Ao longo da história da igreja, houveram várias posições e teorias que conceituaram a natureza da obra de Cristo na cruz. Porque a expiação vai até o coração do Evangelho, é importante para nós saber como as pessoas, ao longo da história da igreja, entenderam a obra de Cristo e sermos capazes de testar cada uma por meio da Escritura. Hoje quero brevemente examinar e avaliar algumas das principais teorias da expiação.
A Teoria do Resgate
Primeiramente, há aquela que é conhecida como o teoria da expiação do resgate, ou clássica. Também denominada Christus Victor, esta teoria considera a expiação de Cristo como a realização de uma vitória sobre as forças do pecado, morte, mal, e Satanás. Os defensores da visão do resgate acreditam que na luta cósmica entre bem e mal e entre Deus e Satanás, Satanás tem mantido a humanidade cativa ao pecado. Portanto, afim de resgatar a humanidade, Deus teve que pagar o resgate deles debaixo do poder da Satanás, entregando Jesus nas mãos dele [Satanás] como uma troca pelas almas mantidas cativas. Os defensores da teoria do resgate frequentemente recorrem para a declaração de Jesus de que Ele veio para dar sua vida como resgate por muitos (Mateus 20.28; Marcos 10.45).
Apesar de Cristo ter realmente dado a sua vida como pagamento por muitos, e que Sua morte realmente despojou os principados e potestades (Colossenses 2.15), tornando impotente o diabo que possuía o poder da morte (Hebreus 2.14), esta visão da expiação atribui mais poder a Satanás do que ele realmente possui. Satanás jamais esteve em qualquer posição para fazer exigências a Deus. Ao invés disso, as Escrituras deixam claro que Jesus pagou o preço no lugar de pecadores para resgatá-los da justa punição da ira santa de Deus (Romanos 5.9). Em um senso mais profundo, Jesus nos salvou de Deus, não meramente do poder do pecado e de Satanás.
A Teoria da Satisfação
Segundo, a teoria da satisfação, defendida principalmente por Anselmo de Cantuária, fundamenta a ideia de que a morte da Cristo satisfez ao Pai pelo pecado. No entanto, em débito ao paradigma do feudalismo que caracterizava a sociedade de sua época, Anselmo centrou-se mais na noção de fazer satisfação pela honra ferida de Deus ao invés do apaziguamento da Sua justa ira.
Agora, novamente, é certamente correto que a glória de Deus é diminuída quando pecado é cometido. Certamente, pecado é sinônimo de deixar de honrar a Deus dando-lhe graças (Romanos 1.21) e de estarmos destituídos da Sua glória (Romanos 3.23). Portanto, qualquer teoria da expiação adequada irá reivindicar a justiça de Deus e restaurar a Sua glória.
Mas Cristo realizou esta reivindicação de justiça de uma maneira especial: tornando-se um substituto por pecadores, vicariamente suportando em Seu corpo o castigo que justamente pertencia à nós (1 Pedro 2.24). Ao estabelecer Jesus como propiciação da ira santa, Deus mostrou a si mesmo tanto como justo quanto como justificador daquele que tem fé em Cristo (Romanos 3.26).
A Teoria da Influência Moral
A seguir, a teoria da influência moral da expiação considera a obra de Cristo como pouco mais do que um lindo exemplo de amor e comportamento sacrificial cristão. Defendida primeiramente por Pedro Abelardo no Século XII e depois pela maioria dos teólogos liberais, a teoria da influência moral postulou que a morte de Jesus não realizou nada objetivo. Um escritor explica: “Não havia obstáculos em Deus que precisassem ser superados afim de que pecadores fossem restaurados à comunhão com o Criador. Nenhuma satisfação de justiça e nenhum apaziguamento de ira foi requerido da parte de Deus.” Ao invés disso, a morte de Cristo foi meramente um exemplo de como a humanidade deve agir. Pela demonstração de tal amor, é dito que a morte de Cristo conquista os corações de pecadores impenitentes e desta forma os atrai a viver uma vida moral como Jesus viveu – daí a designação “influência moral”. Os defensores também enfatizaram que a propiciação foi uma forma de Deus empaticamente se identificar com as suas criaturas através de partilhar de seus sofrimentos.
Embora estes pareçam ser sentimentos agradáveis, ao mesmo tempo que é certamente verdade que o sacrifício de Jesus é um exemplo de amor e serviço Cristão (cf. João 15.12; Efésios 5.1-2; 1 Pedro 2.24; 1 João 3.16), reduzir a expiação à um mero exemplo retira dela o valor do que a faz verdadeiramente amorosa – isto é, que Cristo objetiva e suficientemente pagou pelos nossos pecados e aplacou a ira santa de um Deus profundamente ofendido, que se tornou nosso inimigo mortal por causa do nosso pecado (Romanos 5.10; 8.7-8). Ninguém pode negar estas verdades centrais de pecado e graça atados à expiação e ainda verdadeiramente permanecer um seguidor de Jesus Cristo.
A Teoria Governamental
Em quarto lugar, a teoria governamental da expiação foi primeiramente proposta por Hugo Grotius, um estudante de Armínio no Século XVII. A teoria governamental minimiza a noção de que Cristo pagou a pena que correspondia aos nossos pecados particulares. Ao invés disso, a morte de Cristo serviu como um símbolo de sofrimento por pecados em geral – demonstrando que a pena deve ser paga quando leis são quebradas. De fato, os defensores da teoria governamental asseguram que a justiça de Deus, na realidade, não exige um pagamento pelo pecado; aceitando simplesmente o símbolo de sofrimento, Deus “colocou de lado a Sua lei” e pôde ter “relaxado a Sua lei” por completo uma vez que Ele não é “passivo de lei alguma” (Demarest, A Cruz e Salvação, 154—55). Não obstante, Ele escolheu punir Cristo afim de centralizar a ordem moral e governo do universo (daí o nome). A punição de cristo também serve como um impedimento contra pecados futuros, uma vez que mostra a temerosa distância que Deus irá afim de manter o governo moral do mundo.
Aqui temos um outro caso de uma teoria da expiação capturando parte da imagem, mas, sem oferecer a completa profundidade do testemunho da Escritura, deixa de apresentar um conceito verdadeiramente bíblico da expiação. Cristo, de fato, pagou a pena de pecados específicos. Seus sofrimentos não foram simplesmente um símbolo exemplificando a antipatia de Deus contra o pecado, como se Ele não gostasse do mal, mas o tolerasse de forma geral. Não, a justiça de Deus é meticulosa; Ele proporcionou um pagamento completamente suficiente pelo pecado, em Cristo. Sem pagamento particular por pecados particulares, nós não temos esperança de perdão.
Substituição Penal
A última teoria da expiação que eu discutirei – a que eu creio que é a mais bíblica – é aquela a qual eu tenho me referido a medida que discutia cada uma das visões anteriores. É chamada de Teoria da Substituição Penal. Isto significa que na Sua morte, Cristo pagou a pena (por isso, penal) que os nossos pecados incorreram, sofrendo vicariamente, em nosso lugar, como nosso substituto (por isso, substituição). A justa ira que o nosso pecado despertou em Deus foi completamente exercida no Servo Sofredor quando Deus “fez cair sobre Ele a iniquidade de todos nós” (Isaías 53.6). O Salvador, nosso Cordeiro Pascal (1 Coríntios 5.7; João 1.29), aquele que não conheceu pecado, se fez pecado por nós (2 Coríntios 5.21), fazendo-se maldição por nós (Gálatas 3.13), e portanto, expiando os pecados do povo (Hebreus 2.17). Por causa deste sacrifício suficiente, e da provisão da própria justiça de Cristo imputada em nosso favor, nossos pecados podem ser justamente perdoados e nós podemos ser reconciliados com Deus.
Como eu mencionei acima, cada uma das visões anteriores tem alguma verdade nelas, então estas teorias da expiação não são mutualmente exclusivas. Nós podemos afirmar que a morte e ressurreição de Cristo derrotou a morte e resgatou pecadores, mas temos que fazer a qualificação de que o resgate foi pago a Deus e não a Satanás. Semelhantemente, nós podemos afirmar que a morte de Cristo satisfez a honra ferida de Deus, mas devemos rapidamente acrescentar que também satisfez a justa ira e justiça de Deus provendo um suficiente pagamento pelo pecado. Além disso, a cruz é realmente um exemplo maravilhoso de comportamento moral Cristão, mas deixamos miseravelmente a desejar se deixarmos de reconhecer que a cruz significa muito mais que isto. Finalmente, a expiação foi realmente um exemplo do governo moral universal de Deus, todavia, foi mais específico do que Grotius e outros declararam ser. Sem o conceito de Substituição Penal sustentando todas estas outras figuras da expiação, deixamos de fazer jus à imagem bíblica completa de Jesus como aquele que carregou o nosso pecado, substituto de pecadores, expiador da ira.