O Pecado Imperdoável (2)

por Edward T. Welch

(a primeira parte deste post pode ser lida aqui)

O contexto geral do Evangelho de Mateus.

No Evangelho de Mateus, dois temas são relevantes para esta passagem: o conflito com os líderes judeus e o perdão de pecados.

Quando se trata dos líderes, Mateus não tem nada de bom para dizer. No início, João Batista confronta os líderes como “raça de víboras” (3:7). A briga de João não era com todas as pessoas. Ele focava nos líderes. Mais tarde, Jesus novamente faz uma distinção entre os líderes e o povo. O povo era caracterizado como ovelha perdida (9:36), mas os líderes – os fariseus e saduceus – eram os pastores enganosos, opressivos e egoístas. Ao longo de Mateus, as linhas da batalha vão sendo desenhadas, e os líderes continuam firmes em sua oposição a Jesus. Sem exceção, todas as menções dos líderes em Mateus são negativas. O Evangelho de Mateus chega a uma conclusão com sete “ais” de Jesus direcionados aos líderes (23), as parábolas de Jesus, que são acusações veladas aos líderes (25), e o estratagema dos líderes para encobrir qualquer evidência da ressurreição (28:11-15).

Dada esta ênfase de Mateus neste antagonismo, você fica com a impressão de que uma pessoa comum não ficaria sob a carga do pecado imperdoável. Esta impressão se encaixa no conteúdo do Evangelho. A carga é contra os líderes que estavam firmemente engajados em sua blasfêmia e oposição. Eles não estavam lutando contra pensamentos passageiros a respeito de elefantes cor-de-rosa. Ao contrário, sua blasfêmia vinha com um pacote que incluía um comprometimento de todo o coração a levar as pessoas para longe de Jesus. De todo o coração. E antagonistas ‘de todo o coração’ não se importam com o que Jesus diz.

O outro tema relevante em Mateus é o perdão dos pecados. “e lhe porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos pecados deles.” (1:21). É assim que começa o Evangelho. Em vez de dizer a um paralítico que ele estava curado, Jesus escolheu dizer “Seus pecados estão perdoados” (9:2). Desta forma ele proclamou que tinha autoridade para perdoar pecados. Mateus fecha seu Evangelho de uma forma parecida com a que começou. Imediatamente antes do Getsêmani, Jesus revelou o significado mais profundo da Páscoa quando disse “isto é o meu sangue, o sangue da aliança, derramado em favor de muitos, para remissão de pecados.” (26:28). Perdão de pecados é o coração do Evangelho de Mateus, como também é o coração das Escrituras. Não há nada de mesquinho na oferta de perdão que Jesus faz.

Quando você pede perdão, Deus perdoa. Isso é fundamental para o evangelho de Cristo. Então como esta clara verdade ajuda neste texto?

Jesus disse que haveria perdão para palavras ditas contra ele. Então porque ele diria que não haveria perdão para os pecados contra o Espírito? Parece que há algo de singular acontecendo aqui. Jesus normalmente não leva os insultos e acusações blasfemas pessoalmente (Lucas 23:33, 1 Pedro 2:23-24). Ele resolveu viver na dependência de seu Pai e do poder do Espírito (Lucas 4:14). Quando ele tomou uma posição, foi em nome do Pai (João 2:14-17) e, neste caso, em nome do Espírito Santo. Jesus estava consciente de que seus milagres eram uma consequência do poder do Espírito trabalhando nele (Lucas 5:17). Então, para ele, os Fariseus eram, em última instância, contrários ao Espírito.

Jesus estava mesmo dizendo “Vocês podem mexer comigo, ao menos neste momento da história, mas não é pra brincar nem com o Pai nem com o Espírito”? Ele estava dizendo pelo menos isso. Ele estava falando de blasfêmia persistente em vez de um momento blasfemo? Sim. Ele estava dizendo que, uma vez que os líderes não tinham nenhuma inclinação para pedir perdão, eles não receberiam perdão algum? Sim.

O contexto maior da Bíblia como um todo confirma estas direções, e nós descobrimos, como esperávamos, que as palavras de Jesus expressam o já bastante conhecido ensino do Antigo Testamento.

O contexto do restante das Escrituras.

O precedente óbvio é o Faraó do Êxodo. Como os fariseus, ele viu sinais milagrosos do Senhor e se recusou a acreditar.

Disse o SENHOR a Moisés: Quando voltares ao Egito, vê que faças diante de Faraó todos os milagres que te hei posto na mão; mas eu lhe endurecerei o coração, para que não deixe ir o povo. (Êxodo 4:21)

Então, disseram os magos a Faraó: Isto é o dedo de Deus. Porém o coração de Faraó se endureceu, e não os ouviu, como o SENHOR tinha dito. (Êxodo 8:19)

Endurecerei o coração de Faraó, para que os persiga, e serei glorificado em Faraó e em todo o seu exército; e saberão os egípcios que eu sou o SENHOR. (Êxodo 14:4)

A interação entre o Faraó endurecendo seu coração e Deus endurecendo o coração de Faraó tem mantido os intérpretes ocupados, mas pelo menos podemos dizer que o processo foi uma decisão mútua. Faraó não estava queimando de desejo de ouvir ao Senhor. Em vez disso, ele estava comprometido com a glória do Egito e os propósitos de Deus não serviam para ele.

Agora Jesus, o “Moisés” maior e verdadeiro libertador, veio com sinais milagrosos, e a história se repete. A dureza do coração de Faraó antecipou os corações dos Fariseus. Ele não queria deixar o povo livre de seu cativeiro; os Fariseus não queriam libertar o povo para a liberdade que Jesus estava dando. O opressor foi primeiro o Egito, depois Roma, mas ambos estavam prefigurando o cativeiro do pecado e da morte. Apesar da oposição, Deus vai libertar seu povo, e a resistência dos líderes a esta liberação vai apenas dar mais glória ao resgate efetuado por Deus. Nenhum poder humano pode conter o livramento final alcançado por Jesus. Esta é a verdadeira mensagem contida na interação entre Jesus e os Fariseus: Deus endurece os líderes de coração endurecido e liberta o povo. O exemplo foi no Egito; com Jesus é a coisa em si. Quando você localizar a si mesmo na passagem, localize-se entre os que são libertos.

Isso transforma completamente aquela nossa interpretação condenatória de “Este sou eu?”. Com esta história maior em vista, quando líderes endurecem seus corações e se distanciam do perdão dos pecados, e quando eles tentam influenciar outros a fazerem o mesmo, algo está prestes a acontecer. Estes eventos acontecem logo antes da glória de Deus ser mostrada para o mundo. Libertação está a caminho. A oposição dos fariseus é um sinal de que Deus está prestes a agir de forma decisiva.

Estamos agora no lado mais distante desta libertação. Jesus foi para a cruz e ressuscitou dos mortos. Agora não há hada que possa te manter longe do perdão dos pecados. A Ceia do Senhor, que nos assegura perdão dos pecados e plena comunhão com o próprio Deus, substitui a refeição da Páscoa. Alegria, e não condenação, é a ordem do dia. Ainda assim, esta libertação acontece no meio da história e não no final. No final, não haverá mais pecado, mas por enquanto, depois que Jesus foi para a cruz mas antes do retorno dele para dar um fim à injustíca, ao pecado e à morte, nós estamos todos familiarizados com o pecado. Para ser mais preciso, à medida que crescemos no conhecimento de Deus, nós vemos em nossas vidas mais pecados do que em qualquer outro tempo. O pecado pode não ser aparente em nossas ações externas, mas o Espírito Santo nos ajuda a ver que todas as nossas boas obras são, de fato, contaminadas com segundas intenções. Esta percepção pode não ser agradável no começo, mas ela não existe para nos levar ao desespero. Ao contrário, somente pecadores podem conhecer a beleza do perdão. Somente pecadores podem amar assim (Lucas 7:47)

Conclusões.

Junte todo este material, e nós podemos tirar estas conclusões.

  1. Os líderes do povo estão claramente em vista. Mateus não tem nada de bom para dizer sobre os líderes. A linguagem severa de seu Evangelho é sempre direcionada contra os líderes, não contra o povo. As pessoas comuns nunca foram os destinatários de tais castigos. Por exemplo, Pedro, quando não era ainda um líder, negou Jesus, o que certamente foi uma forma de blasfêmia, mas ele foi completamente perdoado. Em contraste, os fariseus não apenas endureceram seus corações, mas também tentaram liderar as pessoas para longe de Jesus. Uma coisa é se afastar de Jesus. Outra coisa é afastar as pessoas dele.
  2. O pecado imperdoável é “arrogante”. Ele não é o resultado de pensamentos intrusivos ou compulsivos que nós preferiríamos restringir ou apagar. Ele vem de um coração que despreza a Cristo tanto em palavras quanto em atos. Essa arrogância não é um pensamento passageiro. É um desafio firme e constante. Se você vacila na sua fé, mas não está ativamente levando as pessoas para longe de Cristo, esta passagem não está falando com você.
  3. Os fariseus são um sinal. Eles são os faraós do Novo Testamento e simbolizam a oposição do mundo às obras de Deus. No caso do Faraó, a narrativa diz que sua dureza não foi somente “imposta” nele pelo Senhor. Faraó estava mais do que disposto a endurecer seu próprio coração; e Deus cooperou dando a Faraó o que ele quis.
  4. Os fariseus são um aviso. É difícil identificar como se parece o pecado imperdoável hoje. Esta única interseção do ministério terreno de Jesus, milagres, e uma liderança judaica recalcitrante, torna uma aplicação pessoal desta passagem algo desafiador. Nós podemos aplicar a passagem a líderes da igreja que caíram em pecado, mas a maioria não leva outros intencionalmente ao mesmo pecado, e muitos se arrependem. Estes não se encaixariam no padrão do pecado imperdoável. O caso mais claro poderiam ser os teólogos e pregadores que negam a divindade de Jesus, seu sacrifício expiatório e ressurreição, e tentam influenciar outras pessoas a fazerem o mesmo. Uma aplicação é certeira. Os fariseus e outros líderes são sinais e avisos para nós. Receba o encorajamento do evangelho com frequência, e acredite na verdade das Escrituras.
  5. Deus perdoa aqueles que vão até ele. Onde quer que haja alguém se voltando para Cristo em arrependimento, sempre há perdão. Não há nenhum caso nas Escrituras de alguém que sentiu a tristeza segundo Deus e se arrependeu, mas não foi perdoado. Nenhum. Nem sequer um.
  6. Se você ainda luta com o medo de ter cometido o pecado imperdoável, deixe a sua igreja te ajudar. Se você fez uma profissão de fé pública, e se você continua contando com a aprovação da sua igreja, então leve o julgamento de sua igreja a sério. Deus trabalha por meio do seu povo. Se seus líderes conhecem você e não disciplinaram você, conforte-se sob a supervisão deles e acredite neles quando eles disserem que você não cometeu este pecado. Além disso, não se esqueça de tomar a Ceia do Senhor. A questão 81 do Catecismo de Heidelberg pergunta “Quem deve vir à mesa do Senhor? Aqueles que estão realmente descontentes consigo mesmo por causa de seus pecados.” Isso se aplica a você.

Traduzido por Daniel TC | iPródigo | Texto original aqui.