Durante a minha ordenação, uma das questões feitas por um professor do seminário foi “Todos os pecados são iguais aos olhos de Deus?”. Eu hesitei. Não porque não tinha opinião forte sobre isso, mas porque não tinha certeza da resposta que ele estava esperando. Todos os pecados são iguais para Deus? Minha ordenação podia depender dessa resposta.
É muito comum dentro do evangelicalismo popular responder a essa questão afirmativamente. Essa era uma das pressuposições centrais de um livro que revisei semana passada. Muitos acham esse conceito teológico muito atrativo e o aceitam, temo em dizer, sem fazer muito o dever de casa.
Penso que essa tendência de assumir que todos os pecados são iguais para Deus vem de três influências.
1) Uma reação dos protestantes contra a distinção católica romana entre pecados mortais (pecados que matam a graça justificadora) e pecados veniais (pecados de uma natureza menor que não matam a graça justificadora).
2) Uma tendência dentro de nossa cultura evangelística de expressar um terreno comum com os incrédulos – isto é, se todos os pecados são iguais para Deus, então seu pecado não é pior que nenhum outro. Desse jeito não seremos vistos como julgadores ou condescendentes.
3) Algumas passagens bíblicas que são interpretadas assim (discutido abaixo).
Eu não creio, entretanto, que todos os pecados são iguais diante de Deus. Acredito que dizer isso às pessoas traz um problema sério ao entendimento delas sobre o caráter de Deus e a seriedade de certos pecados. Existem muitas razões para isso, mas deixe-me começar com um reductio ad absurdum e então partir para um argumento bíblico.
Frequentemente pergunto às pessoas que dizem que todos os pecados são iguais para Deus se elas vivem de acordo com sua teologia. Pense nisso. Se todo pecado é realmente igual para Deus, e alguém realmente crê nisso, então a consternação e a ira de Deus será igual para todo pecado que cometamos. Igualmente importante é o fato de que nossa disposição relacional diante de Deus sofreria igualmente a partir da convicção do Espírito Santo por todos os pecados. Muitos cristãos entendem que isso significa ter uma consciência pesada por um pecado não confessado. Mas o peso normalmente só vem daqueles pecados que consideramos mais severos. Se é verdade, entretanto, que todos os pecados são iguais diante de Deus e se alguém realmente vivesse de acordo com essa teologia, então essas pessoas estariam tão perturbadas espiritualmente e tão arrependidas diante de Deus tanto quando ultrapassam o limite de velocidade quanto quando cometem adultério. Afinal, ultrapassar o limite de velocidade, mesmo em 1 km/h, é quebrar a lei e quebrar a lei é pecado (Rm 13).
Mas ninguém faz isso. Essas coisas são águas passadas. Aparentemente, nossa consciência testemunha que não é tão ruim quanto outras coisas, mesmo se confessamos diferente. Ou então a capacidade de nossa teologia realmente afetar a maneira que cremos e pensamos não é funcional nessa situação.
Além disso (e mais importante), creio que é bíblico e necessário dizer que alguns pecados são mais graves para Deus que outros. Isso se traduz na pressuposição nada politicamente correta de que algumas pessoas são pecadoras em grau maior que outras. Mesmo que protestantes não concordem com a distinção católica romana entre pecados mortais e veniais, existem muitos exemplos da Escritura em que graus de pecados são distinguidos.
1. Jesus diz a Pilatos que os líderes judeus cometeram um pecado pior que o dele, dizendo: “Aquele que me entregou a ti maior pecado tem” (João 19.11).
2. Certos pecados na Lei são diferenciados em um contexto particular como uma abominação a Deus, implicando que outros não são tão severos (por exemplo, Lv 18.22, Dt 7.25, Dt 23.18, Is 41.24).
3. Blasfêmia contra o Espírito Santo é separada como um pecado mais grave que blasfêmia contra o Filho (Mt 12.31).
4. Provébios 6.16-19 lista pecados particulares de uma maneira única devido à sua natureza depravada, separando-os dos outros.
5. Existem graus de punição no Inferno dependendo da severidade da ofensa (Lc 12.47,48).
6. Cristo frequentemente considera o pecados dos fariseus maior que o pecado dos outros. “Coais um mosquito e engolis um camelo” (Mt 23.24). Se todos os pecados fossem iguais, a exortação de Cristo não faria sentido (ver também Lc 20.46,47).
7. Similarmente, Cristo também falou sobre “o mais importante da lei” (Mt 23.23). Se todos os pecados fossem iguais, não haveria Lei (ou violação da Lei) que é “mais importante”. Elas teriam todas o mesmo peso.
8. Falta de perdão é continuamente tratada como um pecado particularmente hediondo (Mt 6.14,15; 18.23-35).
Então, de onde essa teologia popular vem? Muitas pessoas referem-se aos comentários de Cristo no Sermão da Montanha. Mais particularmente, uma referência a Mateus 5.27,28 é usada como justificativa para essa maneira de pensar.
“Ouvistes que foi dito aos antigos: Não cometerás adultério. Eu, porém, vos digo, que qualquer que atentar numa mulher para a cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela.” (Mt 5.27,28).
Existe alguma diferença aos olhos de Deus entre pensar sobre adultério e realmente cometê-lo? Absolutamente. Se dissermos outra coisa além disso, creio que agrediremos o caráter de Deus e encorajaremos o ato baseado nessa suposição. O que Jesus ensina em Mateus 5.28 não é que luxúria e o ato em si são iguais, mas que os dois violam o mesmo mandamento, mesmo se os graus de violação diferem. Portanto, Cristo está dizendo ao povo – particularmente ao padrão religioso da época que, embora eles pensassem estar seguros por cumprirem a letra da Lei, a Lei é bem mais profunda. O espírito da Lei é o que importa. Portanto, se você já desejou pecaminosamente, você quebrou o sexto mandamento. Se você já odiou seu irmão, você quebrou o quinto mandamento (Mt 5.22). Porém, novamente: quebrar os princípios dos mandamentos é a questão, não o grau em que são quebrados.
Esse é o mesmo argumento que Tiago faz em Tg 2.10, quando diz que “Porque qualquer que guardar toda a lei, e tropeçar em um só ponto, tornou-se culpado de todos”. Ele não está igualando todos os pecados, mas mostrando como qualquer violação da Lei, não importa quão pequena, ainda está quebrando toda a Lei, porque a Lei está conectada a este ponto.
Pense sobre isso (outro reductio): se você realmente acredita que adultério e luxúria são iguais diante de Deus, então aqui estão as consequências: qualquer homem ou mulher podem justificar o divórcio baseados no fato de que, em Mateus 5.32, Cristo condena o divórcio exceto por infidelidade conjugal. Tudo que ela ou ele precisa é comprovar a hipótese de que seu cônjuge cobiçou de alguma forma durante seu casamento. Isso fará o divórcio justificado e bíblico. Da mesma forma, se um homem desejou uma mulher na internet, ele também cometeu o ato em si, uma vez que aos olhos de Deus ele o praticou. Ou (estou indo além) se você já cobiçou uma garota, então você está sob o mandato de Deus de casar-se com ela, uma vez que aos olhos de Deus você já é um com ela (1 Co 6.16).
Creio que essa maneira de pensar não é apenas biblicamente errada, mas também traz repercussões que levam a uma visão de mundo distorcida e desacreditam a integridade de Deus e do Evangelho de Cristo.
É verdade. Todos são pecadores (Rm 3.23). Todos são pecadores desde o nascimento. Mas nem todo pecado é igual.
Acho que essa é uma maneira segura de permanecer humilde e acuradamente apresentar o testemunho bíblico: Enquanto nem todos pecaram na mesma extensão, todos temos em comum uma natureza igualmente depravada.
Em outras palavras, ninguém é menos pecador devido à uma justiça inata em que possa se gloriar. Todas as pessoas têm potencial igual para a depravação porque todos somos filhos de Adão e compartilhamos a mesma depravação, mesmo se, pela graça de Deus, não praticamos nossa pecaminosidade na mesma extensão.
Se você discorda disso, apenas pense – realmente pense – sobre o que você está dizendo sobre Deus. Você está dizendo a um mundo incrédulo que seu Deus está tão irado com o ato de dirigir a 61 numa estrada de 60 quanto com o ato de alguém que estupre e mate uma menina de seis anos. Você realmente quer chegar aí? Você realmente acha que essa posição é suficientemente apoiada para justificar uma crença assim? Você pode realmente defendê-la? Se a Bíblia ensina isso, ótimo: iremos com a Bíblia e não com nossas emoções ou gostos. Mas não acredito que uma defesa viável possa ser feita para permitir que nossa teologia argumente a favor disso. Não consigo pensar em muitas coisas na teologia popular evangélica que são mais erradas, mais ameaçadoras ou mais enganosas sobre o caráter de Deus e a natureza do pecado.
Respondi à pergunta acima durante minha ordenação. Fiquei aliviado quando vi a aprovação do comitê de ordenação. Eles estavam todos preocupados se eu talvez fosse alguém que, mesmo com o seminário, guardou essa crença que muitos evangélicos têm. Frequentemente me pergunto se eles teriam ou não me aprovado se eu tivesse respondido de acordo com o folclore evangélico tradicional, dizendo que todos os pecados são iguais para Deus.
Traduzido por Josaías Jr | iPródigo | Original aqui