Qualquer um que conheça alguma coisa sobre os evangelhos – e mesmo aqueles que não conhecem – sabe que Jesus era amigo de pecadores. Ele muitas vezes atraia a ira dos escribas e fariseus por comer com pecadores (Lucas 15.2). Jesus claramente reconheceu que um dos insultos atirados contra ele era que ele era “um glutão e bebedor de vinho, amigo de publicanos e pecadores!” (Lucas 7.34). Nós cristãos adoramos essa história porque ela significa que Jesus é amigo de pecadores como nós. Também nos sentimos desafiados pelo exemplo de Jesus a nos certificarmos que não rejeitamos ninguém de alguma forma que Jesus jamais faria.
Por mais preciosa que essa verdade seja – que Jesus é amigo de pecadores – como qualquer outra verdade preciosa da Bíblia, ela deve ser protegida de erros doutrinários e éticos. É muito fácil, e incrivelmente comum, que cristãos (ou não cristãos) peguem a verdade geral de que Jesus era amigo de pecadores e a torcem até não ser mais reconhecida. Assim, “Jesus comia com pecadores” se torna “Jesus adorava uma boa festa”, que se torna “Jesus estava mais interessado em demonstrar amor do que tomar partido”, que se torna “Jesus sempre estava do lado dos não religiosos”, que se torna “Jesus pouco se importava com as violações da Torá”.
Aqui temos um exemplo de como uma verdade pode ser usada como uma meia verdade a serviço de uma mentira. Certa vez, quando era mais novo no ministério, fiz um comentário corriqueiro sobre como Jesus “andava com os bêbados”. Fui sabia e gentilmente corrigido por um cristão mais velho que já tinha enfrentado problemas de vício em álcool. Ele me desafiou a encontrar qualquer passagem da Escritura em que Jesus estivesse apenas “andando” com pessoas em estado de embriaguez. Na tentativa de acentuar a graça de Cristo, pisei além (ao redor, por cima e para longe) do texto bíblico e falei como se Jesus não gostasse de outra coisa além de jogar tempo fora com o Zach Galifianakis em Se beber não case.
Se queremos celebrar o fato de que o Senhor Jesus é um grande amigo de pecadores – e deveríamos – precisamos prestar cuidadosa atenção às formas em que Jesus de fato foi amigo de pecadores. Fora a história da mulher pega em adultério (por motivos de crítica textual), eu contei cinco passagens principais nos evangelhos onde Jesus foi repreendido por estar perto demais dos pecadores.
Mateus 9.9-13; Marcos 2.13-17; Lucas 5.27-32 – Essa é a história do chamado de Mateus, o coletor de impostos, para ser seu discípulo. Aqui vemos Jesus tomando lugar à mesa com muitos coletores de impostos e pecadores “porque estes eram em grande número e também o seguiam” (Marcos 2.15). Quando os escribas e os fariseus murmuram a respeito de suas companhias, Jesus diz a eles que não veio “chamar justos, e sim pecadores, ao arrependimento” (Lucas 5.32).
Mateus 11.16-19; Lucas 7.31-35 – Aqui Jesus repreende os “homens da presente geração” porque rejeitaram João Batista, por ele ser muito rígido, e rejeitaram o Filho do Homem por ser muito relaxado. É desse incidente que temos a frase “amigo de pecadores”. Vale notar que esse foi um insulto direcionado a Jesus por seus inimigos. Isso não significa que Jesus não o era e que não deveríamos cantar sobre isso, mas essa passagem sugere que Jesus não se encaixava de todas as maneiras nessa descrição. Se Jesus não era “um glutão e bebedor de vinho”, como seus oponentes diziam, talvez ele também não fosse “amigo de publicanos e pecadores” da mesma maneira que eles imaginavam.
Lucas 7.36-50 – Logo após vem outra história parecida em Lucas. Uma mulher pecadora unge Jesus com um perfume precioso, enxuga os pés de Jesus com suas lágrimas e com seu próprio cabelo. Quando Jesus é corrigido por deixar essa “pecadora” tocá-lo, ele lembra a Simão que aqueles a quem muito é perdoado amam muito. No fim, Jesus perdoa a mulher de seus pecados e anuncia “A tua fé te salvou; vai-te em paz” (Lucas 7.50).
Lucas 15.1-2 – O contexto das parábolas da ovelha perdida, da moeda perdida e do filho perdido em Lucas 15 está nos primeiros versos do capítulo. Conforme os publicanos e pecadores “aproximavam-se de Jesus”, os fariseus e escribas murmuravam que Jesus estava os recebendo e comendo com eles. As três parábolas que se seguem demonstram como Deus busca os perdidos (15.3, 8, 20) e o quão feliz Deus fica quando pecadores se arrependem (15.7, 10, 21-24).
Lucas 19.1-10 – Novamente, os líderes judeus murmuram porque Jesus “ele se hospedara com homem pecador” (Lucas 19.7). Por mais que Zaqueu tenha se arrependido e mudado (19.8), os judeus simplesmente não conseguem aceitar que o Filho do Homem tenha vindo para buscar e salvar os perdidos (19.10) e que esse publicano famoso tenha sido salvo (19.9).
Assim, que lições podemos tirar desses episódios? De que forma Jesus era amigo de pecadores? Ele tinha uma estratégia para alcançar coletores de impostos? Ele “andava” indiscriminadamente com beberrões e prostitutas? Ele era um messias do relaxado do tipo “deixa a vida me levar”? O que vemos do conjunto dessas passagens é que os pecadores eram atraídos por Jesus, que Jesus gastava tempo com esses pecadores que estavam abertos a seus ensinamentos, que Jesus perdoava pecadores arrependidos e que Jesus abraçava pecadores que criam nele.
Jesus era amigo de pecadores não porque fazia vista grossa ou ignorava o pecado ou gostava de uma festinha com aqueles que se envolviam com imoralidade. Jesus era amigo de pecadores no sentido de que veio para salvar pecadores e ficava muito feliz em receber aqueles que estavam abertos ao evangelho, que se arrependiam de seus pecados ou que estavam no caminho para colocar sua fé nele.