Quando as aflições se empilham

Já deve ter acontecido com você. Aflições inéditas entram na sua vida. Junto com elas, todas as novas experiências. A ansiedade. A insônia. As trevas, solidão, raiva, sofrimento. Tudo junto.

Pela graça de Deus, você consegue seguir em frente. A tempestade parece terminar. Há um alívio enorme ao raiar do sol. Lágrimas de alegria vêm em humilde regozijo ao ver o fim da tempestade. Aí acontece. Outra tempestade entra na sua vida. E outra depois dessa. E outra. Talvez a volta de uma provação anterior. Ou uma mistura de diferentes provações; uma financeira em cima de uma espiritual. Ou uma provação física em consequência de uma provação física anterior. Ou tudo isso junto.

As perguntas: “Ok, Senhor, eu não atingi minha cota de sofrimentos deste ano? Não tem alguma espécie de torneira de provações que fique vazia de vez em quando?”

A frustração: “Não é possível que isso esteja acontecendo de novo.”

O desespero: “Como é que eu vou conseguir ir em frente e ser fiel em todas as outras coisas da minha vida com essas tempestades constantes?”

Isso tudo é normal. Talvez nem tudo seja desculpável, mas é normal mesmo assim. E não tem pó de pirlimpimpim pra resolver esses problemas, é claro. Estamos falando de uma cruz por excelência da vida, afinal.

Embora não seja uma lista exaustiva, aqui estão algumas explicações possíveis para aflições múltiplas que Deus permite em nossas vidas:

  • Aflições podem voltar quando nossa esperança e refúgio estão no lugar errado.“Deus é nosso refúgio e fortaleza, socorro bem-presente nas tribulações” (Salmos 46.1)

    Após passar pela tribulação, nós, talvez, ficamos felizes demais por ela ter terminado. Nosso conforto pode ser mais focado no fato de sairmos do vale da sombra da morte em vez de ser focado na companhia do Pastor.

    Mas nós não aprendemos a confiar em Deus até que confiemos nele tanto quanto ao tipo como quanto à duração das provações. Talvez nada na vida cristã seja mais extenuante que isso.
  • Aflições podem voltar porque Satanás não desiste fácil.“Então, o SENHOR disse a Satanás: Donde vens? Respondeu Satanás ao SENHOR e disse: De rodear a terra e passear por ela. Perguntou o SENHOR a Satanás: Observaste o meu servo Jó? Porque ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a Deus e que se desvia do mal. Ele conserva a sua integridade, embora me incitasses contra ele, para o consumir sem causa.” (Jó 2.2-3)

    A resposta de Satanás nunca para de me chocar: “De rodear a terra e… passear por ela”. Ele não está dizendo “É, Deus, eu estive dando uma voltinha pelo planeta, aproveitando a majestade da tua criação!”. É um rondar agourento; uma vigilância não-solicitada e sinistra, uma invasão mal-intencionada sobre o povo de Deus.

    Combine isso com o fato de que Satanás não sofre o peso de enfermidades físicas, como nós sofremos, e você tem aflição empilhada na vida dos amados filhos de Deus.
  • Aflições podem voltar porque somos geralmente muito lentos em aprender da amável disciplina de Deus.“e estais esquecidos da exortação que, como a filhos, discorre convosco: ‘Filho meu, não menosprezes a correção que vem do Senhor, nem desmaies quando por ele és reprovado; porque o Senhor corrige a quem ama e açoita a todo filho a quem recebe.’” (Hebreus 12.5-6)

    Sofrimento pode se repetir se não abraçamos suficientemente a disciplina de Deus. Talvez tenhamos que correr mais algumas voltas na pista da aflição se não aprendemos da primeira vez. Precisamos ficar mais tempo na escola do sofrimento. Mas isso não é uma expressão da condenação de Deus mais do que quando um pai amável permite que seu filhinho seja submetido a mais uma cirurgia para salvar sua vida. A disciplina de Deus nunca é focada em condenação, mas em santificação.
  • Aflições podem voltar porque uma martelada no formão não completa a escultura.“Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus.” (Filipenses 1.6)

    O renomado escultor, Michelangelo, gastou vários anos diligentes com ferramentas como martelos, formões e malhos para criar sua famosa estátua de mármore de Moisés. Mais do que uma martelada e corte de formão foram necessários para esculpir aquela obra prima. Também é assim com nosso bom Mestre Escultor. Ele nos ama tanto que não se contentará com nada menos do que o Cristo espiritual esculpido em nós. Mas isso significará aflições recorrentes.
  • Aflições podem voltar para nos preparar para maior utilidade.“Todo ramo que, estando em mim, não der fruto, ele o corta; e todo o que dá fruto limpa, para que produza mais fruto ainda.” (João 15.2)

    Cortar e aparar apenas alguns galhos aqui e ali será insuficiente para a maioria das árvores frutíferas. O frutificar de maior utilidade floresce a partir da poda contínua. Isso significa arrancar repetidamente nossos galhos inúteis e entorpecidos. E o Podador sabe exatamente o que ele está fazendo; nos podando para o alto e sagrado privilégio de uma maior utilidade em propósitos redentivos.

    Spurgeon disse algo parecido, “Quando o trigo dorme confortavelmente na casca, ele é inútil ao homem. Ele precisa ser debulhado de seu lugar de descanso antes que seu valor seja conhecido.”
  • Aflições podem voltar para nos ensinar a andar por fé, não pelo que vemos.

    visto que andamos por fé e não pelo que vemos.” (2 Coríntios 5.7)

    Nós podemos ser levados a vales mais profundos e escuros para nosso próprio bem, desmamando-nos de nossa visão. Talvez confiemos em nosso passo tímido de ovelhas do que na orientação de nosso Pastor. Confiança é mais importante do que compreensão.
  • Aflições podem voltar para arrancar nossa lerdeza espiritual. Sede vigilantes, permanecei firmes na fé, portai-vos varonilmente, fortalecei-vos” (1 Coríntios 16.13)

    Preguiça nos meios de graça é um perigo maior do que qualquer provação que um cristão pode enfrentar. Provações nos mantêm acordados no leme, em vez de sonolentos no casco. Nossa vida de oração pega tração. Meditação nas escrituras se torna uma necessidade absoluta em vez de uma tarefa ritualística. Arrependimento se torna um solavanco suave em vez de um duro puxão. Nós progredimos de meramente gostar de nossa igreja local a precisar completamente dela. Aflição repetida pode ser um dom para arrancar camadas de nossa preguiça espiritual.
  • Aflições podem voltar porque nosso Senhor deseja intimidade prolongada conosco.

    “Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque tu estás comigo; o teu bordão e o teu cajado me consolam.” (Salmos 23.4)

    Dias ensolarados nem sempre nos motivam à intimidade com nosso Senhor. As coisas são menos urgentes e mais relaxadas. Jornadas repetidas pelo vale das trevas nos arrancam das bugigangas e acessórios aos quais nos agarramos. Percebemos que eles não ajudam no cuidado de nossas almas. Assim, somos levados novamente à doçura do quebrantamento, agarrados ao nosso Pastor. Talvez o vale escuro seja prolongado para termos aquela comunhão que Cristo deseja conosco.
  • Aflições podem voltar para nos ajudar a valorizar o que é valioso.“Por isso, não desanimamos; pelo contrário, mesmo que o nosso homem exterior se corrompa, contudo, o nosso homem interior se renova de dia em dia. Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso de glória, acima de toda comparação, não atentando nós nas coisas que se veem, mas nas que se não veem; porque as que se veem são temporais, e as que se não veem são eternas.” (2 Coríntios 4.16-18)

    Após algumas provações é possível que nós as valorizemos principalmente porque terminaram. Nós podemos ter aprendido algumas lições de fé. Mas talvez ainda nos prendamos ao mundo de certa forma. Nossas garras podem não se desprender do mundo no primeiro puxão. Elas podem precisar ser forçadas mais um pouco, e mais ainda, até que soltemos.
  • Aflições podem voltar para demonstrar a natureza indestrutível da fé salvadora.

    Nisso exultais, embora, no presente, por breve tempo, se necessário, sejais contristados por várias provações, para que, uma vez confirmado o valor da vossa fé, muito mais preciosa do que o ouro perecível, mesmo apurado por fogo, redunde em louvor, glória e honra na revelação de Jesus Cristo; ” (1 Pedro 1.6-7)

    Embora o fogo incinere coisas como madeira, palha e restolho, ele meramente refina e purifica o ouro. Deus burila a fé de ouro do seu povo para encorajá-lo com a natureza indestrutível da salvação.

    Ventos e ondas batendo nas rochas do litoral mostram algo fascinante: a rocha é imóvel em comparação com as ondas. Charles Spurgeon uma vez escreveu: “Nosso Senhor valoriza tanto a fé de seu povo que, em sua infinita sabedoria e abundante amor, ele não vai poupá-los de provações pelas quais a fé é fortalecida.”
  • Aflições podem voltar por razões que simplesmente não conhecemos.

    Enquanto as explicações anteriores podem ser verdade em algumas provações, pode ser que ocorram outras onde isso não é claro. Apesar da humildade que aprendeu, Jó não ficou sabendo do que aconteceu nos capítulos 1 e 2 do livro de Jó antes de ir para o céu. Isso não significa que não havia uma explicação, mas que Deus em sua sabedoria não a quis revelar.

    No entanto, quando nos encontramos no fundo do vale sombrio, ainda podemos orar uma das maiores orações que um ser humano pode orar. “Ah! Nosso Deus… não sabemos nós o que fazer; porém os nossos olhos estão postos em ti.” (2 Crônicas 20.12). Nosso Senhor crucificado e Pastor de nossas almas nos vê pelo caminho seguro indo a um tempo e lugar em que nossas aflições empilhadas serão somente uma antiga memória.