Calvinismo e Missões – inimigos ou aliados?

Josaías Jr.

Na primeira parte desse texto, tentei esboçar uma visão reformada da obra missionária. Certamente o texto de um post não irá tratar da questão de uma maneira profunda e extensiva, mas é útil para discutir uma questão que sempre se levanta quando tratamos desse assunto – um sistema teológico que defende a salvação apenas dos eleitos pode levar igrejas a fazer missões?

O problema dessa pergunta é que ela já vem viciada. Ela resume a teologia reformada à doutrina da predestinação. Sim, esse é um ponto distintivo do calvinismo, mas não é o único, e ligados à eleição existe uma série de doutrinas e ênfases que fortalecem o sistema como um todo. Assim, quando lidar com essa questão, não se esqueça de que esse não é o único ponto da teologia da reforma.

Assim, pelo fato do Calvinismo apresentar uma visão ampla da narrativa bíblica (não apenas tratar de assuntos salvíficos), temos nele poderosos incentivos para fazer missões. Com isso, não estou assumindo uma postura de “nosso time é melhor que o seu”, mas colocando no papel o resultado de uma reflexão – seria a doutrina reformada fonte de ânimo para o esforço missionário?

E a resposta é sim.

1) O pacto da redenção

Desde o princípio a intenção de Deus é que todas as famílias da terra fossem abençoadas por meio da semente de Abraão, isto é, Cristo. Os teólogos calvinistas têm uma forte teologia aliancista, que os permite ver como um todo a história bíblica – o plano de redenção de Deus para eleitos de todos os povos.

“Abençoarei aos que te abençoarem, e amaldiçoarei àquele que te amaldiçoar; e em ti serão benditas todas as famílias da terra.” (Gn 12.3)

“Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós; porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro;para que a bênção de Abraão chegasse aos gentios por Jesus Cristo, e para que pela fé nós recebamos a promessa do Espírito”. (Gl 3.13,14)

Assim, a teologia da Aliança é importante para missões por nos dar uma visão da globalidade e universalidade da igreja do Senhor. O pacto com Abraão se expande na Nova Aliança com Cristo e ele se cumpre por meio da obra missionária.

(Eu poderia falar mais sobre isso, mas sei que o Gustavo tem um ótimo texto sobre isso, que em breve será publicado aqui. Cobrem dele! >:))

2) A importância da pregação

Mais que qualquer outro grupo, os reformados dão forte ênfase ao anúncio do Evangelho de Cristo, de maneira que seja possível tanto grego quanto judeu, tanto bárbaro quanto instruído, entender o que está sendo ensinado. Embora alguns artifícios sejam aceitos em certos grupos protestantes históricos (como teatro, musicais, dança, etc.)¹, a maioria dos reformados entende que a exposição da Palavra é a maneira escolhida por Deus para trazer para si seus eleitos. Há uma valorização da pregação expositiva e o desejo de formar comunidades centradas no Evangelho.

Como, pois, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem não ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão, se não forem enviados? Como está escrito: Quão formosos os pés dos que anunciam o evangelho de paz; dos que trazem alegres novas de boas coisas. Mas nem todos têm obedecido ao evangelho; pois Isaías diz: Senhor, quem creu na nossa pregação? De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus. (Romanos 10.14-17)

João Calvino ensinou que o meio ordinário escolhido por Deus para alcançar seus eleitos foi a pregação do Evangelho. Apesar de conhecermos e ouvirmos casos de pessoas que foram convertidas de outra forma, precisamos tomar cuidado para não usar isso como desculpa para não pregar e não enviar missionários.

Embora ele seja capaz de realizar a obra secreta de seu Santo Espírito sem qualquer meios ou assistência, ele também ordenou a pregação externa, para ser usada como um meio. Mas para torná-la um meio efetivo e frutífero, ele escreve com seu próprio dedo em nossos corações aquelas palavras que ele fala em nossos ouvidos pela boca de um ser humano. (João Calvino)

3) A necessidade da graça de Deus e da fé em Cristo

Diferente de grupos mais liberais, a igreja reformada entende que somente pela fé em Cristo as pessoas serão salvas. É necessário que elas compreendam sua necessidade de salvação, que precisam arrepender-se de seus pecados e o que Jesus fez por elas. Sem isso, aqueles que não ouviram falar de Cristo estarão condenados à perdição eterna. Como ensina o lema Solo Christus, ninguém será salvo sem ter ouvido Cristo. Portanto, devemos entender que somos responsáveis pelos povos não-alcançados.

“Visto não haver outro caminho de salvação a não ser o revelado no Evangelho e visto que, conforme o usual método de graça divinamente estabelecido, a fé vem pelo ouvido que atende à Palavra de Deus, Cristo comissionou a sua Igreja para ir por todo o mundo e ensinar a todas as nações.” (CFW, cap.XXXV, art.IV)

4) A soberania e a glória de Deus

Não precisamos temer a rejeição de nossa mensagem. Ou achar que a pregação pura e simples da Palavra não é eficaz porque alguns não aceitaram. A Bíblia ensina que muitos rejeitarão, mas ela também diz que a própria rejeição da mensagem de Cristo trará glória a Deus. Assim, nossa preocupação não deve ser números, mas a fidelidade ao Senhor. Paulo ensina em Romanos como a não-aceitação do Evangelho traz glória a Deus e Isaías mostra que a Palavra de Deus nunca volta vazia, mesmo se não converte a todos.

Porque diz a Escritura a Faraó: Para isto mesmo te levantei; para em ti mostrar o meu poder, e para que o meu nome seja anunciado em toda a terra. (Romanos 9.17)

Assim será a minha palavra, que sair da minha boca; ela não voltará para mim vazia, antes fará o que me apraz, e prosperará naquilo para que a enviei. (Isaías 55.11)

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5) Os últimos dias já chegaram

A maioria das igrejas que adotam a teologia reformada entende que Cristo inaugurou os últimos dias, e que o retorno do Messias está próximo. Além disso, esse tempo final marca aquilo que Paulo chama de “Dia da Salvação” (2 Co 6.2), onde o Senhor reuniria gentios ao seu povo, o que torna a necessidade de evangelização cada vez mais urgente.

Paulo estava plenamente convencido de que outras promessas e profecias, além daquelas referentes à vinda do Messias, estavam igualmente se cumprindo: (1) A restauração e a reconstrução de Israel através do remanescente fiel do qual os profetas freqüentemente falaram, que eram os israelitas que criam em Cristo (Romanos 9); (2) A vinda de todos os povos para adorarem a Deus, antecipada pelos antigos profetas. Paulo percebia o cumprimento daquelas promessas diante de seus próprios olhos, através do seu ministério, pela entrada dos gentios na Igreja de Cristo (cf. Rm 15.9-21). (Augustus Nicodemus)

6) A doutrina da eleição

A doutrina da eleição, portanto, deve ser um impulso para a obra missionária. Deus prometeu eleitos de todos os povos, línguas, nações e tribos. Ou seja, temos certeza de que traremos resultados positivos² ao fazer missões. Como o Rev.Emílio Garofalo disse certa vez, a pregação do Evangelho é um “teste de DNA”, onde encontramos aqueles que foram escolhidos por Deus. E os encontraremos se, cumprindo o “Ide”, pregarmos o Evangelho a toda criatura.

João Calvino nos lembra:

Porque não sabemos quem pertence ao número de predestinados ou quem não pertence, devemos ter em mente um desejo de que todos os homens sejam salvos.

E como ensina a Confissão de Westminster:

No Evangelho Deus proclama o seu amor ao mundo, revela clara e plenamente o único caminho da salvação, assegura vida eterna a todos quantos verdadeiramente se arrependem e crêem em Cristo, e ordena que esta salvação seja anunciada a todos os homens, a fim de que conheçam a misericórdia oferecida e, pela ação do Seu Espírito, a aceitem como dádiva da graça. (CFW, cap.XXXV, art.II)

Logo, o Calvinismo não é inimigo de missões. O hipercalvinismo (a crença de que os eleitos seriam salvos sem a pregação do Evangelho) é, sim, contrário e atrapalha essa obra. O problema é que muitas vezes acabamos nos acomodando, com a desculpa de que Deus não precisa de nós. Somos às vezes como o ministro hipercalvinista que rejeitou William Carey: “Jovem, sente-se. Quando Deus quiser converter os pagãos, ele o fará sem a sua ajuda ou a minha”.

Deus realmente não precisa, mas nos chamou como cooperadores dessa obra. E, como foi dito na primeira parte, se realmente adorássemos nosso Senhor, se o amássemos e nos deleitássemos nele, nos envolveríamos mais com missões. Cumpriríamos nossos chamados com prazer, fruto de um coração apaixonado pela glória de Deus.

A certeza do sucesso da Missão

O que você faria se recebesse o tipo de mensagem que Paulo recebeu em Atos 18.9,10?

E disse o Senhor em visão a Paulo: Não temas, mas fala, e não te cales; Porque eu sou contigo, e ninguém lançará mão de ti para te fazer mal, pois tenho muito povo nesta cidade [Corinto].

Tenho certeza que nenhum de nós teria medo de entrar em Corinto e pregar o Evangelho depois de saber que a missão teria um considerável sucesso.

O problema é que recebemos, sim, esse tipo de mensagem. Claro, não consideramos tão séria porque, em geral, nossas mentes idólatras dão mais valor ao que se pode ver que a textos escritos. Mesmo os inspirados por Deus. No entanto, Apocalipse 7.9,10, por exemplo, nos diz o seguinte:

Depois destas coisas olhei, e eis aqui uma multidão, a qual ninguém podia contar, de todas as nações, e tribos, e povos, e línguas, que estavam diante do trono, e perante o Cordeiro, trajando vestes brancas e com palmas nas suas mãos; e clamavam com grande voz, dizendo: Salvação ao nosso Deus, que está assentado no trono, e ao Cordeiro.

Esse é apenas um dos textos da Bíblia que deixam claro que uma multidão de todas as famílias da Terra estará diante do Cordeiro na glória. Ele nos diz que a pregação do Evangelho trará como resultado homens e mulheres adorando ao Cordeiro de Deus. Ele diz que missões é um empreendimento que dará o resultado que gostamos de ver – pessoas salvas da ira vindoura.

Da mesma forma como o Senhor falou com Paulo ele nos fala hoje – tenho muito povo em Brasília, no Rio de Janeiro, no Pará, no Ceará, no Brasil, na Itália, em Taiwan, no México, na Nigéria, e entre tribos que nem conhecemos ainda. Que ouçamos essas palavras de comissionamento.

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¹ E mesmo boa parte dos grupos que usam e aceitam essas outras de “anúncio” reconhecem a necessidade de alguém explicando o que se passou nessas experiências estéticas.
² Chamo de resultado positivo porque, afinal, tenho certeza que preferimos encontrar convertidos a ver pessoas rejeitando a mensagem.