Como discipular um transexual – 5

Bob Thune
por Bob Thune

Este post é continuação desse (parte 1), desse (parte 2), desse (parte 3) e desse (parte 4). Leia-os antes

A esta altura, você deve estar pensando que toda essa coisa de evangelho é bastante abstrata. Não é sobre fazer, mas sobre crer; não é sobre os pecados da superfície, mas sobre ídolos do coração. Quando é que chegaremos às coisas práticas, tangenciáveis?

Estou tentando convencê-lo de que os “ídolos do coração” e o “crer” são coisas práticas. Elas podem não te levar a direcionamentos fáceis como “leia mais a sua bíblia” ou “esteja mais em comunhão com os irmãos”. Mas quando você deixar seus esforços de discipulado serem reorientados pelo evangelho, você verá mudança profunda, porque o evangelho muda tudo.

Ryan começou a me dizer as razões por que ele não confiava em Jesus. E todas elas podiam ser reduzidas a um denominador comum: Ele não confiava nos cristãos. Ele me contou como ele tinha sido rejeitado pelos colegas estudantes, até mesmo por um pastor de um grande grupo evangélico de juventude porque ele era pequeno, frágil e não suficientemente masculino. Ele me contou sobre o pastor que disse a ele que todos os transexuais iriam pro inferno e sobre outro pastor que insistiu que transexualismo era demoníaco e necessitava de um exorcismo.

Mas essas memórias dolorosas eram nada em comparação com a rejeição que sentiu de seus familiares. Sua mãe e seu padrasto eram cristãos professos. Quando Ryan começou a viver uma vida ativamente transsexual, eles cortaram seu suporte e afirmação. Do ponto de vista deles, essa era uma daquelas difíceis atitudes de amor. Algo como “ame o pecador, mas odeie o pecado”. Mas para um jovem sexualmente em pedaços que foi rechaçado por cristãos a vida inteira, essa era mais uma hipocrisia dos cristãos. Enquanto Ryan falava sobre seus pais, seu corpo inteiro visivelmente fervia de raiva.

Então nós conversamos durante muito tempo sobre a abrangência do pecado e como os cristãos muitas vezes não conseguem viver de acordo com seus próprios padrões morais. Eu falei bastante sobre Jesus, e como Jesus amava sair com prostitutas, trapaceiros e rejeitados da sociedade. Eu estava tentando fazer com que Ryan visse que podia confiar em Jesus, embora tivesse dificuldade em confiar nos cristãos. Lembrei-lhe que ele confiava em mim e em Amy. E falei sobre como ele precisava perdoar seus pais, pois, caso contrário ele estaria apenas rejeitando-os da mesma forma que o haviam rejeitado.

Eu estava completamente despreparado para o que viria a seguir. “Se eu lhe pedisse para fazer alguma coisa por mim, você faria?” Ryan perguntou.

Agora, quando você está falando com um transexual, naturalmente você ficar um pouco desconfortável com esse tipo de pergunta. Mas desde que eu tinha acabado de pregar-lhe sobre a confiança, eu tinha que lhe dar o benefício da dúvida. Então eu disse: “Claro. . . qualquer coisa. ”

“Você poderia ligar para minha mãe e pedir que ela viesse até aqui?”

“Aqui? Quer dizer, à Starbucks?”

“Não, quero dizer Omaha. Ela nunca esteve aqui. Pedi-lhe para vir aqui várias vezes, mas ela não vem. Ela acha que isso seria ‘validar o meu estilo de vida’. Mas eu só quero vê-la. Acho que temos muito a conversar. . . muita raiva e dor para jogar fora.”

“Então deixe-me ver se entendi”, eu perguntei. “Você quer que eu chame sua mãe, a quem eu nunca conheci, e pedir-lhe para voar até Omaha para vê-lo?”

“Sim! Bob, ouça. . . você é um pastor. Ela vai confiar em você. Você pode falar a língua dela. Ela acha que eu sou viciado em sexo depravado. Mas ela vai ouvir você. Bob, você é meu amigo. Faça-a vir aqui.”

Por um momento, eu senti o tempo lento, como nos filmes. “Você é meu amigo.” Eu não podia escapar a magnitude dessa afirmação. Ryan estava pedindo a minha ajuda na superação do problema que mais o atrapalhava a ver o evangelho em sua vida: seu relacionamento quebrado com sua família. Ryan estava começando a querer confiar em Jesus. Mas ele nunca iria confiar em Jesus, se ele não pudesse perdoar a sua mãe. E ele nunca iria confiar em Jesus, se ele não pudesse confiar em mim.

Então, eu peguei um guardanapo e uma caneta e escrevi o telefone da mãe dele.

Não apenas você e Jesus

Em algum momento ao longo do tempo, individualizamos o evangelho. Nós dissemos que se tratava apenas de “você e Jesus.” Esquecemo-nos que o Evangelho não é apenas mudar o seu destino após a morte, que ele muda tudo. O Evangelho transforma as sociedades, renova as famílias e cura as relações. É por isso que Jesus o chamou de “o evangelho do Reino” (Lucas 16:16). O evangelho é todo sobre o governo e reinado de Jesus. E onde Jesus é corretamente honrado como Senhor, ali há mais do que apenas a salvação pessoal; ali há ação redentora! O evangelho é holístico. Dizer que eu me preocupava com a alma de Ryan, sem me preocupar com seu relacionamento com sua família seria o auge da hipocrisia. A resposta não era, “aceite a salvação e então vamos lidar com suas relações familiares.” A resposta era: “Deus quer curar as feridas da sua família. Ele é um Deus redentor.”

Agora pergunte a si mesmo: Quantas vezes você relaciona as dificuldades nas vidas dos seus discípulos com o evangelho? Se Ryan fosse um cristão, nós provavelmente diríamos: “Leia este livro sobre a forma de honrar pai e mãe”, ou “Faça um estudo sobre o perdão na Bíblia”, ou “Basta manter a caminhada com Jesus e as coisas vão funcionar bem.” Mas o discipulado centrado no evangelho pede estas perguntas: Como o evangelho precisa ser expressado nesta situação? Ou: Que pecado do coração está na raiz do problema? Ou: Qual verdade do evangelho não está sendo crida ou vivida?

Isso é o que distingue o cristianismo bíblico da psicologia pop. Qualquer psicólogo pagão pode dizer, “controle sua raiva, perdoem uns aos outros, trate os outros com respeito.” Mas o que é que dá o poder de amar e de perdoar ou de respeitar os outros? É o evangelho! E o que é que nos impede de fazer essas coisas? É a nossa incredulidade, nossa falta de confiança em Deus, os ídolos do nosso coração, nosso pecado. No caso de Ryan, eu sabia duas coisas: Seus ídolos de controle e egoísmo foram impedindo-o de amar seus pais, e seus pais também tinham seus próprios ídolos do coração, que os impedia de realmente amar Ryan como Jesus faria. Então, pedir à mãe de Ryan para voar para Omaha era mais do que um favor amigável, era uma ação redentora centrada no evangelho. Foi viver à luz do evangelho de uma maneira real e tangível. Foi o que Jesus faria.

Então, eu me vi envolvido na conversa por telefone mais estranha que eu já tive na minha vida. “Oi, meu nome é Bob e eu estou ligando de Omaha. Eu sou amigo de Ryan. Bem, não aquele tipo de amigo. Na verdade, eu sou seu pastor. Bem, tecnicamente, ele nunca foi a nossa igreja. Mas ele é um amigo de uma amiga, e agora ele é meu amigo. Isso faz sentido?”

“Está tudo bem com o Ryan?”

“Sim, por quê?”

“Porque a única razão que eu posso pensar para um pastor me ligar de Omaha é que algo ruim aconteceu.”

“Não, não… na verdade algo muito bom está ocorrendo.”

O evangelho te liberta para arriscar

O que é que nos impede de fazer esse tipo de ação redentora centrada no evangelho? É uma falta de crença no evangelho. Quando nós realmente acreditamos que Deus é por nós, não temos medo da rejeição por amigos, familiares e colegas. Não estamos mais vivendo para a sua aprovação, já temos a aprovação de Deus. É o que Paulo estava falando quando disse: “Se Deus é por nós, quem será contra nós?” (Rm 8:31) O evangelho é o que nos permite amar perigosamente, do modo como Jesus fez. E o amor perigoso é o que estimula o evangelismo eficaz, a justiça social, a comunhão, as missões e a reconciliação.

Os pais de Ryan chegaram à cidade duas semanas mais tarde, e foi uma ótima visita. Eles assumiram o risco de reconhecer seu pecado e pediram perdão a Ryan, independentemente do seu estilo de vida. E Ryan assumiu o risco de começar a perdoá-los. Sua visita não resolveu todos os problemas nem apagou toda a dor. Mas era um ponto de partida. E Ryan estava certo: Trabalhar certas coisas com os seus pais o ajudou a remover a sua animosidade para com Deus.

Até este ponto, Ryan só tinha posto os pés em nossa igreja uma vez. Calhou de ser a noite em que estávamos discutindo a masculinidade e a feminilidade bíblicamente compreendidas, o que foi uma coincidência ou muito ruim ou uma comédia divina. Poderia haver qualquer tema mais complicado para um homem que pensa que é realmente uma mulher? E o que é pior, naquela noite, como parte da diâmica do estudo, dividimos os presentes em dois grupos, homens e mulheres. Ryan tinha vindo até mim, sorrindo, e perguntou em que o grupo que eu queria que ele fosse. Eu disse que ele deveria ir para o grupo dos homens, mas isso só durou alguns minutos. Ele acabou sentado na parte de trás do grupo das mulheres, enquanto todas as meninas olhavam incômodas para ele. Eu tinha certeza que ele nunca mais iria voltar. Mas no fim de semana da visita de seus pais, todos eles apareceram juntos para o culto de adoração.

Poucas semanas depois, Ryan e eu saímos para comer um bife em um dos melhores restaurantes da cidade. Era a sua maneira de agradecer-me ter feito seus pais virem visitá-lo. Se pensasse muito sobre isso, acharia um pouco estranho: eu, um ministro casado, me encontrando com um transexual travestido. Mas minha esposa estava tranquila com ele, e afinal de contas, a Bíblia fala sobre ser “tudo para com todos.” Além disso, foi divertido assistir o garçom tentar descobrir o que estava acontecendo.

Ryan ainda não confia em Jesus. Mas eu ouso dizer que ele conhece melhor o evangelho do que muitos cristãos. Ele sabe que ele é um pessoa despedaçada, mas não mais quebrado do que o vizinho do lado. Ele sabe que os ídolos do egoísmo e controle dominam a paisagem do seu coração. Ele sabe que Jesus pode mudar tudo, inclusive seus próprios desejos, se ele se humilhar e render-se. E ele sabe que ser um discípulo de Jesus não é apenas sair do inferno ou ser sexualmente saudável. É basicamente o resgate feito por um Deus redentor, que oferece um tipo de vida totalmente novo.

O evangelho não é apenas ficar bem com Deus; ele liberta a deleitar-se em Deus. Então sature seu discipulado com o Evangelho. Porque você é um pecador (e assim são os seus discípulos). E Jesus é sua única esperança.

Traduzido por Gustavo Vilela | iPródigo.com | Original aqui