Um bom ano

Qualquer sommelier que se preze sabe: bons vinhos vem de uvas torturadas. É um antigo segredo descoberto acidentalmente nas vinícolas da Califórnia, que quanto mais a uva precisa lutar por sobrevivência, maior a qualidade do vinho que ela produzirá.

Assim, encostas rochosas e áridas não prestam para nada, agricolamente falando, exceto para algumas uvas masoquistas, em especial a variedade Bordeaux. Uvas colhidas após uma temporada de sofrimento produzem vinhos que os entendidos chamarão de “um bom ano”.

Esse fenômeno não é uma idiossincrasia apenas da enologia, mas da teologia também.

Se eu te perguntar o que faz um bom ano na sua vida, você talvez responda com uma ou mais dessas bênçãos genéricas: saúde, sucesso profissional, satisfação nos relacionamentos, prosperidade (ou, no mínimo, solvência) financeira. Mas você estaria errado.

Quero diz, pelo menos meio errado. Um bom ano é feito de qualquer coisa que avance nossa santificação, isso é, que nos torne mais parecidos com Cristo, nos leve para mais perto de Deus e aumente nossa atuação naquilo que glorifica a Deus.

Isso talvez signifique experimentar a graça de Deus através de bênçãos fisicamente favoráveis, ou talvez signifique perseverar através de diversos níveis de provação. Foi isso que Paulo quis dizer com “Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Romanos 8.28).

Se eu tivesse que escolher entre um ano de tranquilidade e alegria ou um ano de dificuldade e desapontamento, se dependesse só disso, eu escolheria o caminho do conforto. Você não? Mas não depende só disso. Uma provação tende a nos tornar mais parecidos com Cristo, de forma mais eficaz que a tranquilidade. Veja como Tiago inicia sua carta: “Meus irmãos, tende por motivo de toda alegria o passardes por várias provações, sabendo que a provação da vossa fé, uma vez confirmada, produz perseverança. Ora, a perseverança deve ter ação completa, para que sejais perfeitos e íntegros, em nada deficientes” (Tiago 1.2-4).

Todas as provações – desde uma inconveniência no trânsito ou uma unha encravada até dores torturantes e perturbações emocionais – são usadas por Deus para produzir em nós a maturidade espiritual que afeta nossa vida agora e na eternidade (2 Coríntios 4.17, um versículo que vale a pena guardar na memória).

E não apenas as provações afetam você e sua eternidade, mas elas glorificam a Deus.

Nisso exultais, embora, no presente, por breve tempo, se necessário, sejais contristados por várias provações, para que, uma vez confirmado o valor da vossa fé, muito mais preciosa do que o ouro perecível, mesmo apurado por fogo, redunde em louvor, glória e honra na revelação de Jesus Cristo (1 Pedro 1.6-7; ver também 1 Pedro 4.12-13).

Assim, quando alguém perguntar quais são suas esperanças para o ano que começa, talvez uma resposta teologicamente apropriada seja: “um ano em que Deus destile o máximo possível de glória da minha vida, independente das circunstâncias, é um bom ano”.