Em O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa, C. S. Lewis descreve Nárnia como um lugar onde é “sempre inverno, mas nunca Natal”. Essa é uma maneira ótima de explicar para uma criança (e para todos nós) com o que desespero e degradação frios se parecem. “Sempre inverno” – tudo está congelado, morto, incapaz de crescer ou amadurecer; “nunca Natal” – sem presentes, sem jantar em família, sem o calor do fogo, sem expectativas.
Nós entramos na época da “expectativa”. Cristãos por todo o mundo arrumam suas casas de uma forma particular, em referência ao maravilhoso mistério da Encarnação. Esse incompreensível dom da graça é o foco central da fé cristã. Sem ele, não há Cristianismo, porque sem ele, não há Cristo. Um lugar onde é “sempre inverno, mas nunca Natal” é um lugar sem a Encarnação, sem a esperança da salvação.
Nós podemos louvar e agradecer a Deus porque nunca houve, nem jamais haverá tal lugar. Mesmo antes da entrada do pecado, Deus condescendeu em Seu Filho para falar com Adão e Eva e caminhar no Jardim. A condescendência de Deus, na pessoa de Seu Filho, foi uma constante garantia do relacionamento com o homem, a aliança, que Deus estabeleceu unilateralmente.
Um lugar onde é “sempre inverno, mas nunca Natal” é um lugar sem a Encarnação, sem a esperança da salvação.
Mas, então, o pecado do homem arruinou tudo. Deixado por conta própria, o mundo se tornaria um lugar onde seria “sempre inverno”. Todavia, o Senhor Deus recusou-se a deixar a criação definhar. Mesmo com os efeitos devastadores do pecado, esse habitat agora destroçado pelo homem não seria para “sempre inverno”. Em Sua graça, o Senhor determinou, de acordo com Seu próprio cronograma, combater e vencer o pecado que trouxemos sob nós mesmos e o resto de Sua criação. Assim, para a serpente, Deus disse (Gn 3.15):
E porei inimizade entre ti e a mulher,
e entre a tua semente e a sua semente;
esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar.
Esse verso é geralmente chamado de protoevangelho, o “primeiro evangelho”. É a garantia do Senhor de que Seu mundo jamais será um lugar onde é “sempre inverno”. É a promessa de que os cristãos virão, porque Cristo virá.
Os santos do Antigo Testamento conheciam essa promessa, e eles esperavam por ela. Hebreus 11 é um relato de apenas alguns daqueles que, pela fé sabiam o que Deus tinha reservado para Seu povo. A maneira como o Senhor tratou Seu povo, de Gênesis 3 em diante, foi a condescendência, isto é Ele desceu para falar com eles, lutar com eles, prometer-lhes a redenção definitiva e deixar-lhes claro o que Ele exigia deles.
“Desci para livrá-lo” (Ex 3.8) era o constante refrão da história redentiva. Todo aquele que ouvia ou lia corretamente o que Deus estava revelando no Antigo Testamento cantava esse refrão, e de coração.
E, então, aconteceu. Quando o tempo se cumpriu, o mesmo Filho que havia condescendido desde o princípio do tempo condescendia agora como nascido de uma virgem. Ele foi enviado pelo Pai, e Ele foi concebido, não naturalmente, mas pelo próprio Deus Espírito. A mensagem do Natal é a mensagem do Deus Triúno redimindo Seu povo por meio dAquele que, desde o princípio, tem sido o Mediador entre Deus e o homem – o próprio Filho de Deus, que agora vem como o Senhor Jesus Cristo. O Guerreiro Divino do Antigo Testamento inaugurou uma nova e superior aliança; Ele veio para conquistar e Ele conquistou ao sujeitar-Se ao pecado que era somente nosso. Ele tornou-Se o que não era para que pudéssemos nos tornar o que não somos. Essa é a mensagem cristã, e é a mensagem que ressoou através da história desde Gênesis 3. É a mensagem que toda a história a.C. (antes de Cristo) antecipou, e é a mensagem que toda história A.D. (anno domini) evoca. O ponto crucial da história é a cruz de Cristo.
A mensagem do Natal é a mensagem do Deus Triúno redimindo Seu povo por meio dAquele que, desde o princípio, tem sido o Mediador entre Deus e o homem – o próprio Filho de Deus.
Dessa forma, a condescendência do Deus Triúno, com seu foco no Filho, é tão presente na história quanto o próprio tempo. Nunca houve um tempo quando Deus, no Filho, não condescendeu, a fim de estabelecer e manter um relacionamento com o homem. Nunca houve um tempo, desde a queda, em que o Filho não condescendeu para libertar, redimir e adotar Seu próprio povo.
Porém, mesmo que a condescendência de Deus seja, literalmente, um evento “cotidiano”, nunca devemos considerá-lo ordinário. Este é, em resumo, o ato mais extraordinário que Deus poderia ter iniciado. Para condescender, Deus (Filho) precisou assumir características que não eram “naturalmente Suas. Seu “rebaixamento” foi uma condescendência custosa. Foi um ato de humilhação, de autonegação, de sacrifício e em favor daqueles que não mereciam nada do tipo.
Mesmo em Sua humilhação, o Filho de Deus em momento nenhum deixou de ser plena e completamente Deus. Seu rebaixamento não foi um ato de Deus negando a Si mesmo, como se Ele decidisse não ser Deus – o que, deveríamos saber, é completamente impossível. Mas isso não minimiza de forma alguma ou reduz de alguma maneira a extensão, a intensão, a intensidade, a dor, a agonia da humilhação a que o Filho foi submetido.
Aqui, então, está um projeto de Natal, um projeto que pode ocupar a mente por toda uma vida, e não apenas durante o Natal. Medite sobre a realidade da condescendência de Deus em Cristo. Pense sobre o fato incompreensível da Encarnação. Que aquilo que foi tão “ordinário” durante todo o curso da história também é completamente impensável e além da imaginação humana. Era isso que Paulo estava defendendo aos coríntios. Embora ele estivesse determinado a nada saber entre eles, senão Jesus Cristo e Este crucificado (1 Co 2.2), esse próprio conhecimento não era “sabedoria deste mundo, nem dos príncipes deste mundo” (1 Co 2.6). Com efeito, o que Paulo estava compartilhando com os cristãos coríntios era algo que nenhum olho viu, nenhum ouvido ouviu, nem penetrou em coração humano (1 Co 2.9). Todavia, todo tópico de apologética que tem sido abordado tem sua resolução final nesta verdade. (N.T.: Esse texto é parte de uma longa série sobre apologética do autor)
Qualquer estudo da história das religiões mostrará rapidamente que o coração do homem nunca imaginou que, para libertar o homem da prisão de sua própria armadilha mortal, Deus teria de Se deixar ser preso. Todas as outras religiões ensinam, de uma forma ou de outra, que nós podemos nos livrar dessa bagunça; assim, cabe a nós livrar-nos dela. Muitas religiões ensinam que é indigno para Deus precisar rebaixar-Se ao nosso estado infeliz para ajudar-nos. Se Ele fizesse algo assim, afirmam, Ele também deixaria de ser Deus.
Mas é justamente esta a beleza do Natal. O Credo de Calcedônia (451 AD), por exemplo, afirma que o Filho de Deus, a segunda pessoa da Trindade é “Um só e mesmo Cristo, Filho, Senhor, Unigênito, que se deve confessar, em duas naturezas, inconfundíveis e imutáveis, conseparáveis e indivisíveis…”. Portanto, a segunda pessoa da Trindade, que é totalmente Deus, ao assumir uma natureza humana, tornou-se o Senhor Jesus Cristo. Esse Cristo é aquele que, assumindo uma natureza humana, tem agora duas naturezas. Mas é absolutamente essencial perceber que em ser uma pessoa com duas naturezas, essas naturezas de forma alguma se confundem – como se o divino se tornasse humano –, mudam – como se o divino ou humano se tornasse algo mais –, dividem-se – como se uma natureza pudesse, em Cristo, ser removida dele – ou separam-se – como se as duas naturezas exigissem duas pessoas. Em outras palavras, historicamente, o Cristianismo afirma que há propriedades que somente Deus tem (e que são essenciais a ele) e propriedades da criação, as quais podem ser unificadas em uma pessoa, sem que qualquer “lado” dessas propriedades perca o que elas são em essência. O divino permanece divino e o humano, humano. Ainda assim, elas são unificadas em uma pessoa. A pessoa que tornou-se homem, permaneceu completamente Deus. Ninguém jamais imaginou coisa assim.
Mas Deus não somente imaginou, ele decretou e agiu de acordo. Deus, embora permanecendo Deus, tornou-se homem. Motivado por nada senão pura e cristalina graça, Ele decidiu salvar e viver eternamente com um povo indigno e inamável. É realmente surpreendente que o anúncio do Natal exigiu um anjo, com uma hoste angelical louvando a Deus (Lc 2.9-14)? Como uma realidade tão insondável poderia ser revelada?
Deus, embora permanecendo Deus, tornou-se homem. Motivado por nada senão pura e cristalina graça, Ele decidiu salvar e viver eternamente com um povo indigno e inamável.
Desde a entrada do pecado, Deus tem garantido que nunca será “sempre inverno”. O Natal está tão engastado na história da redenção quanto o próprio tempo. Ele é tudo, menos ordinário. É a forma mais elevada do caráter inescrutavelmente glorioso de Deus. É digno de uma vida inteira de meditação. Pensar sobre o Natal inevitavelmente encorajará santidade e humildade. Encorajará o avanço em tornar-se mais e mais como Aquele que esvaziou-Se a Si mesmo, para que nós pudéssemos ser plenos. Para aqueles que confiam em Cristo, este mundo, não importa sua ruína, é um lugar onde é “sempre Natal, nunca inverno”. “Glória a Deus nas maiores alturas, e paz na terra entre os homens de boa vontade!”.