia estar trabalhando salvíficamente em todas as religiões, levando pessoas a nascer de novo e a se juntarem com Cristo mesmo que inconscientemente. Ele acreditava que as pessoas poderiam ser salvas em Cristo sem ouvir de Cristo ou professarem sua fé nele.
Essa forma “inclusivista” de pensar é popular. Mesmo o amado C. S. Lewis, em seu clássico Cristianismo Puro e Simples, expôs:
Existem pessoas que não aceitam a totalidade da doutrina Cristã sobre Cristo, mas que são tão fortemente atraídas por Ele que são dEle em um sentido tão profundo que nem elas mesmas podem entender. Há pessoas em outras religiões que estão sendo guiadas pela influência secreta de Deus a se concentrarem naquelas partes de suas religiões que estão em concordância com o Cristianismo e, portanto, pertencem a Cristo sem saberem. Por exemplo, um Budista bem intencionado pode ser guiado a se concentrar mais e mais no ensinamento Budista a respeito da misericórdia e deixar de lado (apesar de talvez ainda acreditar) nos ensinamentos Budistas a respeito de outros pontos.
Já aprendi muito com Lewis, mas pensar dessa forma é não compreender a missão do Espírito no Pentecostes e na era do Pentecostes. A obra do Espírito Santo é glorificar a Cristo ao receber o que é dele – os ensinamentos, a verdade sobre sua morte e ressurreição – e tornar conhecido. O Espírito não trabalha indiscriminadamente sem ter a revelação de Cristo à vista. Logo, o trabalho mais importante o Espírito Santo é glorificar a Cristo, e ele faz isso direcionando os holofotes na direção de Cristo, para que os eleitos o vejam e o experimentem.