Regeneração e fé: temporalmente simultâneos, logicamente distintos

 

Mike Riccardi
Mike Riccardi

No último post, discuti a liberdade de Deus na salvação. Isto é, o homem não é o determinante decisivo de quem é nascido de novo, nem o iniciador do seu novo nascimento. Deus, e somente Deus, é o único agente trabalhando no milagre da regeneração.

Discussões sobre monergismo e sinergismo, Calvinismo e Arminianismo, liberdade de Deus e liberdade do homem, etc., geralmente levantam a questão da ordo salutis, ou a ordem dos eventos da salvação. Algumas pessoas querem saber se a fé é a causa da regeneração, ou se a fé é um produto da regeneração. Qual vem primeiro? Em outras palavras, nascemos de novo porque acreditamos, ou acreditamos porque nascemos de novo?

A resposta do sinergista é que fé precede regeneração. Acreditamos em Cristo, e depois nascemos de novo com base em nossa fé em Cristo. Espero que, pelo o que eu tenho apresentado nesses últimos posts, seja óbvio para você que essa visão não está de acordo com a Escritura.

A resposta do monergista é um pouco mais complicada. A Bíblia ensina que regeneração e fé são temporalmente simultâneos, mas a regeneração logicamente precede a fé. Mas, o que isso significa? Significa que em termos de uma ordem de tempo cronológica não existe distinção entre regeneração e fé. Não há um tempo entre o novo nascimento e a fé. Não há a possibilidade de alguém nascer de novo mas ainda não ter fé. Nem alguém pode ter fé sem primeiro ter nova vida (que é o erro do sinergista).

No entanto, eles são logicamente distintos. Diríamos que o novo nascimento logicamente – não temporalmente – vem antes da fé.

Usando as ilustrações fornecidas pelo próprio texto da Escritura, podemos ver que as implicações dessas passagens exigem esta posição.

A ilustração de nascer de novo é uma ilustração maravilhosamente precisa. Entender que o próprio Senhor Jesus descreve a regeneração em termos de nascer novamente, pergunto: Um bebê tem vida e, então, respira, ou ele respira e assim tem vida?

É realmente impossível separar temporalmente. Respirar é a definição de estar vivo. Então, temporalmente não separamos os dois. Mas, logicamente, você respira e, então, torna-se vivo? Não. Porque antes de você fazer alguma coisa você tem que estar vivo. Assim é com a fé. A definição de uma pessoa que nasceu de novo é uma pessoa que acredita no Evangelho de Cristo, mas você precisa ter recebido vida antes de acreditar.

Como já vimos, Jesus também descreve o não ser nascido de novo como cegueira. Seguindo a própria ilustração de Jesus, pergunto: Você recebe o dom da visão, e então vê, ou você vê e assim recebe a visão? E mais – o que acontece primeiro: a abertura do olho de alguém, ou a percepção da luz?

É o mesmo aqui: é impossível separar esses eventos temporalmente. A definição de ter os olhos abertos é perceber a luz. A definição da visão é ser capaz de ver coisas reais. Então, temporalmente, não separamos os dois. Mas, logicamente, você vê e então recebe o dom da visão? Não. Porque ver, em primeiro lugar, depende logicamente de receber a habilidade para ver. Assim é com a fé. A definição de nascer de novo é ver, mas você deve receber o dom de visão antes de você realmente ver algo.

Existem também passagens da Escritura que falam diretamente a esse assunto.

1 João 5.1 diz: Todo aquele que crê que Jesus é o Cristo é nascido [passivo] de Deus; e todo aquele que ama ao que o gerou também ama ao que dele é nascido.

Esse versículo ensina que fé é o resultado de ter nascido de Deus. Todos que atualmente creem (presente do indicativo), nasceram – no passado – de Deus.

Se fosse o contrário, e a fé causasse nosso novo nascimento, esse versículo teria de ser interpretado assim: “Todo aquele que é nascido de Deus creu que Jesus é o Cristo”. Outra opção seria, “Todo aquele que crê que Jesus é o Cristo será nascido de Deus”. Mas nenhuma destas alternativas é o caso.

Outra passagem da Escritura que fala diretamente sobre esse assunto está na narrativa de Lídia em Atos 16.14. A passagem diz, “[Ela] nos escutava; o Senhor lhe abriu o coração para atender às coisas que Paulo dizia”. O coração de Lídia estava fechado. Se deixada por conta própria, ela não teria atendido às coisas faladas por Paulo. Então, na graça da regeneração, Deus abriu o seu coração. Agora que o coração dela estava aberto, ela então respondeu com fé. Não foi o contrário. O texto não diz, “Ela atendeu com fé às coisas que Paulo dizia, e então o Senhor abriu o seu coração”. Este é outro texto, então, que afirma uma ordo salutis consistente com a regeneração monergística.

E assim termina a seção doutrinária/teológica na nossa série do novo nascimento. Aqui está o que já examinamos até agora.

1. Todas as pessoas nasceram espiritualmente mortas (Rm 5.12-21; Rm 3.10-18, Ef 2.1-3; Cl 2.13; Sl 51.5; 58.3).

2. Essa morte espiritual se manifesta na incapacidade de ver Jesus como Ele realmente é (Jo 3.3; Jo 1.4; Mt 13.13-14; Dt 29.2-4; 2 Co 4.3-6).

3. Portanto, para ter alguma comunhão com Deus (i.e., para ser salvo da justa punição da ira de Deus contra o nosso pecado), devemos nascer de novo. Nada menos do que um completo novo nascimento vai nos salvar (João 3.3, 5; Rm 14.23; Is 64.6).

4. Este trabalho da regeneração é inteiramente obra de Deus; não é dependente de algo no homem (Jo 3.8; Ez 36.25-27; Ez 37.1-14; Tg 1.18; 1 Pe 1.3; Jo 1.12-13).

5. Nossa fé em Cristo não afeta (ou causa, ou ocasiona) nossa regeneração. Crer é o resultado da nossa regeneração, (1 Jo 5.1; At 16.14), a qual é proporcionada pelo Pai (Jo 6.37, 44-45, 65) através do ministério do Espírito Santo (Jo 3.8).