Em Romanos 9, Paulo discute a liberdade absoluta de Deus em seus propósitos de salvação. Ele usa a ilustração dos gêmeos Jacó e Esaú, afirmando que a escolha de Deus por Jacó sobre Esaú não tinha nada a ver com qualquer um deles. Pelo contrário, Deus escolheu “a fim de que o propósito de Deus conforme a eleição permanecesse”. Essa escolha era “não por causa das obras, mas por aquele que chama” (Romanos 9.11-12). Ele continua dizendo que a salvação “não depende do desejo ou do esforço humano, mas da misericórdia de Deus.” (Romanos 9.16), e então, afirma essa reivindicação se referindo ao fato de Deus ter endurecido o coração de Faraó com o propósito de demonstrar Seu poder e proclamar Seu nome através dos eventos que seguiriam (Romanos 9.17, cf. Êxodo 9.16). Paulo, então, conclui com a seguinte declaração: “Portanto, Deus tem misericórdia de quem ele quer, e endurece a quem ele quer.” (Romanos 9.18).
Então, Paulo antecipa uma objeção: “Então, por que Deus ainda nos culpa? Pois, quem resiste à sua vontade?”
Primeiro, vamos entender a objeção por si só. O interlocutor imaginário (ou talvez não tão imaginário assim) de Paulo entendeu tudo o que ele disse sobre Deus até agora.
Ele entende que a salvação é um trabalho inteiramente da Graça de Deus, e não depende do homem em nada.
Ele também entende que é a vontade de Deus, não a vontade do homem, que determina e decide para a salvação (novamente, Romanos 9.16; cf. João 1.13). Ele faz uma pergunta retórica para sublinhar esse ponto: “Quem resiste a sua vontade?” Isso quer dizer “Ninguém resiste à vontade de Deus”. “O nosso Deus está nos céus, e pode fazer tudo o que lhe agrada.” (Salmo 115.3). Ele fará tudo o que o agrada (Isaías 46.10), e nenhum dos seus planos pode ser frustrado (Jó 42.2).
O dono da objeção também entende que Deus ainda mantém o homem responsável. “[Ele] ainda nos culpa”.
Então a pergunta é, “Se ninguém pode resistir à vontade de Deus, como é justo que Ele ainda nos culpe?”
Entendendo essa objeção
Essa objeção é muito útil para a compreensão cristã da natureza da Soberania de Deus na salvação. Como quaisquer que sejam nossas conclusões sobre as doutrinas da graça, elas devem responder essa objeção.
E o fato é: a única maneira de essa objeção fazer sentido é se três coisas forem verdade: (1) o homem deve se arrepender e ser salvo como ordenado por Deus, (2) o homem não tem capacidade moral para se arrepender e ser salvo, e (3) Deus ainda mantém o homem responsável por se arrepender e ser salvo, e irá puni-lo pela sua incapacidade de fazê-lo. Em termos filosóficos, essa objeção só faz sentido se “dever” não implica em “poder” – então, se exigir alguma coisa de alguém não necessariamente significa que são capazes de fazer o que você manda. Em termos teológicos, essa objeção só faz sentido se as doutrinas da depravação total, da eleição incondicional e da graça irresistível forem verdade.
Mas é repugnante à mente comum que podemos ser responsabilizados por algo que não podemos fazer – especialmente se afirmamos que é um Deus amoroso que nos impõe esse padrão. Assim, diferentes escolas de pensamento conceberam entendimentos alternativos da soberania de Deus em um esforço para salvá-Lo daquilo que eles acreditam ser injusto. No entanto, nenhuma dessas alternativas faz sentido para a objeção em Romanos 9.19. Vamos considerar essas alternativas.
Universalismo
Uma alternativa é o universalismo. Deus exige alguma coisa da humanidade que ela é incapaz de fazer, então ele varre os pecados deles para debaixo do tapete – crianças sempre serão sempre crianças, certo? – e pega leve com eles. Agora, além de ser claramente anti-bíblica, essa posição seria nega que Deus “ainda nos culpe”, nós como a humanidade. Ninguém pode resistir à vontade de Deus, e dessa forma Ele simplesmente não os culpa.
Eleição condicional baseada na presciência
Outra alternativa é negar que a eleição de Deus é incondicional, e em vez disso, ela está condicionada à fé que Deus previu para cada pessoa. Em outras palavras: Ele os escolheu porque sabia que eles O escolheriam. Uma vez que nossas mentes naturais o acham injusto por manter pessoas responsáveis por algo que eles não são capazes de fazer, essa posição teológica afirma que nós realmente fomos capazes de fazer alguma coisa – crer – que resultaria em Deus nos conceder misericórdia.
Mas se esse fosse o caso, o companheiro imaginário de Paulo não teria feito a objeção de Romanos 9.19. Isso não seria nenhum mistério do por que Deus “continua culpando” aqueles que não acreditam. Eles simplesmente não tinham a fé necessária para serem eleitos.
A doutrina do Livre Arbítrio
Ainda outra alternativa, semelhante à anterior, é afirmar que Deus é realmente soberano, mas Deus soberanamente escolheu conceder uma espécie de soberania à humanidade na forma do livre arbítrio. Deus ordena arrependimento e fé, e Ele vai culpar aqueles que falham em se arrepender e crer. Mas, de acordo com essa visão, aqueles que falham em se arrepender e acreditar fazem isso porque são livres para aceitar ou rejeitar a Deus. Deus fez o Seu melhor, e Ele iria salvar a todos se Ele pudesse, mas Ele deixou a decisão final para a salvação ao homem. Em outras palavras, eles podem “resistir à Sua vontade”.
Aqui de novo, nós vemos que a objeção em 9.19 não faria sentido. Não haveria mistério de porque Deus culpa aquele que O rejeita. Mas o interlocutor de Paulo faz a declaração (por meio de uma pergunta retórica) que ninguém resiste à vontade de Deus.
A genialidade da graça
E então, se quisermos fazer qualquer sentido da objeção que Paulo levanta em Romanos 9.19, nós não podemos explicar a soberania de Deus e a falta de habilidade humana apelando para a eleição condicional ou o livre arbítrio. Essa objeção só faz sentido se as doutrinas calvinistas da depravação total, da eleição incondicional e da graça irresistível forem verdade.
Mas como isso é justo? Como Deus pode comandar o que é impossível e as pessoas ainda serem responsabilizadas? Como Ele pode ordenar que as pessoas nasçam de novo, sendo que o novo nascimento depende inteiramente “da misericórdia de Deus” (Romanos 9.16)? Bem, a resposta de Paulo é repreender o entrevistador que procura impugnar a justiça de Deus: “Mas quem é você, ó homem, para questionar a Deus?”. Se você busca encontrar falhas no caráter de Deus, você tem uma compreensão distorcida de justiça (Romanos 9.14; cf. 3.5b-6) e é melhor se calar rapidamente.
Mas há uma maneira de fazer essa pergunta em um sincero desejo de entender a Deus e adorá-lo na forma como se revelou. E se a pergunta é feita nesse espírito, eu acredito que há uma resposta clara. Que é: Deus concede ao Seu povo aquilo que Ele requer deles.
Este é a genialidade da graça. Exigindo algo de todos que é impossível para eles fazerem, Deus amplia a verdadeira necessidade humana e a incapacidade relacionada com a nossa condição espiritual. E porque Ele comanda apenas o que é possível Ele mesmo realizar, ele amplia sua própria suficiência e plenitude de glória. Como Paulo vai explicar, ele o faz “se ele fez isto para “tornar conhecidas as riquezas de sua glória aos vasos de sua misericórdia” (Romanos 9.23)
Ao conceder o que Ele requer, Deus se apresenta como tudo em tudo. Ele coloca a humanidade em sua devida posição, como ansiosos mendigos necessitados de receber de Sua mão. Então, como nosso benfeitor, Ele recebe o que Ele requer e, portanto, capta nossas afeições, para que possamos vê-lo como totalmente amável, totalmente digno, e totalmente maravilhoso.