Introdução ao Evangelho (4)

(Esta é a última parte do artigo. As outras três estão aqui, aqui e aqui.)

Um Evangelho que vem antes de tudo.

Por Paul Washer

“Antes de tudo…” (1 Coríntios 15:3)

Não há palavra ou verdade de maior importância do que o Evangelho de Jesus Cristo. As Escrituras estão cheias de mensagens. A

menor delas é mais valiosa do que toda a riqueza do mundo e mais importante do que os maiores pensamentos jamais formados na mente do homem. Se a poeira das Escrituras é mais preciosa do que ouro [26], como podemos calcular o valor ou a importância do Evangelho?

Mesmo dentro da Bíblia, a mensagem do Evangelho não tem comparação. A história da criação, apesar de ser descrita com esplendor, curva-se diante da mensagem da cruz. A Lei de Moisés e as palavras dos profetas apontam para longe de si mesmas, para esta mensagem única de redenção. Até a Segunda Vinda, que nos deixa maravilhados, permanece na sombra desta única palavra. Não é exagerado dizer que o Evangelho de Jesus Cristo é a maior e mais essencial mensagem, a acrópole[27] da fé cristã e fundamento da esperança do crente. Não há nada mais importante, nada mais útil, nada mais necessário para a promoção da glória e do Reino de Deus!

Se isso é verdade, deveríamos ter essa magnífica obsessão em compreender o Evangelho. É uma tarefa impossível, mas vale cada grama de esforço gasto, pois todas as riquezas de Deus e cada prazer verdadeiro para o crente são encontrados ali. Vale a pena nos desligarmos de todos os empreendimentos menores e prazeres inferiores para podermos sondar as profundezas da graça de Deus revelada nesta única mensagem. Uma bela ilustração de tal paixão é encontrada em Jó 28:1-9:

Na verdade, a prata tem suas minas, e o ouro, que se refina, o seu lugar. O ferro tira-se da terra, e da pedra se funde o cobre. Os homens põem termo à escuridão e até aos últimos confins procuram as pedras ocultas tas trevas e na densa escuridade. Abrem entrada para minas longe da habitação dos homens, esquecidos dos transeuntes; e, assim, longe deles, dependurados, oscilam de um lado para outro. Da terra procede o pão, mas embaixo é revolvida como por fogo. Nas suas pedras se encontra safira e há pó que contém ouro. Essa vereda, a ave de rapina a ignora, e jamais a viram os olhos do falcão. Nunca a pisaram feras majestosas, nem o leãozinho passou por ela. Estende o homem a mão contra o rochedo e revolve os montes desde as suas raízes.

Mesmo no mundo ancestral de Jó, havia homens que queriam se esforçar até o limite mais extremo, privavam-se da vida na superfície, cavavam a rocha sólida em trevas e profundas sombras, arriscavam a vida e o corpo, e não deixavam nenhuma pedra intocada na sua busca por tesouros desta terra. Quanto mais nós, que fomos iluminados pelo Espírito Santo, e provamos a boa Palavra de Deus e os poderes da Era por vir [28], deveríamos desejar deixar as coisas menos gloriosas para perseguir as glórias de Deus no Evangelho de Jesus Cristo.

Por que, então, uma paixão verdadeira pelo Evangelho é algo tão raro no meio do povo de Deus? Primeiro, porque o Evangelho comumente pregado hoje é uma versão terrivelmente reduzida e truncada do original. O Evangelho de Deus não pode ser contido num trato nem resumido a umas poucas leis espirituais. É bom entender que Deus tem um plano, que nós somos pecadores, e que Cristo morreu e ressuscitou para que pudéssemos ser salvos pela fé, mas isso é apenas o princípio. E quando buscamos na Bíblia, e descobrimos o significado dessas coisas que nós percebemos que estamos em uma jornada que vai durar além das nossas vidas e mais milhares de eternidades. Com cada nova verdade descoberta, nós somos mais e mais capturados pela glória do Evangelho até que ele consuma nossos pensamentos e governe nossa vontade. Esta exploração no Evangelho é necessária se nós pretendemos ser apaixonados a respeito disso.

Uma segunda razão para a falta de paixão é que o Evangelho é visto por muitos como uma Introdução ao Cristianismo, ou o passo de bebê para a fé que é rapidamente aprendido e deixado para trás por coisas mais profundas. Nada poderia estar mais distante da verdade! O Evangelho é a “coisa profunda” do cristianismo! Escatologia e o livro do Apocalipse serão completamente aprendidos na segunda vinda, mas nossa busca pelo conhecimento do Evangelho vai continuar por toda a eternidade. O maior dos cristãos nunca irá se tornar um mestre do Evangelho, mas todos os verdadeiros cristãos terão o evangelho por mestre.

Um Evangelho pronunciado e entregue.

“…vos entreguei o que também recebi…” (1 Coríntios 15:3)

No texto acima, aprendemos duas importantes verdades a respeito do Evangelho – ele é pronunciado, e é para ser entregue Quando o apóstolo Paulo escreve que ele “recebeu” o Evangelho, ele está falando de uma revelação especial. Ele não fabricou esta mensagem, nem pegou emprestada de outros. Em vez disso, uma revelação extraordinária de Jesus Cristo veio  a ele. Em Gálatas 1:11-12, Paulo descreve esta experiência em maiores detalhes:

Faço-vos, porém, saber, irmãos, que o evangelho por mim anunciado não é segundo o homem, porque eu não o recebi, nem o aprendi de homem algum, mas mediante revelação de Jesus Cristo.

Existe apenas um único Evangelho verdadeiro. Ele nasceu no coração de Deus e foi pronunciado para a igreja por meio dos apóstolos. Estes homens, sob a inspiração do Espírito Santo, eram bastante claros a respeito do conteúdo de seu evangelho e de sua imutabilidade. Ele não deveria ser mudado ou adaptado para agradar o paladar de diferentes culturas ou épocas, mas deveria ser tida na mais alta conta como verdade absoluta. Nós que nos tornamos recebedores e mordomos deste Evangelho faríamos bem e escutar aos seus avisos e lidar com o Evangelho com o maior cuidado, até mesmo com temor. Judas nos exorta a batalhar por essa fé que de uma vez por todas foi entregue aos santos[29]. Paulo nos admoesta a guardá-la como um tesouro que nos é confiado[30] e até vai mais longe a ponto de pronunciar uma maldição sobre qualquer homem ou anjo que tente adaptar a mensagem do Evangelho para alguma noção preconcebida de cultura ou religião:

Mas, ainda que nós ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além do que vos temos pregado, seja anátema. Assim, como já dissemos, e agora repito, se alguém vos prega evangelho que vá além daquele que recebestes, seja anátema.[31]

Cada geração de cristãos precisa perceber que um Evangelho “eterno” foi anunciado a eles. Como mordmos, é nosso dever preservar este Evangelhos sem adições, subtrações ou quaisquer sortes de modificações. Alterar o Evangelho em qualquer sentido é amaldiçoar nossas próprias almas, e anunciar um evangelho corrupto para a geração seguinte. Por esta razão, o apóstolo Paulo alertou o jovem Timóteo a tomar as dores com as verdades que lhe são confiadas, e prometeu a ele que fazendo assim ele iria assegurar a salvação para ambos, ele mesmo e aqueles que o ouvissem [32]

Nós, que recebemos o Evangelho, temos a temerosa obigação de entregá-lo. Esta obrigação náo é apenas para com Deus, mas também para com nossa própria geração e para com as gerações que ainda virão. Embora o Evangelho possa ser corrompido em um instante, a Igreja pode levar anos, até mesmo séculos para recuperá-lo. Se a história da Igreja nos ensina algo, é que em meio a vários movimentos heréticos, há algumas poucas reformas genuínas. Não há nada pior do que mantermos o silêncio enquanto um mundo perdido corre precipitadamente para o inferno. É o crime de pregar a eles um evangelho aguado, esculpido para a cultura, um evangelho truncado que permite a eles viver uma aparência de santidade, enquanto negam o seu poder [33], professar conhecer Deus, enquanto o negam com suas obras [34], e chamarem Jesus de “Senhor, senhor”, enquanto não fazem a vontade do Pai. Ai de nós se não pregarmos o Evangelho, mas Ai ainda mais se nós o fizermos de modo incorreto![36]

Um Evangelho para ser Explicado.

“…que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras…” (1 Coríntios 15:3-4)

O Evangelho é tudo no Cristianismo e nas Escrituras [37], mas nem tudo no Cristianismo ou nas Escrituras é o Evangelho. Cura física, um bom casamento, cuidado providencial de Deus, embora sejam embasados sobre e venham do Evangelho, não são o Evangelho. O Evangelho é uma mensagem muito específica nas Escrituras, e o texto acima nos mostra essa mensagem de maneira clara e concisa. Nestas simples frases pode ser encontrada a salvação do mundo.

Do nosso texto, aprendemos que o Evangelho de Jesus Cristo descansa sobre duas grandes colunas – Sua morte e ressurreição. A referência ao seu sepultamento é importante por duas razões. A primeira é que isso foi profetizado e cumprido. A segunda é que ele valida Sua morte e prepara o terreno para Sua ressurreição e ascensão. Uma consideração completa destas duas grandes verdades está além do escopo deste artigo. Por agora, temos um único objetivo, e é demonstrar a grande necessidade não apenas de proclamar estas verdades, mas de explicá-las.

A grande tarefa do cristão evangelista[38] compreende tanto a proclamação como um arauto quanto a exposição como um escriba. As Escrituras estão repletas de tais exemplos. Felipe aponta Cristo ao eunuco etíope por meio de sua explicação da profecia de Isaías [39]. Priscila e Áquila tomaram Apolo para explicá-lo o caminho de Deus mais acuradamente [40]. Paulo o apóstolo encontrou com os judeus de Tessalônica por três sábados seguidos e discutiu com eles a partir das Escrituras, “explicando e dando evidência de que o Cristo tinha de sofrer e ressuscitar dos mortos”[41]. Finalmente, há o maior Expositor de todos, nosso Senhor Jesus Cristo, que explicou Deus ao homem em Sua encarnação [42] e explicou o Evangelho aos Seus discípulos aturdidos na estrada para Emaús.

“E, começando por Moisés, discorrendo por todos os Profetas, expunha-lhes o que a seu respeito constava em todas as Escrituras.”[43]

Nós não somos chamados apenas para proclamar a verdade, mas para explicá-la aos nossos ouvintes. Nós precisamos dizer a eles que eles pecaram, mas precisamos também explicá-los o mal disso e as terríveis consequências que se seguem. Nós precisamos proclamar a morte de Cristo, mas precisamos também explicar o porquê dela ser necessária e o que ela realizou. Precisamos declarar Sua ressurreição e ascensão, mas também temos que explicar o que eles significam para nossa salvação e para o governo do universo. Devemos contar a eles o que Ele fez, mas temos também que explicar a eles o que eles devem fazer. Proclamações e palavras nesta forma são importantes, mas apenas até o grau em que são propriamente definidas e aplicadas. Este é o caso do Evangelho.

[26] Jó 28:6

[27] “Acrópole”: Do grego a palavra akro significando “alto” e polis significando “cidade”. Este é o ponto alto ou citadela da fé cristã, ou sua cidade fortificada.

[28] Hebreus 6:4-5

[29] Judas 1:3

[30] II Timóteo 1:14

[31] Gálatas 1:8-9

[32] I Timóteo 4:15-16

[33] II Timóteo 3:5

[34] Tito 1:16

[35] Mateus 7:21

[36] I Corintios 9:16

[37] De uma forma em que é a grande e essencial verdade do cristianismo e das Escrituras

[38] O termo está sendo usado de forma ampla em referência a qualquer cristão que está pregando ou compartilhando o Evangelho

[39] Atos 8:26-35

[40] Atos 18:26

[41] Atos 17:1-3

[42] João 1:18 – A palavra “explicou” é traduzida da palavra grega exegéomai que significa desenhar ou revelar um ensinamento ou verdade.

[43] Lucas 24:27 – A palavra “explicou” é traduzida da palavra grega diermeneúo que significa descobrir o significado de alguma coisa, explicar ou expor.

Traduzido por Daniel TC | iPródigo | original aqui.