Produzir cultura, influenciar a cultura, transformar as cidades – os evangélicos têm falado muito sobre esses assuntos já há alguns anos. Grande parte do foco tem sido direcionada para o envolvimento político, a renovação dos centros urbanos ou a produção de arte que reflita a beleza e a glória de Deus.
Infelizmente, quando se trata de produção cultural, somos tão aptos para pensar grande que empregamos nossa energia em áreas nas quais normalmente temos pouca influência. Como resultado disso, perdemos oportunidades de sermos agentes de transformação no lugar em que temos mais influência direta: nossos lares.
Avaliando a cultura de um lar
Alguns anos atrás, eu trabalhei como tutor subsidiado pelo governo para crianças do ensino fundamental que estavam com dificuldades de acompanhar o ritmo dos estudos. Durante vários meses, gastei muitas horas por semana com oito crianças diferentes. Não sou um psicólogo e admito que as minhas primeiras impressões talvez estejam equivocadas, mas ao observar essas famílias durante esse período de vários meses foi o suficiente para me ajudar a formular algumas impressões sobre a dinâmica familiar.
- Em uma das casas, a tensão entre os membros da família era tão palpável que eu não via a hora de ir embora. E imagino que a criança que eu estava ajudando também adoraria fugir de lá.
- Em outro lar, a casa era tão bagunçada e suja que não era de se surpreender que o senso de desorganização fora transferido para a pequena garotinha, que tentava ao máximo melhorar suas notas, apesar do caos que a cercava.
- Em outro, uma família fruto de segundos casamentos, os pais e os filhos estavam juntos fisicamente, mas não emocionalmente, principalmente porque o homem e a mulher ainda não haviam, de fato, casado.
Em cada casa havia sinais do que era priorizado. Desde os móveis aos bichos de estimação e a tecnologia – era fácil perceber a dinâmica da família e a cultura do lar.
Desde essa época, eu tenho me perguntando como os visitantes poderiam avaliar a dinâmica do nosso lar. Se houvesse câmeras filmadoras escondidas em todos os cantos, que imagem isso passaria? Que tipo de cultura estamos criando? Como é a atmosfera do nosso lar? O que as “coisas” do nosso lar comunicam aos nossos filhos (e aos outros) sobre o que pensamos ser importante?
Artefatos culturais
Uma das formas mais sutis em moldamos a cultura de nossos lares é através do uso proposital de artefatos culturais. Um objeto cultural (como a mesa da cozinha, por exemplo) retrata algo sobre o mundo: a comida é essencial para a vida humana. E também carrega algumas impressões sobre como o mundo deveria ser: a comida deve ser consumida em família, em comunhão.
Eu me lembro da minha surpresa ao ler algumas pesquisas recentes sobre como ter muitos livros em casa pode melhorar a educação das crianças. Estudos sugerem que o impacto se deve à “cultura escolar” dos lares. A mera presença da literatura no lar pode ter um profundo impacto na família.
Brinquedos, eletrônicos e decorações ajudam a moldar (direta ou indiretamente) a cultura de nossos lares. Digamos que você tem um filho, pequeno, e você visita uma casa onde há itens delicados de decoração e porcelana chinesa por todos os lados. A chance de você passar a visita inteira em alerta é grande. Os anfitriões podem ser calorosos e receptivos, mas os objetos do ambiente criam uma atmosfera que diz “crianças não são bem vindas”.
Considere o lugar da televisão. Há 10 anos, quando meus pais se mudaram para uma casa nova, eles decidiram cobrir a TV da “sala grande” com um enorme retrato da família. Agora, sempre que a família se reúne e passa algum tempo na sala de estar, não nos distraímos com o “ruído” constante da TV ao fundo. Nós focamos uns nos outros. A decisão de cobrir a TV com o retrato da família criou uma atmosfera que priorizava a família e os relacionamentos, ao invés do entretenimento.
Possibilidades e impossibilidades
Diferentes famílias chegam a diferentes conclusões sobre como podem moldar a cultura de seus lares. Não há regras simples e diretas. Mas é, pelo menos, de algum uso, pensar nas possibilidades e impossibilidades criadas pelos objetos culturais que trazemos aos nossos lares.
- Para alguns, um smartphone torna possível a comunicação constante. Ao mesmo tempo, um smartphone torna quase impossível dar atenção exclusiva a qualquer coisa ao seu redor.
- Para outros, o Nintendo Wii é uma boa aquisição para o lar, pois possibilita que as famílias joguem juntas, como muitas faziam com os jogos de carta e de tabuleiros há algumas gerações. Muitas dessas mesmas famílias vão rejeitar o Nintendo DS pelo potencial de isolar os membros da família uns dos outros e levar as crianças menores a algum nível de vício. Outras famílias simplesmente proibirão os jogos eletrônicos.
- Para algumas famílias, é importante que a sala de estar seja grande e aconchegante, mesmo que isso signifique ter quartos menores que o normal, para cultivar mais “tempo em família”. Para outros, quartos grandes com banheiro são importantes, para poder receber visitas que passam a noite.
Uma atmosfera de graça
Como pais cristãos, não só somos responsáveis por pensar com cuidado nos artefatos culturais que trazemos aos nossos lares. Também somos responsáveis por cultivar uma atmosfera de graça. É por isso que devemos estar sempre prontos a confessar abertamente nossos pecados para os outros e também para perdoar.
É fácil para muitos pais pensar que admitir erros e pecados é um sinal de fraqueza que a criança vai explorar. Mas ao falharmos em confessar nossos pecados, nós, de forma não intencional, criamos uma cultura de rancor. Nossas crianças aprendem rapidamente a imitar a forma em que transferimos a culpa de nós para os outros e tentamos justificar nossas ações. Quando reclamamos e somos impacientes, eles reclamam e são impacientes. É muito fácil que a cultura de um lar se degenere rapidamente em períodos de isolamento e silêncio, ao invés de momentos de comunhão, lazer e liberdade, reflexos do evangelho sendo aplicado aos nossos corações.
Molde a sua cultura
Moldar a cultura de um lar é um trabalho pesado. É um processo contínuo que demanda planejamento cuidadoso e atenção constante. Muitas vezes não pensamos no impacto que as nossas decisões terão na cultura do lar até que já as tenhamos tomado. Minha esposa e eu ainda estamos descobrindo como fazer isso. Mas, pela graça de Deus, temos tentado criar uma atmosfera de desenvolvimento humano, onde o contentamento é constante e o amor de Deus é palpável.