O silencioso José

O Natal se aproxima e, aos poucos, a história do nascimento de Jesus ganha força em nossas mentes. Seja em comerciais de TV, em presépios montados pela cidade ou nos coros apresentando-se nas igrejas, a tradicional figura da turbulenta Noite Feliz está sempre presente. E no centro de tudo, vemos três figuras de muita importância – o bebê Jesus, a encarnação da segunda Pessoa da Trindade, o Salvador e Messias prometido de Israel, figura central da história do Natal e da História da humanidade; Maria, a virgem mãe do Salvador, obediente em seu chamado, e amada por muitos de uma maneira quase incompreensível e, muitas vezes, pecaminosa; e, claro, José.

José de Nazaré muitas vezes carrega o irônico fardo de se encontrar no centro da cena, mas ser tratado quase como um figurante da história ou – desculpe a piada horrível – como uma vaquinha de presépio. Poucos dão atenção à figura do nazareno, relegando à mera posição de marido de Maria. Há ainda aqueles que creem que a Virgem manteve-se virgem a vida inteira, o que joga o pobre carpinteiro mais ainda para o escanteio. Por fim, quando Jesus inicia seu ministério, não temos mais menção de José, o que nos leva a acreditar que ele já havia falecido. Para piorar, não temos nenhuma palavra de José na Bíblia, o que o torna alguém mais difícil de chamar atenção.

Pensei em aproveitar a proximidade do Natal para refletir sobre alguns personagens relacionados àqueles eventos que marcam o início da Era Cristã. (Se conseguirei fazer mais de um texto, não sei, porém gostaria que isso desse certo). Resolvi começar com José. Mas, o que aprender de alguém que parece se esconder em meio a tantos personagens mais chamativos e menos silenciosos?

Um rei tomando a forma de servo

Existe certo motivo para nos esquecermos de José. Muitas vezes, ele se coloca numa posição de anonimato como poucos personagens bíblicos. Acontece que, de maneira semelhante ao seu filho “adotivo” Jesus, o carpinteiro nazareno está ali para servir. Ele tem, como descendente de Davi, a honra de carregar em si o sangue de reis. Provavelmente ele sabia de que família viera, mas em nenhum momento isso se torna “algo a que ele deveria se apegar” (Fp 2.6). Ao invés de rei, tomou a forma de servo (Fp 2.7). Obedece cada palavra angelical trazida a ele. Não parece ter vontade própria. Um rei agindo como um servo.

Sua paixão não estava na realeza e no poder. José, ao contrário, de muitos evangélicos hoje não procurava a “restituição” do que ele tinha direito, nem jamais procurou em exigir os tais “lugares altos” que seu sangue traria. Pelo contrário, Deus usou providencialmente sua pobreza e anonimato para escondê-lo daquele que estava reinando em sua época. Como um verdadeiro rei, semelhante a seu filho, ele preferiu servir ao seu povo ao invés de ser servido. Diferente de Herodes, ele não se sentiu intimidado pela presença do verdadeiro Rei de Israel em suas mãos. Pelo contrário, investiu sua vida no trabalho que Deus havia lhe dado – proteger e criar o Salvador.

Abraçando o desconforto

O compromisso com o serviço leva José a fazer aquilo que muitos cristãos não estão dispostos a fazer – abrir mão de seus direitos e sair de sua vida confortável, estável e agradável. Valendo-se de seu direito como futuro marido, o carpinteiro pensa em deixar a sua noiva. Mas como o faz? Em silêncio, para que Maria não sofra. Certamente, uma mãe solteira já seria humilhada o bastante por sua comunidade. E um homem vingativo descarregaria toda sua ira na mulher que supostamente o enganou, tornando pública e infame sua traição. Mas José abre mão do prato frio da desforra, guarda seu orgulho masculino e prefere proteger sua potencial ex-noiva – mesmo acreditando que foi traído por ela. Para ele, guardar silêncio é melhor que provar o falso prazer da vingança.

Felizmente, José descobre a natureza da gravidez de Maria. O que muitos não percebem é que há aqui também uma escolha que muda sua vida. José acaba assumindo para si um filho que biologicamente não é dele. E com isso vêm dificuldades e provações. Muitas vezes, imagino, idealizamos as cenas de Natal como momentos em que não há dificuldades. Mas quantos  hoje estão dispostos a abrir mão de sua tranquila vida por amor a Deus? Muitos de nós não conseguimos nem abrir mão do descanso de domingo para irmos às reuniões da igreja! José nos desafia a repensarmos nossas prioridades. Quantos estão dispostos a investir seu tempo no consolo e cuidado dos abandonados, mesmo que isso signifique perder o futebolzinho ou o salão de sábado? Quem pode abrir mão do dinheiro das férias de julho para que uma criança tenha suas necessidades supridas? José abandonou o conforto e abraçou o desconforto. Por amor a Deus.

Medo de criança

Dr. Russell Moore, em um excelente texto que inspirou em parte esse artigo, mostra como José se diferencia dos modelos de nossa sociedade. Diferente do nazareno, o mundo parece ter medo de bebês. Quem não já viu um cena em filmes ou seriados em que o bebê estraga a vida dos jovens casais despreocupados que queriam apenas curtir um ao outro antes de ir para a faculdade? No seriado In Treatment, um dos casais atendidos pelo protagonista faz terapia para decidir se aborta ou não o bebê que atrapalhará a carreira profissional da mãe. Em Juno, é a decisão em torno de uma inconveniente gravidez na adolescência que gera toda história. Quem quer estragar sua juventude, seu casamento e o próprio corpo com um bebê?

O triste é que muitas vezes a igreja acaba adotando essa mentalidade. A decisão de não ter filhos pela conveniência e pela estética envolve, sim, a desobediência a Deus. O casamento inclui o chamado à paternidade e à maternidade. A tristeza das mulheres estéreis no Antigo Testamento não era mera questão cultural. Envolvia, claro, um pouco de costume da época, mas também envolvia o desejo por cumprir o chamado que Deus deu, de multiplicar seu povo e preencher a terra com ele. Hoje o que vemos é o contrário. Muitos crentes querem ter filhos, mas desde que seja conveniente o bastante tê-los. Veja, não estou aqui defendendo a irresponsabilidade na formação da família. Estou questionando a ideia de que ter uma criança é meramente uma questão de bom senso e conveniência. Não é. É um chamado, não deveríamos tratar isso como o fim da liberdade e da alegria individual, mas como o início de uma nova missão, uma missão de amor e entrega. E desde quando Deus nos dá missões que não valem a pena?

José de Nazaré assumiu o papel de pai. Quantos homens se omitem disso! Nossa cultura glorifica a irresponsabilidade masculina. Observe as propagandas de cerveja no verão. A falta de compromisso, a busca do prazer pessoal, a idolatria da conveniência – tudo é retratado como a prova de uma vida feliz. O carpe diem da publicidade não inclui crianças atrapalhando a diversão de seus personagens masculinos. Não há espaço para José ali. E como a sociedade precisa dele! Como a igreja necessita de homens que amam a paternidade! Como as crianças (sejam suas crianças ou não) anseiam por você.

Conclusão

José perdeu seu conforto, ao adotar um filho que não era seu. Perdeu, talvez, sua dignidade ao assumir o constrangimento de unir-se a uma noiva já grávida. E perdeu o vínculo com sua terra, quando, às pressas, teve de fugir para o Egito. Mas, como Jesus, o carpinteiro José sabia que havia muito ganho em entregar o que se tem por obediência a Deus. Suas palavras não são registradas, mas seus atos demonstram um coração que amava a Deus acima de todas as coisas, e acima de si mesmo.

Que não vejamos José como mero figurante do presépio, mas como alguém que aponta para o Protagonista da História – seu filho, Jesus.

Em Cristo, e desejando ser como José,

Josaías Jr.