No último artigo, conforme consideramos um dos aspectos mais fundamentais de uma das doutrinas mais fundamentais da fé Cristã, terminei o post falando sobre o momento da conversão – aquele momento quando vida espiritual é dada a um coração morto. Os olhos do seu coração são finalmente abertos e você finalmente pode avaliar a realidade como ela é, não como ela parece para alguém que é cego. Isto é, você vê o pecado como repugnante e repulsivo como ele é e, mais importante, você vê Cristo como Ele é: gloriosamente atraente e supremamente desejável. E você O prefere ao invés do seu pecado.
Escrevi sobre esse evento muito cuidadosamente na seguinte sequência de frases. Quero repeti-las porque elas chegam num outro aspecto fundamental dessa maravilhosa doutrina da regeneração. Eu disse, “E porque você finalmente O vê, Ele é tão doce com você. Você O ama! Você não pode resisti-lo!”
Você não pode resisti-lo.
Quero partir daí para falar sobre uma coisa realmente crucial. Quero que aqueles que são verdadeiramente nascidos de novo se regozijem no que realmente aconteceu com eles. Porque é verdade que muitos que são, de fato, nascidos de novo não sabem a natureza desse novo nascimento. Como John Piper diz, “É uma boa coisa para saber – de modo que Cristo possa ser honrado pela plenitude da sua obra gloriosa, e de modo que as pessoas possam desfrutar a certeza de serem os objetos desse ato miraculoso”.
O que eu disse no último texto – e meio que recapitulei acima – é o porquê de nós, calvinistas, descrevermos o novo nascimento como Graça Irresistível. Não é porque alguém forçou nossa garganta abaixo, mas porque a graça que nos foi dada foi a graça que abriu nossos olhos para que pudéssemos realmente ver a glória de Cristo e a total ausência de qualquer glória do pecado! E assim, vendo corretamente, nunca podemos escolher algo além de Cristo! Não é algo contra nossa vontade… nesse ponto. É que nossa vontade foi transformada [pela graça] para querer o que agora podemos ver como o mais desejável!
A Graça é irresistível porque Jesus é irresistível!
Calvinismo e Arminianismo
Mas, quer saber? Existe um ensino que é muito popular no evangelicalismo – talvez mais popular do que o que eu acabei de expor – chamado Arminianismo. E Arminianismo ensina que graça é resistível. Eles certamente não articulariam desse modo, mas essencialmente ensinam que Deus pode abrir seus olhos o bastante para que você veja Jesus pelo o que Ele é, e que você veja o pecado pelo o que ele é, e que você ainda possa escolher permanecer no pecado. E muitas pessoas que conhecemos – muitas pessoas em nossas igrejas, e muitos professores, e líderes de estudo bíblico, e apologetas que gostamos de ouvir – acreditam nisso. E eles estão errados, queridos amigos. Eles estão errados.
Porém, a razão para eles dizerem isso é porque eles dizem que Deus escolhe “respeitar” nosso “livre arbítrio.” Agora, eu sei porque eles querem dizer isso. Mas o amor por eles e o amor pelo próximo requer que expliquemos porque isso não é bíblico.
Em primeiro lugar, Deus não faz acepção de pessoas (Atos 10.34) de um modo que Ele respeitaria nosso “livre arbítrio.” Em vez disso, as Escrituras ensinam que Deus essencialmente leva a Si mesmo em conta em tudo o que Ele faz. Efésios 1.11 diz que Deus “faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade.”
Segundo lugar, nosso arbítrio não é livre, nem nunca foi, desde Gênesis 3.7. É escravidão do pecado (espiritualmente morto, lembra?). Então isso nem é uma questão de autonomia humana. Não é sobre se temos ou não uma escolha. A questão é: Você pode ver agora! Você pode ver Cristo pelo que Ele é! Dizer que podemos ver esse Cristo e escolher qualquer coisa além dEle é rebaixar Sua glória. Assim, esse não é um assunto secundário. Isso não é apenas uma abstrata, impraticável e complicada discussão teológica. A glória de Deus está em jogo. E nós queremos glorificar Deus em tudo (1 Co 10.31; Ef. 3.21). Precisamos entender isso direito!
Monergismo e Sinergismo
Agora, essas duas visões – que eu me referi como Calvinismo e Arminianismo – na verdade tem nomes mais precisos do que estes (porque esses sistemas teológicos envolvem mais do que uma visão da regeneração). A visão da regeneração consistente com o Calvinismo é chamada monergismo, que é uma grande palavra que significa “um agente está trabalhando.” Sinergismo, por outro lado, é a visão oposta, que abarca muitos ‘campos’ teológicos. Sinergismo apenas significa que existe mais do que um agente trabalhando, que existem múltiplos agentes trabalhando em cooperação entre si.
Então, qual é a visão correta? A regeneração é monergística ou sinergística? Bem, lá em João 3, quando Jesus diz a Nicodemos que ele tem que nascer de novo para ver o reino de Deus, Nicodemos pergunta a Jesus como é possível para um homem nascer de novo. “Como pode um homem nascer, sendo velho? Pode, porventura, voltar ao ventre materno e nascer segunda vez?” Em resposta, Jesus diz, mais curiosamente, “O vento sopra onde quer”.
Então, essa ideia de graça irresistível traz à discussão a questão da soberania divina e responsabilidade humana. E, nessa passagem, Jesus deixa claro que o ato da regeneração é inteiramente um trabalho do Espírito, condicionado sobre absolutamente nada em nós.
João 3.5-8 – Respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne é carne; e o que é nascido do Espírito é espírito. Não te admires de eu te dizer: importa-vos nascer de novo. O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo o que é nascido de Espírito.
Em outras palavras: O Espírito (que, no grego, é a mesma palavra para sopro ou vento) não se submete a homem algum. Ele não está sujeito à vontade do homem, mas ele sopra onde Ele quer! O vento sopra onde ele quer. Jesus está ensinando que o milagre da regeneração é exatamente isso: um milagre. Não fazemos com que nós mesmos nasçamos de novo mais do que podemos fazer o vento soprar. Precisamos, de fato, nascer de novo, mas esse novo nascimento não é de nós mesmos, é um dom de Deus (Ef. 2.8).
A questão que resume tudo isso é esta: Somos livres, ou Deus o é? O Espírito se submete à nossa vontade, ou nos submetemos à dEle? O Espírito sopra onde Ele quer, ou onde queremos?
Considere essas passagens:
Ezequiel 36.25-27 – Deus usa os verbos no futuro, na 1ª pessoa, diversas vezes. Nesses três versículos, há oito verbos indicativos onde Deus é o sujeito. Não há verbos indicativos em que o homem é o sujeito.
Ezequiel 37.1-14 – Somos ossos secos. O ponto da hesitação de Ezequiel em responder a questão sobre se eles podem viver mostra que ele pensa que eles não podem viver, mas reluta em dizer que algo não pode acontecer frente a um Deus onipotente.
Atos 16.14 – Deus abriu o coração dela para atender [às coisas que Paulo dizia], o qual outrora estava fechado.
Tiago 1.18 – Sua vontade é exercida e Ele nos gerou.
1 Pedro 1.3 – Ele nos regenerou de acordo com Sua muita misericórdia.
João 1.12-13 – Não da vontade do homem, mas de Deus. Além disso, observe a progressão (de trás para frente): Filhos de Deus <- O receberam <- Creram no seu nome <- nascidos de Deus.
João 6.44-45, 65 – Ninguém vem a menos que seja trazido pelo Pai, o que significa que as pessoas que não vêm não foram trazidos. O Pai “dá” os eleitos a Cristo. E a identidade deles como eleitos – um grupo específico de pessoas conhecidas pelo Pai – é testificada mais a frente por João 6.45, onde Jesus cita Jeremias 31, identificando dessa maneira aqueles que vêm a Cristo como os eleitos da Nova Aliança.
Uma palavra sobre esse versículo. A palavra traduzida “trouxer” no versículo 44 está longe de um atrativo ineficaz. É a palavra grega helkō que significa arrastar, como alguém que puxa uma rede de pesca (João 21.6,11), como alguém puxa um espada da bainha no meio da batalha (João 18.10), como homens irados, que acabaram de perder o seu dinheiro, arrastam um estrangeiro perante o tribunal (Atos 16.19), e como os homens judeus arrastam para fora um traidor, procurando matá-lo, acreditando que ele prega contra a Lei de Deus e que profanou o lugar santo (Atos 21.30).
Separado dEle, você nada pode fazer
Geralmente citamos João 15: “sem mim nada podeis fazer.” O que isso realmente significa? Nada podemos fazer? Ao menos reconhecemos que podemos fazer nada de bom. Nada de significado espiritual. Mas realmente acreditamos nisso? Especificamente, as implicações da verdade desse versículo controlam nossa teologia da condição natural da humanidade no que se refere à nossa teologia do evangelismo?
Deixa-me te perguntar isso, cristão. Considerando esse versículo – “sem mim nada podeis fazer” – te pergunto, podemos crer, separados de Jesus Cristo? Não quero dizer, “Podemos chegar ao céu sem Jesus Cristo”. Iremos todos concordar com um sonoro “Não!”. O que eu quero dizer é, podemos, como seres humanos pecadores, chegar a um ponto em nossas vidas e nos nossos entendimentos, onde possamos, sem ter Jesus e o Espírito Santo, decidir colocar nossa fé e confiança em Jesus ou aceitá-lo como Senhor e Salvador?
Vou assumir que a resposta seja não. Então, o que acho que todos nós concordaríamos é que é necessário uma obra da graça de Deus para alguém crer no Evangelho. Assim, a questão é: Como é essa graça? Quem recebe essa graça? Existem duas possíveis respostas: 1) Todos, e 2) Somente aqueles que creem, os eleitos.
Se todo mundo recebe esse tipo de graça geral, por que nem todos crêem? Se Deus determina que Ele vai dar a todo ser humano, ao longo da história, graça o suficiente para eles poderem fazer a escolha de crer ou rejeitar Cristo, por que nem todo específico recipiente dessa graça (isso é, todos) crê no Evangelho? Se todos recebemos a mesma graça – o mesmo tipo de graça e a mesma quantidade da graça – qual é o ponto de diferença na salvação? Em última análise, a resposta deve ser algo em nós.
Mas, se a natureza dessa graça que recebemos é uma eficaz, eficiente, poderosa e efetiva graça, então devemos dizer que as únicas pessoas que recebem-na são aquelas que creem. Agora, lembre-se! As pessoas não recebem-na porque elas creem. É o contrário. Elas somente podem crer por causa dessa graça. Essa graça tem de vir antes da crença, caso contrário, João 15 não é verdade e poderíamos fazer algo sem dEle. Então, se as únicas pessoas que recebem-na são aquelas que creem, devemos dizer que o fator determinante é a graça, e o resultado é a fé. A fé é um resultado de ter recebido uma especial e eficaz graça de Deus.
Essa graça é chamada de novo nascimento, ou regeneração. E assim como a vontade de um bebê não é consultada antes de nascer, assim somos nascidos de novo, “nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus” (João 1.13).