O papado e os três ofícios de Cristo (2)

por Emilio Garofalo Neto
por Emilio Garofalo Neto

OFÍCIO REAL

Muitas vezes em exames de ordenação de pastores na igreja presbiteriana, os pastores que examinam o candidato fazem a seguinte pergunta: “Quem é o cabeça da igreja?” A única resposta aceitável é: “O Senhor Jesus Cristo é o cabeça da igreja”. Eu sou pastor de uma igreja presbiteriana em Brasília; mas eu não sou o cabeça dessa igreja. Eu sou apenas um sub-pastor debaixo do comando do Bom Pastor.

O bispo de Roma se coloca como bispo dos bispos, como o líder geral da igreja na Terra. O representante de Deus no mundo.  O que isso quer dizer? Que em toda a hierarquia eclesiástica Romana, há um único homem que recebe o título de cabeça da igreja. No fundo, o que se diz é que o Papa exerce uma função semelhante à do oficio real em ser a palavra final e suprema sobre como viver nesse mundo.

Ele é supostamente o cabeça da igreja – o governante do corpo de Cristo. O problema é que a Bíblia afirma que Cristo é o cabeça do corpo (Efésios 5). Que Cristo é o rei da sua igreja. Não há nenhum homem que tenha recebido a primazia sobre os outros. O que a Bíblia reconhece e ensina é apenas a ideia de governos feitos por colegiados de homens. Inicialmente esse colegiado era composto pelos apóstolo, seguidos de um mix de apóstolos e presbíteros até chegarmos na situação atual onde o governo da igreja é feita por presbíteros apenas (que se especializam em regência ou docência).¹

O papado é uma ofensa ao ofício real de Cristo, o único senhor sobre a igreja.

OFÍCIO PROFÉTICO

Como pastor de uma igreja, tenho a responsabilidade de trazer a Palavra de Deus com fidelidade ao povo, alimentando o rebanho do Senhor com as Escrituras. Isso não significa que eu traga novas revelações; de maneira nenhuma: o que trago é a santa Escritura inspirada e útil para toda a vida. Eu apresento a palavra de Cristo, o grande profeta, a Palavra de Deus. O Espírito Santo de Cristo inspirou homens para registrar essa palavra que nos guia, ilumina e alimenta.  Mas a ICAR afirma fazer muito mais que simplesmente apresentar a palavra já completa. Há pelo menos duas maneiras pela qual a ICAR e o papado ferem o ofício profético de Jesus:

A primeira delas é por meio dos pronunciamentos ex-cathedra do papa, quando se diz que ele é inerrante. Vale notar que a ICAR não afirma que tudo que o Papa fala é inerrante, mas sempre quando ele se pronuncia desde o trono (ex-cathedra) em matérias em que exerce seu oficio como pastor e mestre dos Cristão em matérias de fé e comportamento moral.

Ora, a doutrina das Escrituras ensina que sua inerrância é derivada da inspiração do Espírito Santo que fez com que a palavra de Cristo e seus seguidores fosse gravada e preservada para a posteridade. Ao afirmar que o papa fala de maneira infalível, a ICAR está colocando, intencionalmente ou não, a palavra papal no mesmo nível das escrituras. Dizendo que a Palavra de Cristo em sua revelação e seu ofício profético não são suficientes, mas tem de ser suplementados pelos pronunciamentos papais.

O segundo problema diz respeito à equiparação da tradição da ICAR aos ensinamentos bíblicos. Muitas vezes doutrinas controversas como a perpétua virgindade de Maria não estão na Bíblia, mas são aceitas assim mesmo por Roma por serem parte da tradição do ensino da igreja.

A suficiência das Escrituras é uma doutrina maravilhosa e muitas vezes negada na teoria e na prática nas igrejas contemporâneas. O nosso entendimento é que a obra de Cristo é perfeita e completa e a escritura é a perfeita e completa palavra que registra, explica e proclama tal palavra. Nada se acrescentará. Entretanto, o ofício profético de Cristo como revelação maior e final de Deus (Hebreus 1) é atacado quando temos o acréscimo das tradições, dos concílios² e dos pronunciamentos papais.

OFÍCIO SACERDOTAL

O terceiro ofício de Cristo é o de supremo sacerdote. O livro de Hebreus praticamente todo se dedica a explicar como é que o sacrifício de Cristo foi final e suficiente para salvar o seu povo. Todos os sacrifícios e sacerdotes anteriores eram apenas sombras e prévias dele que seria o maior de todos.

Uma das coisas mais preciosas advindas da reforma é o ensinamento sobre o sacerdócio universal dos crentes. Isso significa que todos nós temos acesso livre a Deus por meio de Cristo; não precisamos mais de sacerdotes intermediando este processo.³ Este princípio é ferido de diversas maneiras pela ICAR.

Note em primeiro lugar a ideia do Papa como sendo o pontifex maximus. O que essa expressão quer dizer? Que o Papa é a ponte máxima, o caminho, o intermediário. Ele como representante divino na terra, como cabeça da supostamente única igreja verdadeira, acaba funcionando também com elo entre Deus e o mundo. Intermediário.

Todo o sistema sacerdotal Romano, com os padres, bispos e outros sendo intermediários entre Deus e o homem também ferem a obra sacerdotal de Cristo. Enquanto a Bíblia ensina que temos livre acesso, a ICAR ensina que o acesso é feito por meio da confissão ao Padre, das orações aos santos, da intercessão de Maria e sabe-se lá mais o que.

Além disto, a doutrina da missa também é ofensiva à obra de Cristo. Por quê? Não seria a missa simplesmente o equivalente católico ao culto que fazemos? De forma nenhuma. A missa é uma celebração em que o sacrifício de Jesus é supostamente perpetuado e repetido, com pão e vinho se tornando carne e sangue a o sacrifício sendo executado continuamente. Desta forma, a cruz não é mais suficiente, o brado de “está consumado” é apenas parcialmente verdadeiro; o fiel precisa necessariamente da intermediação da igreja para ter acesso aos benefícios de Cristo. O sacerdócio perfeito de Jesus é negado.

A doutrina da justificação pela fé juntamente com obras é outra forma de diminuir o que Jesus fez; ele não é suficiente em seu mérito, temos de acrescentar nossa própria justiça para nossa salvação. Essa foi e continua sendo uma das grandes controvérsias protestantes com Roma; mas infelizmente vários descendentes da Reforma têm esquecido por que é que deixaram a velha casa. Por conta disto tudo é que insistimos que não é hora de terminar nossa controvérsia com Roma. O papado é uma ofensa aos ofícios de nosso Senhor. É preciso que surja uma reforma para questionar e mudar isso tudo, elevando novamente a obra perfeita de Cristo como profeta sacerdote e rei. Espere! Já surgiu tal reforma! Por que é que insistimos em esquecer?



¹ Sim, há diversidade no entendimento disto mesmo entre protestantes. Batistas, Metodistas, neo-pentecostais e outros adotam sistemas diferentes. Mas em geral as igrejas descendentes da Reforma religiosa afirmam que apenas Jesus é o cabeça da igreja. Para uma excelente leitura sobre governo de igreja sugiro A igreja Apostólica: que significa isso? de Thomas Witherow, Editora Puritanos.

² O que não quer dizer que não tenhamos utilidade para a história da igreja, os concílios e seus documentos oficiais. Não há tempo aqui para entrar muito em detalhes, mas sugiro absoluta e fortemente que leias O Imperativo Confessional de Carl Trueman, lançado em português pela Editora Monergismo .

³ Isto é muito diferente de achar que não há nenhuma distinção entre oficiais e não-oficiais na igreja; a distinção entre presbíteros, diáconos e os que não são oficiais é bíblica e permanece, algumas funções sendo restritas aos oficiais.