Ao começar a pregar o livro de Filipenses, recentemente, notei que logo de cara Paulo identifica a si mesmo e Timóteo como escravos de Cristo Jesus (Filipenses 1.1). Hoje em dia, na maioria das traduções aparece “servos”, mas a palavra grega é doulos, que significa propriamente “escravo”. Ao mencionar sua escravidão a Cristo no início da carta, Paulo pretendia que os Filipenses – que estavam lutando com questões de perseverança em meio a conflito (Filipenses 1.27-30; 4.1), unidade entre os crentes (2.1-2; 4.2-3), humildade (2.3-9) e alegria em meio às perseguições (2.17-18, 3.1, 4.4) – fossem lembrados que também eram escravos de Jesus Cristo, e que essa identidade deveria moldar suas reações a essas situações.
É interessante notar que escravo é uma das autodesignações preferidas dos apóstolos e outros autores das Escrituras. Tiago invoca esse título para si no verso de abertura de sua epístola (Tiago 1.1). O mesmo é verdade para Pedro (2 Pedro 1.1), Judas (Judas 1.1) e para o apóstolo João (Apocalipse 1.1). Além disso, Paulo repete que ele é doulos de Cristo ao longo de suas outras cartas: Romanos, 1 Coríntios, Gálatas, Efésios, Colossenses, 2 Timóteo e Tito. O termo é usado pelo menos 40 vezes no Novo Testamento para se referir ao crente, e o equivalente hebraico é usado mais de 250 vezes para se referir aos crentes do Antigo Testamento. Podemos concluir com segurança que o Senhor quer que o Seu povo veja a si mesmo desta forma.
Em seu cerne, a essência da vida cristã pode ser descrita como escravidão a Cristo.
Cinco Paralelos
Então, o que significa ser um escravo? Em seu excelente livro, simplesmente intitulado Escravo, John MacArthur destaca cinco paralelos entre o cristianismo bíblico e a escravidão do primeiro século. O primeiro é propriedade exclusiva. Escravos são propriedade dos seus mestres. Como Paulo diz aos crentes claramente em 1 Coríntios 6.19-20: “Vocês não são de si mesmos. Vocês foram comprados por um preço.” Veja, os cristãos não vivem em um mundo de livre autonomia. Nós não somos os donos do nosso destino nem os capitães de nossas almas. Fomos comprados por um preço e por isso pertencemos Àquele que pagou esse preço.
“Portanto”, diz Paulo em 1 Coríntios 6.20, porque foram comprados por alto preço e não são de si mesmos, “glorificai a Deus no vosso corpo.” Propriedade exclusiva implica submissão completa. Se pertencemos a Cristo, se Ele é nosso dono, então o comando de nossa vida não é a nossa vontade, mas a vontade dEle, a vontade de nosso Mestre.
Terceiro: devoção singular. Nenhum escravo se preocupava em obedecer outros mestres, sua principal preocupação era com a realização da vontade daquele a quem ele pertencia. Nosso Mestre, o próprio Senhor Jesus, nos lembra em Mateus 6.24: “ninguém pode servir a dois senhores, porque ou há de odiar a um e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro.” O evangelista século XIX George Müller capturou lindamente o espírito de escravidão a Cristo quando escreveu:
“Houve um dia em que morri, absolutamente morri, morri para George Müller e suas opiniões, preferências, gostos e vontade; morri para o mundo, sua aprovação ou censura; morri para a aprovação ou acusação de meus próprios irmãos e amigos, e desde então tenho estudado apenas para mostrar-me aprovado a Deus” (citado em Escravo).
O escravo de Cristo é singularmente devoto.
Em quarto lugar, o escravo também é marcado por uma total dependência – ele era completamente dependente de seu dono para a provisão das necessidades básicas da vida. Da mesma forma, o cristão deve humildemente depender inteiramente da benevolência de nosso Mestre, e de nenhuma maneira de nós mesmos (Mateus 5.3; 1 Pedro 4.11). E porque Ele é um Mestre amoroso e bondoso, todas as nossas necessidades são satisfeitas e nós somos livres para servir nosso Mestre sem obstáculos e com todo o entusiasmo e alegria. Finalmente, o escravo era pessoalmente responsável perante seu mestre. E da mesma forma, Cristo é Aquele a quem vamos responder – Aquele a quem vamos prestar contas. E essa realidade será influenciada por como nos comportamos agora (2 Coríntios 5.9-10).
Cristãos, mais fundamentalmente, são escravos de Cristo.
Um Prazeroso Vínculo
Mas, ao contemplar essas cinco características, espero que você reconheça que a escravidão a Cristo não é um trabalho penoso. Este não é um relacionamento tirânico e despótico alimentado pelo medo abjeto e submissão forçada. A imagem não é de alguém cuja vontade é constantemente frustrada pelos caprichos de seu mestre, mas de alguém cuja vontade é, ao longo do tempo e de repetida exposição ao Mestre, amorosa e felizmente conformada à vontade do Mestre. Alexander Maclaren chamou de “mistura e absorção de minha própria vontade em Sua vontade.” Então não é simplesmente, “eu faço o que Ele quer, não o que eu quero”, mas, “enquanto Ele me ensina e me mostra mais de Si mesmo, o que eu quero se torna o que Ele quer.”
O status de escravo nem sempre era necessariamente desonroso. Ao invés disso, o status do escravo estava ligado ao status de seu mestre. Era uma grande honra ser considerado um escravo de César. E da mesma forma, para os cristãos, ser escravos de Cristo é, como MacArthur diz, “não só uma afirmação de sua completa submissão ao Mestre, mas também uma declaração da posição privilegiada que cada cristão goza por estar associado ao Senhor. Nenhuma filiação poderia ser maior que essa” (Escravo, 97). Na verdade, a Escritura aplica essa designação para o próprio Cristo em Filipenses 2.7, onde nos é dito que em sua encarnação, Cristo assumiu a forma de um escravo. Assim, quando nos submetemos inteiramente à sua regra de amor, não só o honramos como nosso Mestre, mas o seguimos no Seu exemplo.
Minha pergunta é: esta sua identidade? Você aceita de bom grado este título: um escravo de Cristo? A realidade de ser propriedade exclusiva e pessoalmente responsável estimula você a ser completamente submisso? Singularmente devoto? Totalmente dependente? Ao empregar a metáfora de escravos, é assim que as Escrituras descrevem um verdadeiro crente em Cristo.